Quando o assunto é a presença de artistas estrangeiros em Belo Horizonte, é inevitável citar a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, que abre sua temporada 2024 com um concerto, no dia 2 de março, em que interpreta alguns dos pilares da ópera alemã. Ocorre que, com nada menos que 90 músicos, esse corpo orquestral reúne profissionais de 14 diferentes nacionalidades, com profissionais do Brasil, Venezuela, Estado Unidos, Japão, Rússia, Sérvia, Espanha, França, Coreia do Sul, Chile, Armênia, Bielorrússia, Polônia e Inglaterra. Entre eles, estão a norte-americana Alma Liebrecht, a russa Elena Suchkova e o chileno Pablo Guinez.

“Eu havia vindo ao Brasil na adolescência, com a Orquestra Jovem das Américas. E eu adorei o país. Tanto que, já com mais idade, decidi tentar algo aqui quando me inscrevi para uma audição da Filarmônica de Minas Gerais”, recorda Alma, 39, confessando que, à época, nem sequer pensava muito em ser parte de um conjunto assim, mas quis tentar. “Fiz testes online e vim para duas apresentações, quando fui selecionada como a principal trompista da orquestra. Tudo aconteceu muito rápido, em 2012, mas só consegui me mudar efetivamente em 2013, porque o visto demorou para ficar pronto”, recorda, assinalando que a identificação com o país está, de certa maneira, no sangue.

A trompista Alma Liebrecht, que vive em BH desde 2013

“Sou filha de pai norte-americano e mãe espanhola. Acho que, estando aqui, me sinto mais próxima desse lado materno, dessa cultura que tem muito em comum com a cultura latina”, reflete Alma, mestre em música pela Universidade de Yale que foi introduzida nesse universo, primeiro, por meio do violino, quando tinha 6 anos, e, depois, com a trompa, aos 12. 

Estranhamento. Alma recorda que, quando chegou no país, enfrentou alguns contratempos. “Embora eu tenha gostado muito da experiência desde o começo, hoje percebo que a adaptação não foi fácil”, pontua. “Eu já vim falando um pouco de português, porque fiz um curso antes de me mudar. Mas, na prática, de tanto ficar falando um idioma que conhecia pouco, eu chegava ao fim do dia muito cansada”, diz. Outro estranhamento veio do fato de, pela primeira vez, integrar uma orquestra. “Eu já tinha me apresentado nesse formato, mas sempre como convidada. Agora, eu fazia parte de um naipe liderando-o! Foi muito desafiador”, assinala.

Artistas estrangeiros radicados em BH contam porque decidiram ficar

Há aspectos, aliás, com os quais ela nunca se adaptou. “Se tem uma coisa que me irrita é o fato de os pedestres não serem muito respeitados aqui”, queixa-se. “Mas, mesmo no quesito trânsito, há coisas lindas que ainda me encantam, como a atitude das pessoas que, quando estão sentadas no ônibus, se oferecem para segurar a mochila de quem está de pé”, menciona. Outra razão de elogio é a comida. “No meu país, não é tão fácil ter acesso a uma alimentação saudável como é aqui. Adoro ir a restaurantes self service, onde encontro muitas opções de salada e feijão”, sublinha. “O clima é outro ponto positivo, porque, onde venho, faz muito calor e muito frio. Mas em BH, embora às vezes fique muito quente, o clima é agradável na maior parte do tempo”, assinala.

Vida nova
Na história de Elena Suchkova, 41, a vinda para a cidade veio na forma de uma dessas paixões fulminantes, capazes de nos fazer deixar tudo para trás. “Antes de vir para Belo Horizonte, trabalhei no Teatro Municipal de Santiago, no Chile, em 2006. Lá, eu fui piccolista e flautista principal e tinha vários trabalhos como solista. Eu tinha uma vida estabilizada. Tinha amigos, namorado. Mas, desde que vim ao Brasil para uma viagem de turismo, passei a ficar de olho e, quando surgiu a audição na Filarmônica de Minas Gerais, não deixei essa oportunidade passar”, lembra, citando que o encantamento com o país englobava um amplo leque de aspectos. 

