ALERTA NA TEMPORADA DOS VENTOS

Os fortes ventos de agosto persistem e, com eles, um risco que se renova a cada ano nas linhas das pipas empinadas na capital mineira. Ilegal, o uso de cerol – uma mistura de cola e vidro moído – e da chamada linha chilena persiste, transformando a tradicional brincadeira em risco para pedestres, ciclistas e principalmente para os motociclistas, sujeitos a ferimentos graves e até fatais, quando são atingidos no pescoço e no rosto.

Levantamento feito pela reportagem contabilizou 63 casos de pessoas feridas por linhas cortantes na capital desde o início do ano, considerando os dados fornecidos pelo Hospital Risoleta Neves, o Pronto-Socorro João XXIII e a Prefeitura de Belo Horizonte, com base nos atendimentos nas nove UPAs da cidade até quarta-feira. Dos 62 casos, 17 foram registrados somente em julho, no período de férias escolares.

Referência para a Região Norte de BH e municípios vizinhos, o Risoleta Neves fez 51 atendimentos relacionados às linhas cortantes desde 2023, sendo 9 deles de janeiro deste ano até ontem. Segundo a instituição, a maior parte das ocorrências se concentra entre maio e agosto (neste mês foram dois casos), justamente quando há condições propícias para a prática, pelo aumento dos ventos e as férias.

Coordenador da Medicina de Emergência do Risoleta, Caio Aguiar informa que a preocupação maior é com os pacientes atingidos no pescoço, pois ferimentos nessa área podem levar ao óbito em segundos. “O que mais nos alerta no atendimento dos pacientes vítimas de cerol é o alto risco de acometimento de áreas nobres do corpo humano. Nossa preocupação maior é principalmente com os pacientes que são atingidos na região cervical anterior (pescoço)”, explica.

Segundo Aguiar, nesse tipo de ferimento há alto risco de os pacientes apresentarem lesões nas vias aéreas, impedindo que o pulmão receba o ar respirado adequadamente. Também pode haver lesões de vasos de importância vital, levando a hemorragias graves, completa. “Esses tipos de acometimentos podem levar o paciente a óbito em segundos, mesmo antes de qualquer atendimento” , alerta Aguiar.

EQUIPAMENTOS DE SEGURANÇA

Para proteger os motociclistas das linhas cortante, há itens essenciais. Equipamentos como capacetes com viseira ou óculos , caso a viseira esteja levantada, luvas, jaquetas de couro com proteção para pescoço e braços, e protetores de pescoço são recomendados. Além disso, a instalação da antena corta-pipa na moto não é obrigatória, mas é um item que pode ajudar a evitar o contato da linha com o motociclista.

O uso da antena salvou a vida do motorista Anilson Célio da Costa, de 42 anos. "Em 2013, eu estava parado no semáforo na Avenida Presidente Antônio Carlos depois do viaduto São Francisco. Ali costuma ter muito menino na faixa do meio soltando papagaio. Como a pista é muito larga, havia muitos motoqueiros do meu lado. Quando o sinal abriu, sai na frente. A minha moto tinha duas antenas. De repente, ouvi quando a linha passou e agarrou nas antenas. Logo em seguida, fui reduzindo a velocidade e a linha arrebentou. Se não fosse a antena, teria acontecido algo muito grave comigo e até mesmo com os outros que estavam vindo depois”, relata Anilson.

O motofretista Josiano Braga de Souza, de 42, relata que trabalha na área há mais de 15 anos e já presenciou acidentes envolvendo linhas cortantes. "Trabalho como motoqueiro desde 2010 já vi colegas de trabalho com pescoço cortado. Quando eu morava no Bairro Caiçara (Região Noroeste de BH) aconteceu um acidente em frente à minha casa com um casal que estava em uma moto. A linha caiu entre os dois e a mulher, que estava na garupa, morreu. Para me proteger, uso jaqueta de couro e uma antena do lado direito da moto", relata Josiano.

Agora consciente sobre o perigo, o enfermeiro Felipe Johnatan Gomes, de 33, conta que gosta de empinar pipa desde criança e que já fez uso das linhas cortantes, mas depois de se tornar motociclista parou de usá-las. “Solto pipa desde criança e já fiz o uso várias vezes da linha chilena e do cerol. Depois que me tornei motociclista, há dez meses, entendi como é grave usar essas linhas. Agora estou do outro lado da moeda, o de quem anda de moto”, relata Felipe.

Para combater a prática ilegal do uso de linhas cortantes, que põe em risco a vida de todos, a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) realizou uma operação em todo o estado entre 21 de julho e 3 de agosto, com objetivo de prevenir acidentes e garantir o cumprimento da lei. Durante a Operação Linha Segura, foram realizadas cerca de 1,8 mil ações, abordando aproximadamente 2 mil pessoas e fiscalizando 760 locais em todo o estado. Os policiais apreenderam 142 materiais cortantes, como rolos de linha com cerol e chilenas. Além disso, 25 pessoas foram detidas, entre adolescentes e adultos.

“As prisões e apreensões são resultado de uma atuação incisiva da Polícia Militar. Quem fabrica, vende ou utiliza esse material está cometendo um crime e será responsabilizado. A PMMG seguirá nas ruas para garantir a segurança de todos os mineiros e contamos com o apoio da população, que pode acionar a corporação imediatamente ao identificar o uso desse material”, destacou a chefe do Centro de Jornalismo da PMMG, major Layla Brunnela.


USO PROIBIDO

Em Belo Horizonte, a Lei 11.125 proíbe o uso e comercialização de linhas cortantes desde 2018. No estado, a proibição veio no ano seguinte, em 2019, quando entrou em vigor a Lei 23.515 que considera linha cortante aquela que foi produzida industrialmente com esse fim ou modificada pela adição de produtos como o cerol. A lei prevê multas para quem for flagrado comercializando ou utilizando essas linhas, podendo haver apreensão do material e outras penalidades.

A utilização dessas linhas em locais públicos ou de uso comum, como ruas, praças e parques, pode caracterizar o crime de "Perigo para a Vida ou Saúde de Outrem", previsto no Art. 132 do Código Penal Brasileiro, com pena de detenção de três meses a um ano, caso o fato não constitua crime mais grave.

REDE ELÉTRICA

A rede elétrica é outro risco relacionado à brincadeira. Em entrevista à Agência Minas, o técnico de Segurança do Trabalho da Cemig, César de Jesus Souza, destaca que a atividade deve ser realizada em áreas abertas e sem rede elétrica, pois pode causar acidentes graves ou provocar interrupções no fornecimento de energia e prejudicar muitos clientes. Além disso, Cesar Souza alerta que o uso de linhas cortantes é expressamente proibido, pois quando uma linha de papagaio entra em contato com cabos e equipamentos, pode provocar o rompimento da fiação. O técnico alerta também que nunca se deve tentar resgatar pipas presas na rede elétrica, pois o risco de acidentes, como choques elétricos, é muito grande. n

 

* Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho