Eles nunca foram tão essenciais – nem impactados pela profissão. “Invisíveis” para boa parte da sociedade, coveiros da capital testemunham diariamente tragédias provocadas pela Covid-19 – de abril de 2020 até agora, foram 2.657 mortes só em Belo Horizonte. Longe de naturalizar essas perdas, eles se desdobram para administrar o convívio com a dor alheia, os riscos do trabalho e as próprias emoções.

Nos cemitérios públicos de BH, as despedidas ficaram ainda mais tristes por causa do contexto da pandemia. “É um constrangimento limitar o acesso (das pessoas ao sepultamento). Temos que deixar parentes para fora, e as pessoas ficam na beira da grade vendo o enterro. Isso abala um pouco”, conta Welton Pedro da Rocha, de 43 anos, coveiro no Cemitério da Paz.
 
Dentre os casos mais tristes, a lembrança de uma família que não aceitava ver o corpo do parente dentro de um saco, no caixão lacrado – regra para mortes confirmadas por Covid-19. 


“Queriam ver lá dentro, mas não tinha como. Um deles abriu o visor, viu o saco, mas não tinha como ver a pessoa. Começou uma discussão grande e chamaram a Guarda Municipal”, conta Glayston Rabelo, de 35 anos.

Ele foi o único dos 50 coveiros da capital a testar positivo para o coronavírus. Ficou em isolamento e teve boa recuperação. “Sempre tratamos todo mundo com muito respeito, mas agora passamos a ver o sofrimento das pessoas com outro olhar, com mais carinho. Até mesmo para aconselhar amigos (sobre a prevenção)”.

 

Lívia Ansaloni Fortes/FPMZB

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Funcionários receberam treinamento e precisam usar macacão, luvas, botas e face shield

 

Para evitar contaminações, um protocolo especial foi adotado nos cemitérios, e a rotina dos coveiros virou de ponta-cabeça. Além dos caixões lacrados nos casos de Covid, há limite de dez pessoas por velório. Os funcionários receberam treinamento e precisam usar macacão, luvas, botas e face shield na hora de trabalhar.


E, mesmo assim, tomar muitos cuidados, principalmente para não levar a doença para a própria casa. “Tenho criança, meu pai é idoso. Fico com receio, e a gente tem sempre que se prevenir. Passar álcool em gel e tomar um banho aqui mesmo no cemitério”, diz Rafael da Cunha, de 30 anos e coveiro há 10.