'O CUSTO DA FARSA'

Antes confinada a bairros periféricos, camelôs e centro de compras populares, a pirataria alçou voo para um shopping da zona sul de Belo Horizonte. Por trás da vitrine que exibia tênis originais, a loja Divino Luxo enganou clientes do BH Shopping por anos. A ampliação da ação desses criminosos para novos ambientes é um dos fatores que culminam na redução de 25% da arrecadação do estado devido à sonegação fiscal, conforme estimativa do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais (Sindifisco-MG).

O esquema de venda de produtos falsos no shopping na região Centro-Sul teve fim no dia 16 de julho deste ano, após uma operação da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), mas a falsificação de produtos segue em acelerado crescimento, e a ação mostrou que não se pode confiar nem nas lojas de alto padrão. Isso é o que mostra esta segunda matéria da série “O custo da farsa”.

Há dois anos, o preço da pirataria comprometeu o orçamento do empresário Flávio Queiroz. Ele comprou, na Divino Luxo, duas camisas acreditando serem da grife italiana Giorgio Armani. “Descobri por um amigo, que entende de camisas importadas, que eram produtos falsos. Ele falou que a Armani nunca havia fabricado camisas daquele modelo. Eu gastei R$ 1.400 em duas roupas que pensava ser originais. Fiquei arrasado quando descobri, é muito revoltante”, recordou.

Durante a operação Do Luxo ao Lixo, a partir da qual a loja que enganou Queiroz foi fechada, um dos itens chamou a atenção do delegado Magno Machado Nogueira, chefe da Divisão Especializada de Combate à Corrupção (Deccor): um tênis Nike da linha Air Jordan, criada em homenagem ao astro do basquete Michael Jordan.

O modelo, cobiçado por colecionadores, era vendido por R$ 50 mil. “Eles (donos da loja) não devem ter pagado nem R$ 200 nele. Também havia várias camisas da Louis Vuitton, vendidas a R$ 9.500. Segundo representantes das marcas, o custo das falsificações não passava de R$ 300”. O processo contra os responsáveis pela loja, que funcionava sem cadastro, está em andamento.

produtospicaretagem.jpg

Avanço

Entretanto, a expansão da pirataria parece não ter fim. “Hoje, falsifica-se de tudo. É muito maior do que imaginamos. Roupas, calçados, bebidas, cigarros, sabão em pó, medicamentos, cosméticos. É um cenário aterrorizador”, afirmou Nogueira.

Para combater os falsificadores, a Polícia Civil conta com a ajuda de representantes das marcas. “Muitos vão até a delegacia, dão palestras. Além disso, enviamos os materiais ao Instituto de Criminalística para que os peritos confirmem a autenticidade. O único caminho é o aumento da fiscalização e das denúncias”, completou o chefe da Deccor.

O delegado reforçou que as próprias empresas também são vítimas das falsificações. “Temos duas vítimas: o consumidor, que acaba usando um produto de péssima qualidade, e a marca, que investe milhões para desenvolver itens originais, pagar impostos e fazer marketing. Aí vem o falsificador e gera prejuízo, além do dano ao erário, já que não há recolhimento de tributos. No fim, a sociedade inteira perde. É um ciclo completo de perdas”, finalizou.

Cigarros: MG ‘perde’ 19 UPAs com mercado ilegal

O mercado ilegal de cigarros exemplifica o prejuízo da pirataria aos cofres públicos. Só em 2024, o comércio clandestino resultou em uma perda estimada de R$ 117 milhões em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em Minas, conforme o Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP). O montante seria suficiente para construir 19 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) como a Industrial, em Contagem, na Grande BH, que custou cerca de R$ 6 milhões e tem capacidade para atender 7.500 pessoas por mês.

Conforme o Fórum, o número de fábricas clandestinas de cigarros dobrou no país em cinco anos. Minas teve o segundo maior número de fábricas fechadas na última década, atrás apenas de São Paulo. Para o presidente do FNCP, Edson Vismona, a alta desse crime mostra a gravidade do mercado ilegal, que “engana o consumidor, frauda o Estado e financia organizações criminosas”.

“Infelizmente, só percebem a dimensão do problema quando ele começa a matar”, afirmou, em referência aos casos recentes de intoxicação por metanol. Segundo ele, a pirataria não está restrita à baixa renda e também circula entre o alto poder aquisitivo.

Resposta

A reportagem tentou contato com a Divino Luxo, mas não obteve retorno. O BH Shopping disse que colaborou com as investigações e mantém políticas rigorosas de locação, com cláusulas que exigem o cumprimento da legislação.