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Nos primeiros dias de dezembro, Minas Gerais voltou ao patamar de novos casos confirmados em 24h que teve no auge da doença. Em 26 de junho, por exemplo, foram 6.095 novas infecções em um único dia. Em 11 deste mês, chegaram a 6.173.
Mas, se os números ainda não são suficientes para que muitos tomem consciência de que o risco está longe de terminar, os relatos de profissionais que enfrentam a doença no cotidiano não deixam dúvidas.
Exaustos, preocupados, desafiados a cada dia e com a sensação de que o vírus se aproveita da baixa da guarda de boa parte da população, eles testemunham o ambiente nas unidades de saúde em que trabalham se tornar a cada dia mais sobrecarregado. Continua depois da publicidade
No sábado, médicos da Santa Casa de São João del-Rei fizeram um vídeo em que pedem a colaboração da população e alertam sobre o aumento da ocupação de leitos de UTI para COVID-19.
O Estado de Minas ouviu médicos, enfermeiros, técnicos e psicólogos em algumas das cidades e regiões que enfrentam maior pressão do novo avanço da COVID-19 e pediu que eles relatassem o que testemunham em sua rotina. Acompanhe os trechos mais fortes.
"A população se encontra cansada e assustada, por causa das restrições, e isso está levando a um certo relaxamento. O vírus está se aproveitando e os casos aumentam numa proporção alarmante"
Demétrius Martins Pinto Médico da atenção básica à saúde de Brasília de Minas, no Norte de Minas
Epidemia também de saúde mental
“Nossa realidade não é muito diferente de outras regiões. Os postos do Programa de Saúde da Família são os pontos de apoio durante a epidemia. Vivemos uma dificuldade grande de equilibrar os atendimentos básicos da rotina do PSF – pré-natal, puericultura, hipertensos e diabéticos –, e atender os sintomáticos respiratórios, uma vez que esse atendimento não pode ser no mesmo ambiente e nem no mesmo horário.
Mas, mesmo com toda dificuldade, mantemos o atendimento dentro do possível. Hoje, após quase 10 meses de pandemia, temos uma equipe cansada, física e, sobretudo, mentalmente. O medo de contrair a doença existe, além do medo de contaminar nossos familiares. É um temor comum a todos nós, profissionais de saúde, uma batalha diária e desgastante."
"Percebo que, concomitantemente a essa pandemia, estamos vivendo uma epidemia de saúde mental, tanto nos profissionais de saúde, quanto na população. Os casos de ansiedade e síndrome de pânico aumentaram substancialmente e será um problema que teremos que enfrentar. Não sei se o nosso sistema de saúde está preparado para isso. Vivemos um momento muito difícil da pandemia.
A população se encontra cansada e assustada, por causa das restrições, e isso está levando a um certo relaxamento nos cuidados da prevenção. O vírus está se aproveitando disso e os casos estão aumentando numa proporção alarmante. Entendo que é difícil viver com tanta restrição."
"O distanciamento social proporciona um sofrimento nunca antes experimentado por todos nós. Entretanto, esse relaxamento pode se transformar em um sofrimento maior. Como profissional de saúde e, principalmente, como cidadão, peço que se mantenham os cuidados de prevenção e higiene.
Que se volte a ter uma vida social, mas dentro dessa nova realidade, ou seja, mantendo distanciamento, hábitos de higiene e uso de máscaras. Infelizmente, por mais que estejamos cansados , a doença não foi embora. Temos de ter a consciência de que os responsáveis por nossa saúde somos nós mesmos. Se cada um fizer sua parte , independentemente de medidas ou decretos do poder público, conseguiremos vencer essa guerra.”