A flautista e piccolista Elena Suchkova, que vive em BH desde 2012

“De primeira, gostei de muita coisa. Do jeito brasileiro, do clima, da comida…”, enumera. E, claro, a qualidade técnica do time que passaria a integrar também entrou na conta. “Antes de vir, eu ouvi a orquestra e me apaixonei. Fiquei realmente impressionada com o nível dos músicos”, relata Elena, que se iniciou na música aos 6 anos, por influência da mãe, no Colégio Musical e no Conservatório de Música Rimsky-Korsakov, em Krasnodar, continuando seus estudos na mesma instituição, mas já na cidade de São Petersburgo.

Acolhimento. Uma das primeiras lembranças de Elena em BH está relacionada à solicitude da população. “É um povo acolhedor e simpático. Quando eu perguntava uma informação, na rua, a pessoa demonstra que quer ajudar e chega até a mudar o destino ou dar mais voltas para nos mostrar um caminho, por exemplo”, comenta. Por outro lado, a cultural falta de compromisso com a pontualidade foi, para ela, um choque. “Antes de vir para cá, morei em Santiago, no Chile. E lá eu já estranhei isso de marcar algo com alguém e a pessoa se atrasar, sem muita cerimônia, o que é inadmissível na Rússia”, diz, garantindo que, agora, já se adaptou e até faz a mesma coisa.

Outro choque, desta vez positivo, diz respeito ao paladar. “Eu gosto muito da comida mineira. Gosto de queijo, de goiabada e da combinação dos dois juntos. Inclusive, essa mistura de sal e doce era uma coisa que eu não conhecia”, pontua.

Nem todos caminhos levam ao mar
Por sua vez, Pablo Guinez, 41, chegou a BH por caminhos tão cheios de curvas quanto as estradas da montanhosa Minas Gerais. Depois de obter os diplomas de licenciatura e bacharelado em contrabaixo pela Universidade do Chile, ele ingressou em uma segunda graduação pela Academia de Música Hanns Eisler, em Berlim. Foi justamente na Alemanha, quando participava do Festival de Música Schleswig-Holstein, que ele conheceu a violista brasileira Flávia.

O contrabaixista Pablo Guinez, que vive em BH desde 2013

“A gente começou a namorar e, então, me mudei com ela para o Rio primeiro, em 2008. Depois, em 2009, fomos morar em Curitiba, onde vivemos quatro anos e tivemos nosso primeiro filho, Mateus, que nasceu em 2011. E, finalmente, em 2013, mudamos para BH, onde tivemos nossa segunda filha, Beatriz, em 2015”, narra, detalhando que a motivação para vir para a capital mineira foi a chance de integrar um projeto do porte da Filarmônica de Minas Gerais. “No Paraná, eu participava da Camerata Antiqua, mas estava atento a outras oportunidades, porque eu foco era integrar um corpo orquestral maior. Daí, abraçamos a chance quando foram anunciadas seletivas da Filarmônica”, comenta, citando que tanto ele quanto a esposa fazem parte do conjunto.

Descoberta. “O que mais gostei foi o clima, porque não gosto de frio e aqui, geralmente, a temperatura é mais alta, mas não tanto a ponto de ser desconfortável”, sinaliza Guinez, acrescentando que, embora já tivesse vivido em outras cidades brasileiras, teve dificuldade para entender o “mineirês”. “No começo, eu tinha muita dificuldade de compreender o que as pessoas estavam dizendo”, aponta. E essa dificuldade de compreesão se estendeu para além da oralidade. “Foi difícil entender que, mesmo que não seja isso, as pessoas nos tratam como se fôssemos amigos ou se quisessem nossa amizade. Então, no começo, eu estranhava quando saia para um bar e me sentia amigo de alguém, que dizia que ia marcar algo depois, que a gente iria voltar a se ver, mas isso nunca acontecia”, diz.

Guinez acrescenta que se considera um fanático pela música popular brasileira desde antes de me mudar para o Brasil. “No Chile, eu já escutava Chico Buarque, João Bosco, Djavan e Caetano Veloso, por exemplo. Quando mudei para o Rio e, depois, para BH, me conectei ainda mais com essa música, que está tão presente na cidade”, assinala, se dizendo impressionado com a quantidade de apresentações ao vivo – “todo barzinho tem alguém tocando”. “Nesse sentido, o que aconteceu de melhor em Minas foi ter contato com Clube da Esquina – uma descoberta importante para mim, que veio seguida da chance de tocar com pessoas como Lô Borges, Beto Guedes e Toninho Horta”, orgulha-se.