Um dos eventos mais importantes do século 20, o Festival de Woodstock completa 50 anos, e as cenas daqueles três dias de rock, sexo, drogas, paz & amor ainda permanecem no imaginário mesmo de quem nem era nascido na época. E isso se dá não apenas graças a filmes, livros, discos que o documentaram, mas também como legado comportamental e musical para as gerações seguintes. Realizado entre os dias 15 e 18 de agosto de 1969, numa fazenda nas proximidades da cidade de Bethel, em Nova York, nos Estados Unidos, o festival atraiu uma multidão de 500 mil pessoas e se tornou um dos marcos da contracultura da década de 1960, numa época em que o movimento hippie contestava a Guerra do Vietnã e propagava a paz.
 
Era um período de transformações pelo mundo. E a música não saiu ilesa. Pelo único palco do festival, escorado no canto de uma ampla área de 600 acres, passaram mais de 30 atrações. E muitos desses artistas viraram referências fundamentais a gerações futuras, como Jimi Hendrix, Joe Cocker, The Who, Santana, Janis Joplin e tantos outros. Há casos especiais, como o de Hendrix, cuja imagem ficou historicamente associada ao festival, por causa de seu icônico solo de guitarra de Star spangled banner, o hino nacional dos EUA, executado de forma ruidosa em protesto à Guerra do Vietnã. Quando se lembra de Woodstock, recorda-se automaticamente de Hendrix, mas também de sexo livre, uso de LSD público brincando na lama ou nu andando pelo festival. Mesmo num cenário caótico como aquele, sem infraestrutura para receber tanta gente, os relatos que se tem é de que a alegria imperava. Entretanto, ao mesmo tempo que o festival, em seus 50 anos, continua a ser reverenciado como símbolo da revolução comportamental, musical e de pensamentos de uma época, o evento não vai ser celebrado neste ano, como ocorreu em outras vezes. Woodstock 50 chegou a ser anunciado, reunindo no line-up - digamos, eclético - nomes como Jay-Z, Chance The Rapper e Miley Cyrus, além de Santana, que participou do evento em 1969. Mas a edição comemorativa acabou sendo cancelada após uma série de problemas, como indefinição do local para sua realização e desistência de artistas.
 
Segundo Michael Lang, um dos criadores do festival original e que também estava à frente da nova versão, o cancelamento foi por obstáculos imprevistos que tornaram impossível que o “festival que imaginamos aconteça”.
 
Para Branco Mello, dos Titãs, o festival de 69 continua importante e ainda inspira novos músicos. “A grande revolução musical que teve nessa época influencia até hoje. A música no mundo foi influenciada pelo festival, mas também por toda essa contracultura, da contestação dos valores da época. É um marco histórico e isso está nas bandas”, avalia. O cantor e compositor Arnaldo Baptista concorda que a relevância se mantém. “Woodstock conseguiu reunir a nata de todas as pessoas importantes da época”, diz o ex-Mutantes. Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, acredita que algumas das bandeiras levantadas no festival lhe parecem pueris e vagas. “Como, por exemplo, ‘a certeza que o amor seria o suficiente para a superação de todos os nossos problemas’. Esse aspecto de Woodstock é de uma ingenuidade avassaladora. No entanto, também falou-se da guerra, da igualdade entre os sexos, e da liberdade sexual e individual. Tudo isso é importante até hoje”, comenta.
 
Músicos da geração mais nova também lembram do festival com ares de utopia. Para o cantor Teago Oliveira, da banda Maglore, nascido em 1985, Woodstock sempre esteve presente como o maior acontecimento musical de todos os tempos. “Os tempos de hoje se parecem com aquela época nesse sentido de ruptura de paradigmas sociais”, opina.
 
Onde tudo acabou

Parecia um êxodo bíblico. Eram hordas e hordas de pessoas, de gente ‘groovy’, freaks and ‘far out’ people indo embora e voltando pra onde quer que seja que voltariam”, relembra o autor e diretor de teatro brasileiro Gerald Thomas, presente no festival. “Woodstock era pra ter sido ‘o lugar onde tudo começou’, mas a lama do último dia conseguiu inverter isso para ‘o lugar onde tudo acabou’. Sim, essa lama virou tragédia e, um ano depois do festival, Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison estavam mortos. Somente um ano depois.”Multidão de 500 mil pessoas viveu três dias de rock, sexo, drogas, paz e amor numa fazenda em Bethel, em Nova York. 