"Não é nada fácil trabalhar na linha de frente contra o coronavírus, ainda mais com as dificuldades que temos na porta de entrada do pronto-socorro, por falta de estrutura física"
Helbert Costa dos Santos, técnico em enfermagem, Hospital Universitário Clemente de Faria (HUCF) e do Samu de Montes Claros, no Norte de Minas
Medo e obstáculos são parte da rotina
“Com as notícias a respeito da tal segunda onda da COVID-19, com o aumento de casos e notificações, fico apreensivo. Não é nada fácil trabalhar na linha de frente contra o coronavírus, ainda mais com as dificuldades que temos na porta de entrada do pronto-socorro para atender a esses casos suspeitos, por falta de alguns materiais específicos e falta de estrutura física também.
Mas, como eu gosto da profissão, faço de tudo para prestar um bom atendimento ao paciente. Como profissional da linha de frente, recomendo o uso de máscara ao sair de casa, manter o distanciamento, evitar aglomeração, manter as mãos limpas e sempre que possível usar o álcool em gel. Se tiver algum dos sintomas gripais, procure o posto de saúde mais próximo da sua residência.”
"No começo, contraí a doença e agora, mesmo com todos os cuidados, presencio colegas se contaminarem. Nós, que cuidamos da vida, estamos ficando doentes. Não é hora de baixar a guarda"
Sérgio Naves, coordenador da UTI COVID-19 do Hospital Bom Samaritano e do Hospital Municipal, em Governador Valadares
Morte de profissionais e clima de apreensão
“Todos os dias, saio de casa por volta das 7h, já preparado para um dia duro. Acordo, tenho minha roupa para me deslocar até o hospital; chego lá, me troco novamente, faço a paramentação para entrar na área de isolamento com capote, luvas, gorros, óculos e máscara.
É tudo muito diferente do que já atravessamos, e isso tem sido muito estressante, gerando cansaço físico e emocional para toda a equipe. Desde o começo da pandemia, nosso número de pacientes nas UTIs não diminui, apenas cresce. Eu e meus colegas de trabalho estamos mais apreensivos.
A COVID-19 é uma doença nova, e não estávamos habilitados para trabalhar com ela. No início, também tivemos muita dificuldade em manobrar essa doença. Hoje, com o avanço dela e dos estudos, observações e experimentos científicos, já vemos uma evolução nos protocolos – apesar de ainda não estar tão claro. Mas isso custou muito, colegas se contaminaram e outros já até perderam a vida.
A quantidade de profissionais de saúde que estão morrendo no Brasil em decorrência do coronavírus é um alerta, e devemos ficar atentos. Dentro do Hospital Bom Samaritano, já trabalhávamos com atendimento multidisciplinar, mas agora toda a equipe, desde a coordenação, enfermeiros, fisioterapeutas, médicos e demais envolvidos, temos um encontro diário para discutir paciente por paciente. Isso modificou ainda mais nossa rotina de trabalho.
Trabalhar na linha de frente me faz ser testemunha do efeito da disseminação do vírus. No começo, contraí a doença e agora, mesmo com todos os cuidados, presencio colegas também se contaminarem. Nós, que cuidamos da vida, estamos ficando doentes, e esse é um medo.
A prevenção tem que ser de 100%, não é hora de baixar a guarda. Uma vez que estou bem paramentado, que higienizo as mãos, que uso álcool 70%, que não entro com calçado de rua dentro de casa e colaboro com o distanciamento social, tenho menos possibilidade de levar o vírus comigo e infectar outras pessoas.”
Apelo para que o vírus não seja subestimado
"Estamos trabalhando acima do limite das nossas possibilidades. Parece que as pessoas não estão se dando conta da gravidade do momento ou até considerando isso uma questão de politicagem. Não pensem assim!"
Marco Aurélio R. Pifano, clínico-geral de Governador Valadares
“Meus queridos familiares, amigos, pacientes e toda a população: peço a todos que não subestimem a COVID-19. Estamos vivenciando, neste fim de ano, um incremento bastante considerável nas infecções pelo vírus, com aumento do numero de pessoas jovens contaminadas.
