Prefeitos de grandes cidades pressionam por solução para atrasos de repasses de ICMS e Fundeb
A retenção de repasses constitucionais de ICMS e do Fundeb dos municípios pelo governo do Estado, ilegalidade comum no governo de Fernando Pimentel (PT) e que vem sendo repetida por Romeu Zema (Novo), pode gerar problemas para o atual governador no Supremo Tribunal Federal (STF), culminando, em uma hipótese mais dramática, na possibilidade de uma intervenção no Estado ou em um pedido de impeachment na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Tramita no Supremo desde dezembro de 2017 uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) para que o Estado seja obrigado a efetuar os pagamentos no prazo. Após manifestação da Procuradoria Geral da República (PGR), que ainda analisa o caso, o relator, Luís Roberto Barroso, poderá dar uma decisão. Antes, porém, o ministro Dias Toffoli, presidente do STF e responsável pelo plantão judiciário, pode decidir.
É essa a expectativa de Reinaldo Belli, advogado do PSDB, que protocolou a representação ainda no governo de Fernando Pimentel. No entanto, como ele explica, os efeitos propostos naquela época podem agora recair sobre a gestão de Zema.
“Esta ação não discute a responsabilidade pessoal do ex-governador Fernando Pimentel, ela é contra o Estado. Ele (Pimentel) também está no polo passivo, pois era o governador à época. Esta é uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão, é uma via muito estreita, em que não discute se é improbidade ou crime de responsabilidade. O que cabe é a violação frontal à Constituição, sem prejuízo de eventualmente ações civis públicas serem propostas em face dele (de Pimentel) e do atual governador também”, disse.
Nesta terça, a Associação Mineira de Municípios (AMM) informou que o governo fez os depósitos referentes à primeira semana de 2019. No entanto, diversas grandes cidades apontam que não receberam a totalidade dos recursos devidos neste início de ano. É o caso, por exemplo, de Belo Horizonte, Betim, Montes Claros e Nova Lima.
Por causa disso, prefeitos tentam, por intermediação do vice-governador, Paulo Brant (Novo), uma reunião com os representantes do governo.
Em um caso extremo, se não houver um acordo sobre o pagamento, não descartam nem mesmo solicitar uma intervenção no Estado. Neste caso, os prefeitos teriam que fazer o pedido à PGR, que poderia entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade interventiva no STF ou apelar à Presidência da República, que teria autonomia para decretá-la.
No caso de Belo Horizonte, a dívida total – que inclui os atrasos do governo anterior e parte dos repasses que deveriam ser feitos neste ano – chega a R$ 426 milhões. Em Betim, dos R$ 25 milhões devidos só em 2019, a prefeitura teria recebido apenas R$13 milhões. Em relação aos repasses do Fundeb, de R$ 4 milhões devidos, foram depositados, segundo o município, apenas R$ 3,5 milhões.
Mesmo que o repasse da semana passada tivesse sido efetivamente feito a todos os municípios, segundo Reinaldo Belli ainda haveria a prática de um crime.
“Hoje é o segundo dia útil da semana e, conforme a lei complementar 63/1990, é o dia para repasse do ICMS. Me comuniquei com dois prefeitos, e normalmente cai no fim do expediente bancário, então é amanhã que vamos descobrir se caiu ou não. Mas semana passada só foi pago ontem, houve atraso, e isso é crime de responsabilidade em relação ao novo governador”, disse Belli, lembrando que isso poderia até, em último grau, levar a um impeachment do gestor recém-empossado.
“Independentemente desta ação (no STF), ou seja, sendo o chefe do Poder responsável por transferir e não tendo o Poder (Executivo) transferido, isso implica crime de responsabilidade. Foi objeto até de pedido de impeachment do Pimentel, na época, mas que foi arquivado. E isso poderia se repetir (com Romeu Zema)”, destacou Belli.
O próprio Romeu Zema já demonstrou essa visão recentemente. Em encontro com cerca de 40 prefeitos no dia 9 de novembro, Zema declarou que começar o mandato descumprindo repasses constitucionais seria um péssimo exemplo de gestão. “Eu quero evitar isso ao máximo, quero ver com o nosso pessoal, que vai estar à frente da Secretaria de Fazenda, se pelo menos esses repasses nós teremos condições de assumir a partir de janeiro”, alegou então já eleito para o governo. Zema também apontou a possibilidade de um impeachment ser aberto contra ele caso não cumprisse os repasses dos recursos constitucionais.
Mais problemas
Além dos debates no STF e relativos a um possível crime de responsabilidade, poderia vir à tona uma discussão, na esfera penal, sobre o crime de apropriação indébita, que leva até mesmo à prisão de um a quatro anos em último grau. Especialistas divergem sobre sua aplicação no caso. Reinaldo Belli entende que tecnicamente não é aplicável, “pois o Estado não é pessoa natural que responde por crime”. O advogado especialista em direito público Diamantino Silva Filho, por outro lado, entende que é possível esse enquadramento.
Prefeito fala em risco de “desastre”
O prefeito de Montes Claros, Humberto Souto (PPS), disse que, se o governador Romeu Zema repetir o que Fernando Pimentel (PT) fez em sua gestão “vai ser um desastre e o Estado vai acabar”. Segundo ele, não se está discutindo dinheiro estadual, mas sim a apropriação indébita de recursos constitucionalmente garantidos.
Apesar de não ter recebido quase nenhum recurso neste ano, Souto diz que está dando um “crédito de confiança” ao governador no primeiro mês, para que seja possível analisar o desempenho de Zema na questão. “Se ele não cumprir, aí eu acho que todos os prefeitos devem se reunir e tomar uma posição conjunta no Estado, uma posição forte”, declarou.
AMM diz que repasse da semana passada foi pago hoje
A Associação Mineira de Municípios (AMM) afirmou, veementemente, que os repasses do ICMS que venceram na semana passada, além dos recursos referentes ao Fundeb e ao IPVA, foram pagos nessa segunda-feira e já estavam nos cofres das prefeituras. A entidade chegou a enviar extratos bancários para comprovar os depósitos, apesar das declarações de alguns prefeitos de que não teriam recebido nada do que estava previsto e, em outros casos, quase nada do programado.
Em entrevista à reportagem, o prefeito de Moema, Julvam Lacerda, presidente da AMM, disse que até a tarde desta terça-feira os repasses atrasados estavam sendo feitos, mas que se a parcela com vencimento hoje não fosse paga, o imbróglio poderia ser judicializado. “Até então, o governo está falando em pagar. Estamos esperando para ver como vão reagir. Se hoje entrar de forma regular o desta semana e o de semana passada, vamos continuar construindo o acordo. Se não entrar, nós já vamos para o pau”, disse Lacerda.
A reportagem procurou o governo do Estado por e-mail para se manifestar sobre os repasses, mas não obteve respostas. Por telefone, a assessoria do Executivo disse que não seria possível a manifestação oficial sobre o assunto nesta terça-feira.