Quando ganhei um teclado de presente, aos 5 anos de idade, meu pai me disse que me daria um microfone para cantar junto enquanto tocava. “Vai ser aquele que colocar na orelha e na boca, igual ao da Madonna”, ele explicou. Na época, tratava-se de um modelo headset que Madonna, 65, usou durante a turnê “Girlie Show” que a trouxe ao Brasil pela primeira vez, em 1993. Mas, para mim, era simplesmente o “microfone da Madonna”. 30 anos depois eu e outros tantos admiradores daquela que carrega incontestavelmente o título de Rainha do Pop, percebemos que não é só o microfone que ela involuntariamente batizou e, sim, tantos outros artigos que foram associados ao seu nome para denominar alguma coisa. Uma das mais concretas provas é o sutiã pontiagudo que, embora criado pelo renomado estilista francês Jean Paul Gaultier, virou o “sutiã da Madonna”, assim como outros comportamentos e tendências imortalizados por ela.

Muitos desses elementos - inclusive, o sutiã icônico - foram revisitados pelos fãs brasileiros na noite deste sábado, 4, no palco de 812 m² montado na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, para o encerramento da “The Celebration Tour”, turnê de comemoração aos 40 anos de estrada de Madonna. O Brasil foi o escolhido para  receber o maior show de sua carreira e de forma gratuita, mesmo que não fosse uma escolha intencional da cantora. Mero detalhe depois que ela subiu ao palco com um pouco mais de uma hora de atraso (a previsão era 21h45) e disse em sua primeira interação com o público: “Caralho. É o lugar mais lindo do mundo. Isso é mágico, obrigada".

A apresentação, dividida em atos, seguiu um protocolo e set list igual às outras 80 que ela fez durante essa turnê: sem banda aparente no palco e com backing tracks, que são faixas de backing vocal pré-gravadas. A escolha da cantora foi explicada pelo seu produtor, Stuart Price, responsável também por produzir o álbum "Confessions on a Dance Floor" (2005). Ele disse que esse formato da turnê foi a melhor forma de revisitar as gravações antigas e originais que marcaram a carreira de uma das maiores artistas pop de todos os tempos.

Logo no início do show, ao som de “Storm” emendada de “Live to Hell”, Madonna emocionou ao o público ao relembrar e homenagear Keith Haring, artista nova-iorquino e amigo da Madonna que morreu de AIDS em 1990. Coincidentemente, ele faria aniversário no dia de hoje. Além dele, incluiu no telão do palco as imagens de personalidades brasileiras como Cazuza, Renato Russo e Betinho, todas elas vítimas da mesma doença.

Filhos no palco

Para apresentar um espetáculo que celebra sua carreira, alguns de seus seis filhos a acompanharam em todos os 81 shows dessa turnê comemorativa. David Banda, por exemplo, fez solos de guitarra, e Mercy James tocou piano de forma emocionante durante a música "Bad Girl". Estere discotecou para introduzir o clássico "Vogue", que teve trechos de um remix de "Break My Soul", de Beyoncé. A performance dos dançarinos contou como convidada a Anitta no papel de jurada no desfile de ballroom e  o voguing da filha de Madonna - todos eles ganharam nota “10”. Vale mencionar que, em outros shows de “The Celebration Tour”, subiram ao palco para desempenhar o mesmo papel personalidades como Salma Hayley, Donatella Versace e Ricky Martin. Ainda na apresentação. Madonna e Anitta simularam estar recebendo sexo oral dos dançarinos.

Em “Music”, uma das surpresas para a apresentação do Brasil, Madonna convidou a cantora e drag queen Pabllo Vittar para dançar e ser segurada do colo, momento que levou o público ao êxtase. Também subiram ao palco os jovens da escola de samba Rio Carnaval, comandada pelo mestre Pretinho da Serrinha. Bandeiras do Brasil foram sacudidas pelas cantoras enquanto, no telão, foram exibidos fotos de ícones brasileiros de diferentes áreas. Entre eles, estava Marielle Franco, vereadora carioca assassinada em 2018, além de fotos de Pelé, Daniela Mercury, Mano Brown, Elza Soares, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Erika Hilton, Marta e Fernanda Montenegro.

Com um repertório de hits que marcaram a carreira da Rainha do Pop, com direito a uma homenagem ao Michael Jackson no último ato do show em uma performance apenas das silhuetas dos astros mesclando “Billie Jean” e “Like a Virgin”,  a passagem da artista pelas areias cariocas foi uma das maiores apresentações gratuitas da história - cerca de 1,6 milhões de pessoas, de acordo com a Riotur. Ela cravou o feito ao encerrar a sua última apresentação dessa temporada com “Bitch I’m Madonna” na presença de bailarinos vestidos em suas várias versões com figurinos que marcaram as quatro décadas, seguido de “Celebration” sem direito ao bis.

No país que mais mata transexuais no mundo e que as pessoas morrem por serem gays vítimas do conservadorismo na contramão do respeito e da diversidade,  Madonna exaltou a nação queer e exaltou a comunidade LGBTQIA+ apoiando todas as formas de amor e ressignificando positivamente o verde e amarelo da bandeira do Brasil em seus figurinos exclusivos para apresentação brasileira. Fez coreografias e performances eróticas com simulações de sexo, masturbação, auto-prazer, beijo na boca de homens e mulheres em cima do palco e renovou com o público o compromisso que a trouxe aqui há 40 anos: a transgressão e a vontade imensurável de lutar por todas essas causas até o fim. "Nada de medo. Eu vou lutar por vocês até o dia da minha morte", disse como um mantra que mexeu com o país.