As unidades de terapia intensiva de Governador Valadares estão sobrecarregadas, com pacientes necessitando ser transferidos para outras cidades. As UTI do Hospital Bom Samaritano e do Hospital Unimed também estão lotadas. Isso significa dizer que não basta ter plano de saúde, pois estamos trabalhando acima do limite das nossas possibilidades, apesar disso não estar sendo repassado à população, talvez para não gerar pânico.
Parece, por comentários que chegam diariamente, que as pessoas não estão se dando conta da gravidade do momento ou até considerando isso uma questão de politicagem. Não pensem assim! Muitas têm sido as perdas que temos sido forçados a assistir e vivenciar. Cuidem-se, não de forma neurótica, mas efetiva. Como diz o ditado: ‘Melhor prevenir do que remediar’.”
"Cada internação traz consigo a solidão do tratamento, pois os doentes não podem receber visitas. Pacientes e familiares estão sempre à espera dos boletins médicos e da alta, que muitas vezes não chega a acontecer"
Lívia Enes, psicóloga do Complexo de Saúde São João de Deus, em Divinópolis
Risco da solidão sem direito a despedidas
“A pandemia do novo coronavírus é a maior emergência de saúde pública que enfrentamos. Com isso, observa-se o surgimento de um estado de pânico social, e a sensação do isolamento social desencadeia sentimentos como medo, insegurança e angústia, podendo se estender até mesmo após o controle do vírus.
Cada internação de pacientes com diagnóstico suspeito ou confirmado traz consigo a solidão do tratamento, pois os doentes não podem receber visitas de seus familiares, pelo risco de propagação da COVID-19. Pacientes e familiares passam a vivenciar diferentes sentimentos, sempre à espera dos boletins médicos e do momento de alta hospitalar, que muitas vezes não chega a acontecer, pois o paciente não resiste.
Diante desse quadro, o impacto de não poder se despedir do corpo de um familiar está sendo muito forte, porque as despedidas são muito importantes quando se referem à perda de pessoas significativas. Em contrapartida, felizmente também encontramos histórias de superação, nas quais pacientes e familiares enfrentam a COVID-19 e se recuperam, usando inclusive de sua fé e crenças para lidar melhor com o momento de adoecimento.”
"Talvez alguns pais tenham relaxado com os números. Talvez nós só saibamos respeitar quando lidamos com o medo real da perda. Mas vivemos num momento de guerra. E não podemos menosprezar o inimigo"
Milene Oliveira Gonçalves, enfermeira coordenadora do CTI Neopediátrico do Complexo de Saúde São João de Deus, em Divinópolis
Falta preparo para catástrofe biológica
“Imaginar que até bem pouco tempo essa situação era impensável... Nunca gostei de filmes de ficção. Adoro uma comédia romântica, viver a vida ao lado dos meus amigos e familiares e fazer meu trabalho. Mas, de repente, nos deparamos com a ficção na nossa realidade.
Na busca pela excelência no atendimento, fomos nos preparando para responder da melhor forma às catástrofes, com segurança para profissionais e pacientes – mas nenhuma simulação foi de catástrofes biológicas. Eu me lembro de quando o Brasil foi sede da Copa do Mundo e do preparo que tivemos para atender caso houvesse algum atentado. A situação era bem diferente.
Hoje, o inimigo é invisível e muitos só acreditam na sua potência quando ele surpreende da pior forma. A primeira vez que nos reuniram para falar dele, que estava entre nós e era uma ameaça real, nos disseram que já não haveria, daquele momento em diante, uma reunião como aquela, toda aquela aglomeração. Saímos de lá abalados e tentando nos preparar para passar por tudo ilesos e com menor impacto possível.
A princípio, as crianças não foram um grupo de grande importância, devido aos dados estatísticos. As escolas pararam e com todos em casa ou com um pouco mais de responsabilidade elas representaram um número bem menor em relação aos casos mais graves de necessidade de hospitalização.
