Um vagão datado do início do século XX está exposto a sol e chuva, sem qualquer proteção, na sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), na região central de Belo Horizonte. A falta de zelo contribui para a degradação do bem, feito de madeira e de relevância cultural para a história de Minas.

O flagrante foi feito na Casa do Conde, na Praça da Estação, onde o carro está estacionado há quatro anos. Em 2019, dois vagões de madeira foram transferidos da concessionária MRS, em Juiz de Fora, para o pátio do Iphan, após um longo processo de negociação. Na época, os veículos iriam passar por um processo de limpeza, restauração e proteção, e seriam abertos para visitação gratuita do público. Entretanto, nenhuma das etapas foi concluída.

Os veículos são parte da história das ferrovias no Estado. Um deles servia ao primeiro chefe da rede ferroviária em Minas, sendo usado para viajar para fazer despachos. O outro era um carro restaurante. Ambos tinham mobiliários da época, como lustres, ventiladores, mesas e cadeiras de madeira.

Atualmente, apenas um dos vagões está coberto e protegido por uma lona. Nas imagens feitas pelo Hoje em Dia é possível ver que o veículo que permanece ao relento tem danos no teto e perdeu partes da cobertura. A madeira está manchada e desbotada, e as peças de metal na parte inferior do vagão apresentam bastante sujeira.
 
Para o professor Luiz Souza, cientista da conservação e vice-diretor do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (Cecor-UFMG), a situação do vagão é “preocupante”.

“Essa exposição não é recomendada de forma alguma. Como o vagão é de madeira, tem que estar coberto para evitar ataque de cupins, radiação solar, proteger contra a chuva. Esse é um veículo que serviu a uma autoridade, então o interior dele deve ter acabamento em materiais orgânicos, como madeira e couro, que podem deteriorar depressa. É possível que as partes em metal também possam estar em processo de deterioração. Então o fato dele estar ao relento coloca esse patrimônio em uma situação comprometedora, que vai piorar cada vez mais se não for protegido”.

O professor explica ainda que é importante observar a vida pregressa do vagão. Segundo ele, a partir da década de 1990, o acervo ferroviário federal foi concedido à iniciativa privada, às empresas que assumiram o transporte ferroviário no país.

 “É um absurdo um patrimônio ferroviário ter ficado sob guarda dessas empresas por 30 anos, sem o devido cuidado. Muitas vezes o patrimônio é devolvido em condições muito piores do que aquelas em que foram entregues e cabe ao Iphan fazer essa preservação. A responsabilidade por um patrimônio é tão grande que o Iphan tem um grupo de trabalho só para este fim”, diz. Souza ressalta, porém, que o vagão histórico pode ser restaurado. 
 
Em nota, o Iphan informou que os vagões estão sob responsabilidade do próprio instituto. Este ano, foram doados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) ao Instituto Cultural de Artigos e Carros de Época (Icace), com o objetivo de “recuperação e conservação do patrimônio histórico-cultural ferroviário, além da exposição em museu”. O material foi avaliado em R$ 112 mil. 

Segundo o texto, enquanto os vagões aguardam remoção para o novo local, receberão, “a partir da semana que vem”, nova cobertura protetiva para evitar danos.