"Cine Holliúdy tem um percurso inédito no audiovisual brasileiro. Era um curta-metragem que virou longa-metragem e ganhou sequência. Depois, virou série televisiva, que agora tem reprise em menos de um ano”. As palavras são do cineasta cearense Halder Gomes, que dirigiu os produtos da franquia, em coletiva virtual realizada na última semana. A adaptação para a TV, idealizada por Marcio Wilson e Claudio Paiva e dirigida por Halder e Renata Porto D’Ave, teve lançamento em abril de 2019 na Globoplay, seguida pela exibição na TV Globo em maio do mesmo ano. A atração retorna à Globo hoje, às 22h30, após Fina estampa.

O seriado em dez episódios conta a história da chegada da TV em Pitombas, cidade fictícia no interior do Ceará, para a infelicidade de Francisgleydisson (Edmilson Filho), dono da única sala de cinema da região. No primeiro capítulo, o equipamento chega junto com Maria do Socorro (Heloísa Perissé), nova esposa do prefeito Olegário (Matheus Nachtergaele), e sua filha Marylin (Letícia Colin). Mesmo encantado pela enteada do político, Francis decide roubar o aparelho com a ajuda do melhor amigo, Munízio (Haroldo Guimarães). Eles são presos, mas acabam soltos pela compaixão de Marylin, que descobre a chance de se tornar atriz de cinema.
"Cine Holliúdy fala de um Brasil muito especial, onde imperavam os cineminhas do interior. A falência dessas salas com a chegada da TV foi um fenômeno em todo o terceiro mundo”, continua Halder Gomes. “Quando exibimos o filme na Tailândia, as pessoas falavam da mesma situação lá. Era um tipo de cinema lúdico, de aventura, que estava muito lúcido na memória da população.”

A franquia nasceu em 2004, com o curta Cine Holiúdy - O artista contra o caba do mal. O filme foi contemplado no primeiro edital de longas de baixo orçamento do Ministério da Cultura do Brasil, em 2009, sendo lançado em 2013. A continuação, Cine Holliúdy 2: A chibata sideral, foi de 2018. A série de 2019 foi gravada em Areias, no interior de São Paulo, mas é ambientada no Ceará da década de 1970. A atração conta com participações de Ney Latorraca, Chico Diaz, Ingrid Guimarães, Miguel Falabella, entre outros.

"Queríamos que a série tivesse esse sentimento de representatividade, que tocasse o coração do público nordestino", diz Halder. "Os meninos tiveram muito cuidado quando escreveram e preservamos isso no set. Eles depositam uma devoção nessas pessoas que são tão carentes no audiovisual, principalmente se estando no horário nobre da Globo. O cinema nordestino foi renegado em diversas épocas, e sua população privada de acessos. O Nordeste que nós vivemos é uma montanha-russa de rir ou chorar, sempre com histórias muito fortes, e na comédia não pode ser diferente."

Matheus Nachtergaele acredita que a série seja um exemplo de obra em que o brasileiro pode fazer as pazes consigo próprio. “Desde meados dos anos 2010 que estamos vivendo uma sensação de não gostar mais de quem somos. Essa sensação culminou com o aspecto mais sombrio da nossa política subindo ao poder. Em meio a isso, a série aparece como uma declaração de amor às nossas tradições da comédia, do povo nordestino. Tem uma inspiração em O bem-amado (1973), sobretudo no meu personagem, o que homenageia essa parte carinhosa e amada do país, que tem sido atacada há muito tempo”, diz o ator, que já viveu diversos nordestinos emblemáticos no cinema, apesar de ser paulista, como João Grilo em O auto da Compadecida.

"Em meio a tanta tristeza, é bom reviver essa obra e entrar na casa do brasileiro”, diz diretora artística da série, Patrícia Pedrosa. “É uma história que fala da resistência do cinema em frente à TV. O protagonismo é tentar achar maneiras de manter o cinema dele vivo, enquanto nós em casa também estamos tentando inovar." Claudio Paiva, um dos autores, acredita que o protagonista Francisgleydisson representa um lado heróico do brasileiro. "É muito legal e importante estar voltando ao ar para falar sobre a resistência de um sonho. O Brasil precisa da comédia para continuar sonhando. Não podemos perder a esperança."