A graça sobre a casa que “não tinha teto, não tinha nada” invadia o lar da família pelas frestas dos quartos, da cozinha, da sala, onde corriam animadamente as canções do disco com poemas de Vinicius de Moraes, “A Arca de Noé”, lançado em 1980, em que despontava a interpretação do Boca Livre, enquanto se estava às voltas com o nascimento da pequena Lúcia, que, ao lado das irmãs Marina e Flávia Ferraz formaria em Belo Horizonte o trio Amaranto.

Nesta sexta (31), esse encontro acontece no palco. Pela primeira vez, a convite dos veteranos cariocas, as anfitriãs dividem a ribalta com os ídolos. Logo, um filme vêm à cabeça de Flávia, dela com toda a família indo passar férias na praia. No carro, uma fita cassete gravada por um tio para se “viajar ouvindo” as músicas que o grupo transformou em clássicos da MPB. 

“A gente tem uma história afetiva com o Boca Livre que remete à nossa infância. E, ao longo da carreira do Amaranto, tivemos pequenas oportunidades de contato, como uma mesa de conversa no Festival Internacional de Corais (FIC), em 2004, no começo da nossa carreira”, conta Flávia, cuja aura de sonho daquele momento segue impregnada em suas memórias.

Durante a pandemia de Covid-19, as irmãs se reuniram virtualmente com Zé Renato, um dos integrantes do grupo, para lives que renderam os registros da então inédita “A Primeira Luz”, com letra de Fernando Brant, “A Estrela Vai Estar Lá” (feita com Zeca Baleiro), e a interpretação de “Cantar”, valsa de Godofredo Guedes. “Elas são muito talentosas, temos uma admiração recíproca”, assinala Zé Renato. 

Afinidade 

O músico relembra que a afinidade também levou a um espetáculo infantil que ele realizou com o Amaranto em Juiz de Fora. Não por acaso, quem o despertou para o talento das irmãs foi o compositor juiz-forano Tavinho Moura, parceiro de Márcio Borges em “Cruzada”, gravada pelo Boca Livre em 1992. Agora, a ideia é unir “as versatilidades” em prol de um repertório “diversificado” e pontualmente comum. 

“Elas cantam canções que o Boca Livre poderia cantar e vice-versa”, reforça Zé Renato. “Toada”, “Folia”, “Ponta de Areia”, “Quem Tem a Viola” e “Mistérios” são alguns dos sucessos garantidos nessa “grande celebração”, que parecem dar razão a quem ainda pensa que o Boca Livre nasceu em Minas Gerais, como era muito usual na década de 1970, quando o quarteto estreou em LP cantando Nelson Angelo, Toninho Horta e Milton Nascimento.

Ao lado de canções importantes na trajetória do grupo, a recente “Rio Grande”, de Zé Renato e Nando Reis, comparece com a mesma força que “Chegou no Vento”, de Vinicius Cantuária e Xico Chaves, que por muito tempo ficou ausente das apresentações, delineando um vínculo entre passado e presente que intenciona manter o olhar do Boca Livre firme no horizonte, onde já se avista a homenagem a “um dos maiores compositores brasileiros”.

Futuro 

“Em breve a gente vai poder conversar mais detalhadamente sobre esse trabalho, que terá a produção do João Viana, baterista e filho do Djavan”, despista Zé Renato. Com ensaios em andamento, a expectativa é que a novidade seja apresentada ao público em 2026. Aos poucos, o trio Amaranto também reativa a vontade de “escrever uma historinha”, após o lançamento de alguns singles. 

“O álbum é sempre uma história, com todas as obras amarradas no mesmo pacote. Está rolando essa conversa, mas ainda não temos previsão, porque criamos sem pressa, sentindo o tempo das coisas”, informa Flávia. Por ora, na companhia do violonista Tabajara Belo, elas nutrem o desejo de ampliar o acesso ao espetáculo baseado nas músicas de Vinicius de Moraes, aquele mesmo que, em tempos quase imemoriais e pela Boca Livre, as revelou o fascínio de cantar em uníssono. 

Serviço

O quê. Boca Livre convida Trio Amaranto

Quando. Nesta sexta (31), às 21h 

Onde. Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537)

Quanto. A partir de R$100 (meia) pela plataforma www.eventim.com.br ou na bilheteria