ENTREVISTA: ALOÍSIO HENRIQUE SOUZA


Em meio ao cerrado ou a vegetação mais densa, o calor intenso das labaredas que avançam ao sabor do vento e do combustível a ser consumido está longe de ser o único inimigo.

Em uma temporada especialmente crítica para incêndios florestais, militares que combatem as chamas em áreas verdes de Minas enfrentam os terrenos íngremes e instáveis em desfiladeiros, precisam lidar com insetos, evitar animais peçonhentos e suportar a sede, as feridas, o cansaço.


Para isso, contam com treinamento intenso, mas nem sempre ele é suficiente para escapar das ameaças do fogo. Que o diga o sargento Aloísio Henrique Souza, de 45 anos.

Nem os 27 anos de exercícios no Corpo de Bombeiros nem a experiência de lidar com desafios do tipo adquirida no Pelotão de Combate a Incêndios Florestais (PCIF) do Batalhão de Emergência Ambientais e Resposta aos Desastres (Bemad) o livraram da armadilha das chamas que consumiam a Serra da Moeda, ao Sul da Grande BH, em meados do mês passado. Eram 6h30 da manhã de 15 de setembro, uma terça-feira, quando uma ventania repentina mudou a direção das labaredas, pegando o combatente de surpresa.

"Só tenho a agradecer ao comando dos Bombeiros, à PM, à equipe da aeronave Pégasus, que fez meu transporte, e a todo o Setor de Queimados do Hospital João XXIII"
 
O resultado: queimaduras em 13% do corpo e a confirmação de uma máxima que profissionais como ele conhecem bem: não é possível eliminar o risco em situações como essa, mas apenas gerenciá-lo. Em entrevista ao Estado de Minas, um dos muitos heróis que se arriscam para controlar queimadas no estado revela os momentos de terror que enfrentou, fala do apego à fé para lidar com a profissão e agradece aos colegas que lhe deram suporte no momento em que mais precisava.


Por que o senhor escolheu ser bombeiro e o que mais lhe encanta na profissão?


Eu costumo dizer que é Deus quem guia as nossas vidas. Se hoje sou bombeiro, essa oportunidade única foi-me concedida por Ele. Nosso lema é salvar, ainda que com o sacrifício de nossas vidas.


Quais as maiores dificuldades do combate diário?

 
Temos no Brasil e no mundo um alto índice de bombeiros e brigadistas mortos no combate a incêndios florestais. Locais de difícil acesso, combate noturno, caminhadas em longas distâncias, transportando materiais pesados... Muitas vezes, são vários dias consecutivos com longas horas sofrendo os efeitos da desidratação, devido à exposição a altas temperaturas. É um trabalho árduo. Mas Deus está no comando.


O senhor sente medo? Como lidar com isso?


Sim, claro. Sentimos dor e temos medo. Mas essa é a nossa missão, fomos preparados para esses momentos e confiamos na nossa capacitação. Temos vidas a salvar. É muita adrenalina estar na linha do fogo, mas temos que ter calma, segurança e ao mesmo tempo ser extremamente eficientes. É o momento de colocar em prática as técnicas de combate a incêndios florestais.


Como foi o acidente que o senhor sofreu?


Apesar de toda experiência na linha de frente, tenho o entendimento de que a nossa atividade é de alto risco. Naquele dia, eu estava enfrentando diretamente as chamas de um foco que colocava em risco uma área ainda não queimada. Quando estava em pleno combate, houve uma mudança brusca do vento e as chamas vieram altas em minha direção. Naquele momento, me desloquei para a área de segurança, mas o local ainda estava com uma temperatura muito alta. Fiquei exposto ao alto calor e sofri queimaduras em aproximadamente 13% do corpo. Como estava devidamente equipado, com proteção específica para incêndios florestais, e acima de tudo, graças ao maravilhoso Deus, sobrevivi. Com a equipe que estava comigo, nada aconteceu.

 

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Como tem sido a recuperação?

A recuperação da queimadura é muito dolorosa. Sofri por cerca de duas semanas, mas graças a Deus estou me recuperando bem. Só tenho a agradecer ao comando do Corpo de Bombeiros, à Polícia Militar, à equipe da aeronave Pégasus, que fez meu transporte, e a toda equipe do Setor de Queimados do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII. Peço que Deus abençoe todos os que me deram suporte.


Qual o sentimento do senhor ao ter que combater o fogo que muitas vezes é provocado pelo homem?
Tristeza. Porque deste fato temos plena certeza: mais de 96% dos incêndios florestais são causados por ações humanas. A gente se entristece com as queimadas e a perda da natureza. Porque coloca em risco o equilíbrio do meio ambiente, propicia a perda da biodiversidade, da fertilidade do solo, devastação de florestas, poluição do ar, redução da qualidade de recursos hídricos e a destruição de seres vivos.


No que o senhor pensa durante as operações?


Combater e extinguir o incêndio da forma mais rápida e segura possível, pois, quanto mais rápida a resposta, menor a destruição. E penso também na minha família. Minha esposa, Elaine, e meus dois filhos, Gabriel e Yasmim. Sinto muita falta deles, principalmente quando ficamos muitos dias em combate.


Qual o senhor acredita que seria a solução para um combate mais eficaz?


A ação conjunta de todos os órgãos envolvidos é que gera o êxito da operação. A primeira linha de combate é a prevenção, mas como já disse uma vez, evitar que aconteçam todos os focos é uma meta inatingível. Ter uma equipe qualificada, de pronta-resposta, é importante, mas penso que as questões relacionadas aos incêndios florestais podem ser evitadas por movimentos de conscientização, educacionais e ações mais rígidas dos órgãos de fiscalização.