O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu, na quinta-feira (21/1), liminar suspendendo abertura, no mesmo dia, de processo administrativo aberto pela Controladoria Geral da União (CGU), contra a reitora da UFMG, professora Sandra Regina Goulart Almeida e ex-dirigentes da instituição por supostas irregularidades cometidas na execução do projeto do Memorial da Anistia Política. A decisão foi publicada no Diário Oficial da União (DOU).

 
Em reunião extraordinária realizada na tarde de sexta-feira (22), o Conselho Universitário manifestou, de forma unânime, sua “irrestrita solidariedade” à reitora e afirmou em comunicado “a sanção que ora pretendeu-se impor à Reitora da UFMG, por caminhos jurídicos questionáveis, é decorrente de imputações que foram devida e incansavelmente rechaçadas. No caso, além da ausência de fundamentos objetivos para sancionar, causa perplexidade que tenham sido ignoradas, pela autoridade sancionadora, garantias do devido processo legal, tais como a regra de competência para realizar sindicâncias ou processos administrativos quanto a atos de reitor ou vice-reitor de universidade federal. Chama a atenção que o processamento adotado tenha contrariado até mesmo nota técnica da própria CGU”.
 
O STJ acatou o argumento da defesa da reitora de "vício de competência, pois o procedimento só poderia ser instaurado pelo Ministério da Educação". A suspensão considerou os termos do Decreto 3.669, de 2000, que delega ao MEC poderes para constituir comissão de sindicância ou abrir processo administrativo disciplinar, destinados a apurar irregularidades relativas a atos de dirigentes máximos de fundação ou de autarquia vinculada ao Ministério.
 
"O alegado vício de competência na instauração do processo administrativo disciplinar se reveste de plausibilidade jurídica, sobretudo porque, de fato, em observância ao teor do Decreto nº 3.669/2000, esta Corte Superior de Justiça registra precedentes reconhecendo a competência do Ministro da Educação para instaurar procedimento disciplinar e aplicar sanções a integrantes do quadro pessoal de Universidade Federal”, justificou, na decisão, o ministro Jorge Mussi, vice-presidente do tribunal.
 
No entendimento dos conselheiros, a medida da CGU “configura atentado ao edifício do Estado Democrático de Direito” e fere o princípio da autonomia universitária. “Não podemos admitir que um agente do Estado, qualquer que seja a sua posição e estatuto funcional, lance mão de artifícios punitivos, à revelia da ordem constitucional. Tentativas dessa natureza expõem toda a sociedade brasileira ao gravíssimo risco de ingresso no nefasto terreno da tirania política”, advertiu o Conselho.


A sessão do Conselho Universitário foi conduzida pelo vice-reitor Alessandro Fernandes Moreira, uma vez que o assunto dizia respeito à professora Sandra, que preside o órgão. Ao fim da reunião, a reitora declarou-se “serena e confortada pela acolhida dos conselheiros e da comunidade universitária, mas indignada, como requer o momento, pelo desrespeito à nossa UFMG, e altiva como demanda a nossa instituição, que jamais se curvou ao arbítrio e à injustiça”. E acrescentou: “Em memória daqueles que foram tratados igualmente de forma arbitrária na história da nossa Instituição, eu, como autoridade máxima da nossa UFMG, escolhida pela comunidade para servir a ela, ao Estado e à sociedade, repetindo as palavras de Darcy Ribeiro, que tanto me inspira nos momentos mais difíceis, não vou me resignar. Seguirei minha luta por uma universidade pública que defende a liberdade, a democracia e o Estado de Direito”.

Entenda o caso 
 
O processo administrativo disciplinar aberto contra a reitora Sandra Goulart Almeida e ex-dirigentes da UFMG é desdobramento de operação da Polícia Federal deflagrada em 6 de dezembro de 2017 para apurar supostas irregularidades na construção do Memorial da Anistia.
 
O episódio despertou uma onda de solidariedade e apoio à UFMG e a seus dirigentes, que foram conduzidos coercitivamente. Manifestaram-se universidades, entidades da sociedade civil, do mundo político e jurídico e personalidades, como como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff e o músico João Bosco, que, em parceria com Aldir Blanc, compôs a canção "O bêbado e o equilibrista", que inspirou o nome da ação, batizada de Operação Equilibrista. Bosco desautorizou o uso da música, adotada como o hino da anistia por considerar que ela teve seu sentido original desvirtuado. 