Até então tínhamos uma baixa ocupação de leitos de UTI NeoPediátrica, em média de 6%, bem pouco. E somente um dos casos foi confirmado, sendo os demais negativos. Houve a flexibilização, e nossa ocupação saltou para 27% no último mês. Agora chegamos a 40%. Se pensarmos em números talvez seja pouco, porém esses números são vidas.
Famílias que precisam se separar, profissionais com maior risco e os traumas psicológicos que todos nós estamos vivendo. Talvez alguns pais tenham relaxado com os números apresentados. Nossa política de enfrentamento não segurou a pressão e cedeu um pouco. Talvez nós só saibamos respeitar quando lidamos com o medo real da perda. Mas vivemos num momento de guerra. E não podemos menosprezar o inimigo.”
"Reforçamos a importância do uso de máscaras e da compreensão da necessidade de cancelamentos de eventos festivos e encontros de fim de ano, para a segurança de todos e para evitar o caos no sistema de saúde"
Marcone Lisboa,médico coordenador do CTI Adulto do Complexo de Saúde São João de Deus, em Divinópolis
Contaminação em família é realidade
“Estamos vendo nos últimos dias um aumento progressivo da ocupação dos leitos de UTI por pacientes com COVID-19. É perceptível que as pessoas se angustiam com a necessidade de se isolar e usar máscaras. Mas a verdade é que essas duas medidas, isolamento social e uso de máscaras, são as únicas formas de diminuir o contágio pela doença. Não é momento de fazer eventos, festas e reuniões.
O que estamos notando são pessoas da mesma família contaminadas após encontros de fim de semana. Observamos atualmente que uma única pessoa, muitas vezes jovem, participa de um evento social e contamina toda a sua família. Portanto, reforçamos a importância do uso de máscaras e da compreensão da necessidade de cancelamentos de eventos festivos e encontros de fim de ano, para a segurança de todos e para evitar o caos no sistema de saúde da nossa cidade.”
"Cada vez mais pessoas estão chegando, não só com sintomas, mas inclusive com diagnóstico já confirmado. Os jovens precisam se conscientizar para não levar a doença para dentro de casa"
Arlene Ladeira, chefe de enfermagem do Hospital de Pronto-Socorro Doutor Mozart Teixeira, em Juiz de Fora
A angústia dentro e fora do hospital
“Nas últimas semanas, aumentaram os casos de jovens infectados no hospital. E cada vez mais pessoas estão chegando, não só com sintomas, mas inclusive com diagnóstico já confirmado da doença. Outra demanda que aumentou foi a assistência aos pacientes, porque agora não é só a falta de ar que preocupa, há outros sintomas de que precisamos dar conta.
Os jovens precisam se conscientizar para não levar a doença para dentro de casa. Meses já se passaram e continuam aumentando os casos. A população precisa saber que não é apenas uma doença parecida com uma gripe.
No início da pandemia, eu trabalhava em dois hospitais, eu me isolei e meus filhos ficaram com a minha sogra. Só os visitava ficando de longe. Mas fiquei tão angustiada em não poder abraçar meus próprios filhos que decidi largar meu segundo emprego e ficar trabalhando em um turno só, para que pudesse ficar em isolamento social com eles.
Até hoje, não fui contaminada pela COVID-19, mas tenho muito medo e cada vez mais fico atenta aos protocolos. Mas a angústia é muito grande, da falta de abraçar, da falta de convívio... Nossa, isso é muito ruim! Só vejo minha mãe de longe, e isso dá uma sensação de vazio enorme.”
