André Marchina Gonçalves

Colaboração para Nossa, em Murcia (ESP)

 

Eventos como final de campeonato, assim como datas como o Réveillon, costumam ser dias movimentados nas clínicas e hospitais veterinários. Os atendidos nessas datas costumam ter um padrão: atropelados e acidentados. Há também os animais com doença de coração, que podem apresentar uma piora, e os epiléticos, que voltam a convulsionar.

O motivo é sempre o mesmo: fogos de artifício.

 
 

Dos inúmeros casos do tipo que atendi, dois me marcaram mais. O primeiro deles foi em minha primeira noite de Réveillon de plantão: a cachorra se assustou com o barulho, pulou o portão de casa e foi atropelada por um carro. Resultado: às 22h do dia 31 de dezembro estávamos fazendo uma cirurgia para retirar o olho que havia ficado pendurado após o impacto. Não bastasse o trauma sofrido pelo animal, depois da internação seu dono nunca mais voltou para buscá-lo. O motivo? Ele não queria mais a cachorra.

O outro caso marcante foi em um dia como o de hoje, a última rodada de um campeonato brasileiro. Tarde da noite do domingo, já quase segunda-feira quando tocou meu telefone. Era outra emergência: os donos saíram de casa para ver o jogo na casa de um amigo e, quando voltaram, encontraram seu cachorro espetado na lança do portão. Foi necessário chamar os bombeiros para serrar o portão e levar o animal com lança e tudo para a clínica (aliás, essa é a indicação. Em casos assim, remover o objeto pode agravar a lesão).

Os dois casos tiveram final feliz. A cachorrinha sem olho foi adotada pelo meu colega que fez a cirurgia e hoje vive muito feliz (quem conhece algum veterinário sabe que é muito comum termos animais com um olho, três patas, cadeirantes, doentes crônicos, etc., que foram abandonados devido à sua condição).

Já o cachorro que ficou preso na lança teve seu abdômen perfurado, mas por uma grande sorte não teve nenhum órgão ou vaso sanguíneo importante atingido e se recuperou plenamente.

Como evitar o problema

Embora todo mundo saiba que os fogos são assustadores para os animais, muitas pessoas não se importam com isso. Os animais têm uma audição mais sensível que a nossa. Soma-se isso ao fato de não compreenderem o motivo do barulho e temos os ingredientes que transformam eles em um motivo de pavor.

O tamanho do problema? Um estudo de Stefanie Riemer, da Universidade de Berna, na Suíça, publicado em 2019 na revista PLOS ONE, indicou que esse problema afeta, ao menos parcialmente, 52% dos cães. O que fazer para diminuir o problema?

A primeira e mais óbvia atitude a se fazer é não estourar fogos. Algumas cidades e estados brasileiros inclusive já até têm leis que impedem o uso de fogos que geram ruído excessivo. O Rio Grande do Sul e o Distrito Federal, por exemplo, tiveram leis anti-fogos sancionadas no ano passado. Essas leis foram criadas pensando não apenas nos animais, mas também em crianças, idosos, pessoas doentes e portadores de transtornos como o autismo.

Porém, sabemos que na maioria dos lugares os fogos ainda são vendidos e estourados livremente. A alternativa então é tomar uma série de atitudes para minimizar seus efeitos sobre os animais.

Em primeiro lugar e mais importante, eles devem ser colocados em locais seguros, de onde não possam escapar. A grande maioria dos acidentes se dá em tentativas de fuga, já que o instinto do animal é tentar fugir para longe do barulho. Nessa hora, ele pode se machucar no portão ou cair de algum lugar alto, por exemplo. Os que conseguem escapar podem ser atropelados ou se perder.

Também deve ser colocado à disposição do animal um lugar onde ele se sinta confortável — sua cama, casinha, almofada preferida, onde ele possa se esconder se assim quiser. Para gatos, o local de esconderijo é mais fundamental ainda.

Esse é o momento de deixar o animal à vontade. Se ele quiser se esconder, deixe-o, e se ele quiser colo, não negue, já que provavelmente é onde ele se sente protegido. Nesse ambiente seguro, deixe à disposição seus brinquedos favoritos e também alguns petiscos que o entretenham durante algum tempo. Outra dica é ligar uma música ou a televisão para disfarçar o barulho dos rojões, assim como a utilização de protetores para o ouvido, que seu veterinário pode indicar como colocar.

Existem à disposição feromônios sintéticos que também podem ajudar a acalmar o cão. Nos casos mais graves, pode ser necessário até o uso de tranquilizantes, que devem ser utilizados sempre com a indicação de um veterinário. Importante dizer que você NUNCA deve utilizar um tranquilizante no seu animal sem a prescrição de um veterinário. Provavelmente não terá o efeito desejado e pode ser fatal!

Outro problema importante é relacionado aos cães que têm alguma doença, como os cardiopatas. Nesses animais, o estresse gerado pelos fogos pode levar a uma piora na doença e a sintomas graves. Para estes animais, a dica é conversar com o veterinário que o acompanha para ver o que pode ser feito para prevenir qualquer agravamento de quadro.

Prevenção do medo

Porém, mais do que remediar o medo dos cães em relação aos fogos, a dica é tentar fazer com que eles não desenvolvam esse medo. Você leu na última coluna que os cães possuem um pensamento associativo. Dessa forma, a ideia aqui é tentar associar o barulho dos fogos a coisas positivas. Para isso, você pode fazer um treino frequentemente: utilize vídeos e áudios com o som de fogos de artifício, você encontra isso facilmente na internet (aqui nesse site tem alguns https://soundcloud.com/dogstrust/sets/sound-therapy-sounds-scary).

Comece colocando o som baixinho e vá brincando e dando petiscos ao seu cão. Aumente o som gradualmente, tomando cuidado para que ele não se assuste e mantenha as brincadeiras. Repita periodicamente, colocando o som cada vez mais alto. Com o tempo, o animal deve começar a perder o medo. Se não funcionar, procure um veterinário especialista em comportamento animal, que ajudará nesses casos mais complicados.

A ideia é evitar de qualquer maneira um problema, mas infelizmente acidentes acontecem. Nesse caso, leve o animal ao veterinário o mais rápido possível, pois o tempo para o atendimento é de extrema importância. Em casos de trauma, muitas vezes as lesões são internas e podem passar despercebidas em um primeiro momento, mas causam enormes consequências. Somente o veterinário pode descartar de maneira segura qualquer lesão mais grave.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL