A Polícia Federal deflagrou nesta quarta-feira (17) a Operação Rejeito, que resultou na prisão de 22 pessoas e no cumprimento de 79 mandados de busca e apreensão contra uma organização criminosa especializada em fraudar licenciamentos ambientais para mineração irregular em Minas Gerais. O esquema, que envolve um conglomerado de mais de 40 empresas, já movimentou R$ 1,5 bilhão e mantinha projetos em andamento com potencial econômico superior a R$ 18 bilhões. Veja ainda neste texto a lista completa de pessoas e empresas no alvo da operação.

A operação conjunta da PF com a Controladoria-Geral da União, Ministério Público Federal e Receita Federal expõe a captura sistemática de órgãos ambientais por interesses privados, revelando corrupção em escala industrial que comprometeu desde agências federais reguladoras até fundações estaduais de meio ambiente.

No centro da organização criminosa está um trio empresarial que coordenava as operações através do grupo de WhatsApp denominado “Três Amigos Mineração”. Alan Cavalcante do Nascimento exercia a coordenação geral da organização, controlando pagamentos de propina e articulando operações financeiras. O ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages ocupava o cargo de “Diretor de Relações Interinstitucionais”, responsável pela articulação política com autoridades. Helder Adriano de Freitas atuava como “Diretor Operacional”, especialista técnico que elaborava contratos e coordenava operações minerárias junto aos órgãos ambientais.

A investigação demonstra que os três ampliaram exponencialmente as atividades criminosas após se tornarem réus na Operação Poeira Vermelha, de 2020, ao invés de cessar as irregularidades. Entre novembro de 2020 e maio de 2022, criaram dezenas de empresas de fachada e expandiram a rede de corrupção para múltiplos órgãos públicos.

A lavagem de dinheiro e distribuição de propinas eram coordenadas por uma estrutura administrativa sofisticada. Felipe Lombardi Martins, conhecido como “o homem da mala”, transportava fisicamente valores em espécie para agentes públicos corrompidos. Noêmia dos Santos, descrita como “braço direito” de Alan Cavalcante, exercia a direção administrativa-financeira das empresas de fachada.

Jamis Prado de Oliveira Junior especializou-se na criação e operação de sociedades para dificultar o rastreamento de recursos, administrando múltiplas empresas utilizadas para sacar valores e ocultar origem dos recursos. Alexandre Ignácio e Alany Cavalcante do Nascimento, irmão do líder da organização, prestavam nomes para criação de empresas-barreira destinadas à lavagem de dinheiro.

O grupo mantinha uma rede de influência política através de operadores especializados. Danilo Vieira Junior, ex-secretário de Meio Ambiente de Nova Lima, recebia valores através de sua empresa de consultoria, tendo embolsado R$ 5 milhões em contratos suspeitos. Segundo a PF, José Newton Kury de Oliveira Coelho atuava como “arquiteto” das empresas de fachada, criando estruturas societárias complexas para ocultar a propriedade real das mineradoras.

Gilberto Henrique Horta de Carvalho atuaria em um papel de articulador político junto à Assembleia Legislativa mineira, pressionando decisões favoráveis nos órgãos ambientais estaduais. Ênio Marcus Brandão Fonseca, ex-superintendente do Ibama em Minas Gerais, integrava o núcleo de influência utilizando conhecimentos e contatos no órgão ambiental federal.

Diretor da ANM alterava decisões sob comando do grupo
Segundo a PF, a corrupção na Agência Nacional de Mineração atingiu os mais altos escalões. Caio Mário Trivellato Seabra Filho, diretor da ANM, é suspeito de receber R$ 3 milhões em propinas através de escritório de advocacia. Em 22 de novembro de 2024, Caio teria alterado resolução da agência em reunião, sendo que uma hora antes da sessão Alan Cavalcante havia enviado o trecho exato do voto no grupo de WhatsApp.

Guilherme Santana Lopes Gomes, ex-diretor nacional da ANM, participava das articulações desde dezembro de 2019. Leandro César Ferreira de Carvalho, gerente regional da agência, funcionava como informante interno, enviando minutas de decisões para aprovação prévia do grupo empresarial antes mesmo de serem tomadas.