Pivô da investigação, a obra do Memorial da Anistia foi executada pela UFMG em consonância com as orientações do Ministério da Justiça. Em 13 de agosto de 2019, a reitora Sandra Goulart Almeida entregou à ministra de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, cópias das prestações de contas encaminhadas ao Ministério da Justiça. As obras foram interrompidas em 2016 por falta de repasses financeiros.
 
De acordo com a UFMG, com 80% das obras do anexo e da praça comunitária concluídas, o projeto atendeu a cronograma de execução do próprio Ministério da Justiça. Os documentos relativos ao processo foram apresentados a diferentes órgãos, incluindo a Secretaria de Direitos Humanos do governo federal.
 
O projeto do memorial previa a reforma do “Coleginho” – edificação onde funcionou a antiga Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), no bairro Santo Antônio, região Centro-sul de BH – e a construção de prédio anexo e de uma praça de convivência. Incluía também pesquisa para a produção museográfica, trabalho que foi entregue em 2016.
 
Em junho de 2020, o inquérito da Polícia Federal que investigava supostas irregularidades do projeto do Memorial da Anistia foi avaliado, e parecer da Procuradoria da República de Minas Gerais solicitou o arquivamento do processo, que ainda deve ser homologado. Na investigação aberta em 2017, foram indicadas 22 suspeitas de irregularidades na execução do projeto. No entanto, a Procuradoria da República em Minas avaliou que as justificativas apresentadas pela UFMG e a conclusão do Tribunal de Contas da União (TCU) foram suficientes para confirmar a legalidade da conduta da Universidade.


Leia a íntegra da nota do Conselho Universitário da UFMG
 
"O Conselho Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais, reunido em sessão extraordinária, em 22 de janeiro, vem expressar a sua mais profunda indignação com a persecução a sua Reitora, Profa. Sandra Regina Goulart Almeida, e a outros ex-dirigentes. Este Conselho manifesta a sua irrestrita solidariedade à Reitora, considerando que o mais recente episódio vem na esteira de outros lamentáveis acontecimentos, que desde o ano de 2017, têm atingido a UFMG e outras universidades federais brasileiras.
 
A sanção que ora se pretendeu impor à Reitora da UFMG, por caminhos jurídicos questionáveis, é decorrente de imputações que foram devida e incansavelmente rechaçadas. No caso, além da ausência de fundamentos objetivos para sancionar, causa perplexidade que tenham sido ignoradas, pela autoridade sancionadora, garantias do devido processo legal, tais como a regra de competência para realizar sindicâncias ou processos administrativos quanto a atos de reitor ou vice-reitor de universidade federal. Chama a atenção que o processamento adotado tenha contrariado até mesmo nota técnica da própria CGU.
 
O descabido ato que se busca impor à Reitora da UFMG, por órgão incompetente e com violação do devido processo administrativo, mais do que flagrante ilegalidade, configura atentado ao edifício do Estado Democrático de Direito. Na defesa da autonomia universitária, não podemos admitir, que um agente do Estado, qualquer que seja a sua posição e estatuto funcional, lance mão de artifícios punitivos, à revelia da ordem constitucional. Tentativas dessa natureza expõem toda a sociedade brasileira ao gravíssimo risco de ingresso no nefasto terreno da tirania política.
 
De modo coeso, reiteramos os termos da Nota deste Conselho, emitida em 7 de dezembro de 2017 e ressaltamos a defesa intransigente dos valores éticos e democráticos que nos orientam e o compromisso com os propósitos desta Instituição, com o conhecimento, a ciência e a vida, como temos dado prova, cotidianamente, nesta conjuntura tão difícil para o País. É nosso dever cidadão, ademais, resistir às investidas sistemáticas contra a autonomia universitária e a integridade da ordem republicana. A UFMG não será agrilhoada, pois é um patrimônio do Brasil. Como nosso povo, a UFMG é plural, diversa e resiliente.
 
Belo Horizonte, 22 de janeiro de 2021.
Alessandro Fernandes Moreira - Presidente em exercício do Conselho Universitário