Existem certos elementos que são comuns às óperas, tais quais a maquiagem carregada dos solistas, um cenário grandioso e notáveis figurinos. A orquestra geralmente fica no fosso para acompanhar a interpretação dramática, e o jogo de luz põe os donos das vozes em evidência. Mas na apresentação da Filarmônica de Minas Gerais de “Madama Butterfly”, uma das mais importantes óperas do compositor italiano Giacomo Puccini, não haverá nada disso.

Isso porque a casa da Filarmônica, a Sala Minas Gerais, “foi desenhada para ser uma sala de música sinfônica essencialmente”, conforme explica o diretor artístico e regente titular da orquestra, o maestro Fabio Mechetti. Essa característica, no entanto, não diminuiu em absolutamente nada a apresentação desta quinta (13) e sexta-feira (14), chamada de cênico-sinfônica. Antes isso: a estrutura da Sala Minas Gerais faz com que o principal esteja em destaque. “O que vale mesmo é a música”, sintetiza Mechetti.

Isso não quer dizer, porém, que não houve um trabalho árduo trabalho – que durou cerca de seis meses – para a construção da obra de Puccini. Ganhador do Prêmio Carlos Gomes de Ópera e Música Erudita por três anos consecutivos, o diretor de cena André Heller-Lopes ficou responsável pela montagem de “Madama Butterfly”, executada pela primeira vez há 120 anos. 

“O desafio do concerto-cênico é sempre entender o limite entre o bom gosto e o exagero. É tão bonito poder ver a orquestra tocar, ouvir o som... As salas de concerto são poucas no Brasil, e aqui [na Sala Minas Gerais] é um lugar para se ver a música, é onde ela se materializa na sua frente. As pessoas podem ter um contato visual com o som, porque a acústica é maravilhosa”, reflete Heller-Lopes. “Saber que eu sou terceiro na lista de prioridades é um trabalho para mim e para a minha terapeuta”, brinca o diretor de cena.

Dessa maneira, a história é contada por meio de sutilezas cenográficas. A trama se passa no Japão do início do século XX e conta a trágica trajetória de Cio-Cio-San, uma gueixa de 15 anos, conhecida também como Butterfly, que se apaixona por um oficial da marinha, o tenente Pinkerton, quando este a pede em casamento. O oficial, no entanto, deixa o Japão e abandona a jovem, grávida.

De volta aos Estados Unidos, ele se casa com uma norte-americana. Butterfly, porém, permanece fiel ao antigo companheiro na esperança de retomar o relacionamento com ele. Quando Pinkerton finalmente volta para o Japão é para apenas buscar o filho, e Cio-Cio-San, então, não consegue suportar a própria existência sem o afeto do tenente e comete haraquiri, o ritual japonês de “suicídio honroso.” 

“Tem momentos em que há distribuição de flores, mas aqui não há jardins enormes, então, posso usar pétalas. Também posso simbolizar o suicídio dela, usando o espaço e as entradas da sala. Nós convidamos o público a imaginar”, indica Heller-Lopes.

“Não temos cenário, mas vamos ter movimentação cênica, e as legendas vão dar a ideia da narrativa para o público. Teremos alguns artifícios de encenação, como as pétalas de flores, a faca com que ela se mata… A opção foi fazer algo de maneira sugestiva, com elementos que indicam o ambiente do Japão, como lanternas japonesas e projeções de imagens de um artista japonês”, complementa o maestro Mechetti.

Trabalho vigoroso em equipe
Em cena, 170 artistas trabalharão em sincronia a favor de “Madama Butterfly”. São 90 músicos da Filarmônica, 72 cantores do Coral Lírico de Minas Gerais – que ora ocuparão o coro, ora o backstage – e oito solistas, dentre eles a soprano ítalo-brasileira Camila Provenzale, que dá vida a Cio-Cio-San.

Ela conta que esta é, de longe, uma das óperas mais difíceis para uma soprano. “Das duas horas e meia de duração, eu canto duas horas e dez. Grandes cantoras, como Mirella Freni, preferiram não arriscar e fizeram gravações da ópera. Mas há também a Maria Callas, a quem eu admiro muito, que a cantou ao vivo”, comenta Camila.