Reportagem: Luiz Ribeiro, Tim Filho (especial para o EM), Marcos Alfredo (especial para o EM) e Portal Gerais (Amanda Quintiliano, especial para o EM)
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Exaustos, preocupados, desafiados a cada dia e com a sensação de que o vírus se aproveita da baixa da guarda de boa parte da população, eles testemunham o ambiente nas unidades de saúde em que trabalham se tornar a cada dia mais sobrecarregado. Continua depois da publicidade
No sábado, médicos da Santa Casa de São João del-Rei fizeram um vídeo em que pedem a colaboração da população e alertam sobre o aumento da ocupação de leitos de UTI para COVID-19.
O Estado de Minas ouviu médicos, enfermeiros, técnicos e psicólogos em algumas das cidades e regiões que enfrentam maior pressão do novo avanço da COVID-19 e pediu que eles relatassem o que testemunham em sua rotina. Acompanhe os trechos mais fortes.
"A população se encontra cansada e assustada, por causa das restrições, e isso está levando a um certo relaxamento. O vírus está se aproveitando e os casos aumentam numa proporção alarmante"
Demétrius Martins Pinto Médico da atenção básica à saúde de Brasília de Minas, no Norte de Minas
Epidemia também de saúde mental
“Nossa realidade não é muito diferente de outras regiões. Os postos do Programa de Saúde da Família são os pontos de apoio durante a epidemia. Vivemos uma dificuldade grande de equilibrar os atendimentos básicos da rotina do PSF – pré-natal, puericultura, hipertensos e diabéticos –, e atender os sintomáticos respiratórios, uma vez que esse atendimento não pode ser no mesmo ambiente e nem no mesmo horário.
Mas, mesmo com toda dificuldade, mantemos o atendimento dentro do possível. Hoje, após quase 10 meses de pandemia, temos uma equipe cansada, física e, sobretudo, mentalmente. O medo de contrair a doença existe, além do medo de contaminar nossos familiares. É um temor comum a todos nós, profissionais de saúde, uma batalha diária e desgastante."
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A população se encontra cansada e assustada, por causa das restrições, e isso está levando a um certo relaxamento nos cuidados da prevenção. O vírus está se aproveitando disso e os casos estão aumentando numa proporção alarmante. Entendo que é difícil viver com tanta restrição."
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Helbert Costa dos Santos, técnico em enfermagem, Hospital Universitário Clemente de Faria (HUCF) e do Samu de Montes Claros, no Norte de Minas
Medo e obstáculos são parte da rotina
“Com as notícias a respeito da tal segunda onda da COVID-19, com o aumento de casos e notificações, fico apreensivo. Não é nada fácil trabalhar na linha de frente contra o coronavírus, ainda mais com as dificuldades que temos na porta de entrada do pronto-socorro para atender a esses casos suspeitos, por falta de alguns materiais específicos e falta de estrutura física também.
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Sérgio Naves, coordenador da UTI COVID-19 do Hospital Bom Samaritano e do Hospital Municipal, em Governador Valadares
Morte de profissionais e clima de apreensão
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Marco Aurélio R. Pifano, clínico-geral de Governador Valadares
“Meus queridos familiares, amigos, pacientes e toda a população: peço a todos que não subestimem a COVID-19. Estamos vivenciando, neste fim de ano, um incremento bastante considerável nas infecções pelo vírus, com aumento do numero de pessoas jovens contaminadas.
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Parece, por comentários que chegam diariamente, que as pessoas não estão se dando conta da gravidade do momento ou até considerando isso uma questão de politicagem. Não pensem assim! Muitas têm sido as perdas que temos sido forçados a assistir e vivenciar. Cuidem-se, não de forma neurótica, mas efetiva. Como diz o ditado: ‘Melhor prevenir do que remediar’.”
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Diante desse quadro, o impacto de não poder se despedir do corpo de um familiar está sendo muito forte, porque as despedidas são muito importantes quando se referem à perda de pessoas significativas. Em contrapartida, felizmente também encontramos histórias de superação, nas quais pacientes e familiares enfrentam a COVID-19 e se recuperam, usando inclusive de sua fé e crenças para lidar melhor com o momento de adoecimento.”