Box definitivo

Um dos lançamentos dos 50 anos de festival é um box deluxe de 38 CDs, com 432 faixas, sendo 267 inéditas das apresentações icônicas de todos os nomes que passaram pelo festival, em ordem cronológica. O Back to the garden: The definitive anniversary achive conta com 36 horas de música. O material possui ainda um Blu-ray do filme de Woodstock, uma réplica do programa, uma correia de guitarra, dois cartazes do festival e um novo livro sobre o evento, escrito por Michael Lang, Woodstock: 3 days of peace & music. Está à venda no site da Warner Music por US$ 1.150 (R$ 4.577).

Um grande documentário
Joe Cocker e a inesquecível With a little help from my friends Bobbi Kelly e Nick Ercoline, o casal hippie clicado pelo fotógrafo Burk Uzzle, na foto mais icônica do festival O longa de Michael Wadleigh que documenta os três dias de Woodstock registra shows de grandes nomes da música, mas o que mais impressiona, ainda hoje é a multidão. O célebre concerto de Gimme shelter, em Altamont, anos antes, terminara com a intervenção dos Hell’s Angels e morte de Meredith Hunter, um jovem negro de 18 anos, fã desesperado por Mick Jagger esfaqueado por uma “gangue” de motoqueiros que se encarregara da segurança do evento. Woodstock marcou a vitória da utopia hippie.
 
Quase sem comida (mas com muita erva), sem assistência médica e sob chuvas intensas que transformaram o local num lamaçal, os jovens cantam, fazem amor, brincam no barro. Nada de estresse nem violência. Pelo menos é essa imagem que Wadleigh eternizou no cinema. Muita gente até se pergunta quem é ou era esse Michael Wadleigh. Todo aquele grande evento foi marcado pela improvisação - e segundo a ficção de Ang Lee, adiante - quase não ocorreu. Wadleigh era um jovem cameraman, quase desconhecido. Comandou a equipe de cinegrafistas que documentou os três dias, colhendo 120 horas de material. A edição demorou nove meses e teve uma equipe de sete montadores, incluindo um jovem Martin Scorsese e a já veterana Thelma Schoonmaker. Ela foi a única indicada para o Oscar da categoria, uma raridade em se tratando de documentário, e Woodstock venceu o prêmio para o melhor documentário de 1970.
 
Naquele tempo, chamava-se Woodstock - Onde tudo começou e teve direito a tapete vermelho, sem participar da competição, em Cannes. Em 1994, surgiu a segunda versão, essa sim chamada de Woodstock - Três dias de paz e amor, para comemorar os 25 anos da grande festa. Em 2009, Ang Lee recriou Woodstock como ficção. Aconteceu em Woodstock é sobre garoto que tenta salvar a fazenda dos pais e oferece o lugar para sediar um evento de rock que uns carinhas de Nova York estão promovendo. O que ninguém imaginava é a proporção que aquilo iria tomar. Elliott, o garoto (Demetri Martin), é virgem, tem uma mãe dominadora (Imelda Staunton) e um amigo descolado (Emile Hirsch) que logo vê a chance de descolarem algumas garotas. Ang Lee já havia recebido seu primeiro Oscar de direção (por O segredo de Brokeback Mountain, em 2005) e esse é considerado seu pior filme. Woodstock, no cinema, só como documentário.
 
Outras edições
Michael Lang organizou dois festivais com o mesmo nome nos anos 1990. Em 94, o evento ganhou o apelido de Mudstock, por conta do lamaçal no campo da fazenda em Saugerties. Bob Dylan, Green Day e Nine Inch Nails foram os destaques. Em 1999, com shows de Rage Against the Machine, Red Hot Chili Peppers e Limp Bizkit, o festival manchou sua história por conta de episódios de incêndios, tumultos, abusos sexuais e violência na plateia.
 
Duas mortes
No festival de 1969, duas mortes foram registradas: uma por overdose de heroína, outra por atropelamento envolvendo um trator. Curiosamente, dois nascimentos ocorreram na fazenda em Bethel.