Morando em Zurique, na Suíça, Camila conta que recebeu o convite de Mecheti (“um dos maestros que mais me dá oportunidade de cantar no Brasil”) há um ano, e, desde então, se dedica à ópera. “No momento em que ele me convidou, já acionei meus treinadores para nos prepararmos. Esta ópera é semelhante a uma maratona de cem metros, com a diferença de que tenho que ficar muitas horas correndo. Somos atletas da voz. Então, é um desafio muito grande”, evidencia.

De toda maneira, ela se sente preparada. Camila conversou com a reportagem na terça-feira (11) após os ensaios e diz ter de estar se sentindo pronta para encarar a maratona. “Conseguimos alcançar o ponto-chave. Estou muito concentrada em desenvolver a personagem e na expectativa de colocar esse grande feito no meu currículo”, espera. 

No palco, a soprano vai contracenar com o também solista Matheus Pompeu (Pinkerton), tenor mineiro de Três Corações. O artista explica que esta é não é a primeira vez que faz Puccini, mas que não deixa de ser uma tarefa desafiadora.

 “Já cantei ‘La Bohème’, que é uma ópera muito bonita e que espero que façamos aqui em breve. Tenho familiaridade com a música de Puccini, sempre se canta muito concertos, é um repertório que manejo bem. Mas cantar Puccini sempre representa um grande esforço, porque requer muita energia, e a orquestra sempre toca de maneira muito robusta, com vigor e força de vontade”, pontua o tenor.

Centenário de Puccini
A apresentação de “Madama Butterfly” faz parte de uma série de ações realizadas pela Orquestra Filarmônica de Minas Gerais em comemoração pelo centenário de Giacomo Puccini, considerado o maior compositor italiano de ópera depois de Verdi. Ele é um dos grandes criadores do verismo, como são chamadas as óperas realísticas.

“Puccini talvez seja o exemplo mais marcante daquilo que a gente chama de verismo, em que artistas em geral passaram a retratar a vida do homem comum, e não tantos a dos deuses ou dos heróis, como acontecia em óperas anteriores. ‘Madama Butterfly’ é um exemplo disso, porque conta a história de pessoas normais e os dramas que elas vivem”, aponta o diretor artístico e regente titular da orquestra, o maestro Fabio Mechetti. 

Esse, aliás, pode ser um dos motivos pelos quais o público vaiou a “Madama Butterfly” na primeira vez em que foi apresentada, em fevereiro de 1904. Considerada um dos maiores fiascos da história, a plateia reprovou a ópera, poque, dentre outros motivos, considerou a ambientação e a sonoridade diferentes de tudo que tinham visto até aquele momento.

"A cultura do Japão, naquela época, era considerada exótica nos Estados Unidos. Foi um contrate entre o ocidental e o oriental, algo muito comum na música”, analisa o maestro. Depois disso, Puccini reformulou a ópera, e, três meses depois, a obra foi aplaudia de pé – e é esta versão que a plateia vai conferir nesta quinta e sexta-feira. 

Diretor de cena do espetáculo, André Heller-Lopes destaca a importância do compositor para a música, mas põe em xeque o comportamento dele. “É um compositor tão maravilhoso, que escreve tão bem, mas um ser humano muito difícil. Mesmo sendo casado, ele tinha milhões de amantes e pegava uma mulher a cada ópera que fazia”, revela.

Ainda assim, Heller-Lopes destaca que o trabalho dele deve ser celebrado. “A música do Puccini transcende o homem Puccini”, fala, evidenciando o papel da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais em apresentá-la. “Quero que as pessoas percebam a beleza do que é feito aqui. A Filarmônica é muito importante não só para Minas, como para o Brasil inteiro”, finaliza.

SERVIÇO

Filarmônica de Minas Gerais apresenta Madama Butterfly, de Puccini

Onde. Sala Minas Gerais (rua Tenente Brito Melo, 1.090, Barro Preto)

Quando. Quinta (13) e sexta (14), 20h30

Quanto. Ingressos esgotados