"Talvez alguns pais tenham relaxado com os números. Talvez nós só saibamos respeitar quando lidamos com o medo real da perda. Mas vivemos num momento de guerra. E não podemos menosprezar o inimigo"
Milene Oliveira Gonçalves, enfermeira coordenadora do CTI Neopediátrico do Complexo de Saúde São João de Deus, em Divinópolis
Falta preparo para catástrofe biológica
“Imaginar que até bem pouco tempo essa situação era impensável... Nunca gostei de filmes de ficção. Adoro uma comédia romântica, viver a vida ao lado dos meus amigos e familiares e fazer meu trabalho. Mas, de repente, nos deparamos com a ficção na nossa realidade.
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Hoje, o inimigo é invisível e muitos só acreditam na sua potência quando ele surpreende da pior forma. A primeira vez que nos reuniram para falar dele, que estava entre nós e era uma ameaça real, nos disseram que já não haveria, daquele momento em diante, uma reunião como aquela, toda aquela aglomeração. Saímos de lá abalados e tentando nos preparar para passar por tudo ilesos e com menor impacto possível.
A princípio, as crianças não foram um grupo de grande importância, devido aos dados estatísticos. As escolas pararam e com todos em casa ou com um pouco mais de responsabilidade elas representaram um número bem menor em relação aos casos mais graves de necessidade de hospitalização.
Até então tínhamos uma baixa ocupação de leitos de UTI NeoPediátrica, em média de 6%, bem pouco. E somente um dos casos foi confirmado, sendo os demais negativos. Houve a flexibilização, e nossa ocupação saltou para 27% no último mês. Agora chegamos a 40%. Se pensarmos em números talvez seja pouco, porém esses números são vidas.
Famílias que precisam se separar, profissionais com maior risco e os traumas psicológicos que todos nós estamos vivendo. Talvez alguns pais tenham relaxado com os números apresentados. Nossa política de enfrentamento não segurou a pressão e cedeu um pouco. Talvez nós só saibamos respeitar quando lidamos com o medo real da perda. Mas vivemos num momento de guerra. E não podemos menosprezar o inimigo.”
"Reforçamos a importância do uso de máscaras e da compreensão da necessidade de cancelamentos de eventos festivos e encontros de fim de ano, para a segurança de todos e para evitar o caos no sistema de saúde"
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Arlene Ladeira, chefe de enfermagem do Hospital de Pronto-Socorro Doutor Mozart Teixeira, em Juiz de Fora
A angústia dentro e fora do hospital
“Nas últimas semanas, aumentaram os casos de jovens infectados no hospital. E cada vez mais pessoas estão chegando, não só com sintomas, mas inclusive com diagnóstico já confirmado da doença. Outra demanda que aumentou foi a assistência aos pacientes, porque agora não é só a falta de ar que preocupa, há outros sintomas de que precisamos dar conta.
Os jovens precisam se conscientizar para não levar a doença para dentro de casa. Meses já se passaram e continuam aumentando os casos. A população precisa saber que não é apenas uma doença parecida com uma gripe.
No início da pandemia, eu trabalhava em dois hospitais, eu me isolei e meus filhos ficaram com a minha sogra. Só os visitava ficando de longe. Mas fiquei tão angustiada em não poder abraçar meus próprios filhos que decidi largar meu segundo emprego e ficar trabalhando em um turno só, para que pudesse ficar em isolamento social com eles.
Até hoje, não fui contaminada pela COVID-19, mas tenho muito medo e cada vez mais fico atenta aos protocolos. Mas a angústia é muito grande, da falta de abraçar, da falta de convívio... Nossa, isso é muito ruim! Só vejo minha mãe de longe, e isso dá uma sensação de vazio enorme.”
Reportagem: Luiz Ribeiro, Tim Filho (especial para o EM), Marcos Alfredo (especial para o EM) e Portal Gerais (Amanda Quintiliano, especial para o EM)