A Fundação Estadual do Meio Ambiente tornou-se peça-chave do esquema de corrupção. Rodrigo Gonçalves Franco, presidente da FEAM, recebia pagamentos mensais em espécie. Em janeiro de 2025, embolsou R$ 100 mil para cassar licença da Vale que prejudicava projetos da organização. Em fevereiro, solicitou R$ 50 mil adicionais para repassar ao diretor Arthur Ferreira Rezende Delfim.

Arthur atuava como intermediário para licenças irregulares, coordenando decisões técnicas favoráveis aos projetos minerários. Fernando Baliani da Silva, servidor da FEAM, completava a rede de corrupção no órgão estadual, facilitando tramitações e influenciando pareceres técnicos.

A investigação identificou corrupção em múltiplos órgãos ambientais. Breno Esteves Lasmar, diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas, participava do esquema para facilitar licenciamentos em áreas florestais. Fernando Benício de Oliveira Paula, integrante do Conselho Estadual de Política Ambiental, utilizava sua posição para influenciar decisões colegiadas.

Conglomerado de 40 empresas ocultava operações
A organização operavam segundo a PF, através de um intrincado sistema de empresas de fachada. A Fleurs Global Mineração funcionava como núcleo financeiro, movimentando R$ 4,3 bilhões entre 2019 e 2024. A Mineração Gute Sicht era a empresa original do esquema, utilizada nas primeiras operações irregulares na Serra do Curral. A Minerar Participações controlava os principais projetos minerários bilionários.

Após a Operação Poeira Vermelha, o grupo criou cinco empresas em 3 de novembro de 2020, uma sexta em 10 de novembro e quatro em dezembro do mesmo ano, totalizando 21 empresas entre novembro de 2020 e maio de 2022. O esquema utilizava até quatro camadas de empresas interpostas para dificultar rastreamento de recursos.

A AIGA Mineração envolvia exploração de rejeitos no valor de R$ 200 milhões, causando prejuízo direto à mineradora Vale através de decisões administrativas fraudulentas. O Projeto Patrimônio Mineração, na Serra de Ouro Preto, colocava em risco área de patrimônio histórico-ambiental, com propina documentada de R$ 500 mil pelo licenciamento.

Os projetos HG, Prisma e Rancho do Boi formavam o núcleo bilionário das operações, com potencial conjunto superior a R$ 17,3 bilhões e lucro líquido projetado de R$ 9,54 bilhões. O dano ambiental estimado à União supera R$ 18,2 bilhões.

Sistema sofisticado de corrupção
A organização desenvolveu metodologia refinada para corromper agentes públicos, iniciando com mapeamento de servidores com poder decisório, seguido de aproximação gradual com benefícios menores, escalada para pagamentos sistemáticos expressivos e manutenção de vínculos mesmo após mudanças de cargo.

Em 21 de novembro de 2024, véspera de julgamento na ANM, Alan Cavalcante transferiu R$ 700 mil para a Minerar, determinando pagamento imediato à AIGA. Na sequência, R$ 300 mil foram repassados ao escritório de advocacia que intermediava propina ao diretor Caio Seabra.

Além das 22 prisões, a Justiça Federal determinou bloqueio patrimonial de R$ 1,043 bilhão, atingindo 64 pessoas físicas e jurídicas. As atividades econômicas de 42 empresas foram suspensas, incluindo mineradoras, consultorias ambientais, holdings e sociedades anônimas de fachada.

Os 79 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em residências, empresas, gabinetes da FEAM, Instituto Estadual de Florestas, ANM e Conselho de Política Ambiental, além do escritório de advocacia suspeito de intermediar propinas.

A Operação Rejeito representa o maior desmantelamento de organização criminosa ambiental da história recente mineira, expondo como o sistema de licenciamento foi sistematicamente corrompido por interesses privados, colocando em risco patrimônios históricos e causando danos bilionários ao erário público.

Lista completa dos alvos da Operação Rejeito
Presos Preventivamente
Núcleo de Liderança:

Alan Cavalcante do Nascimento – Coordenador geral da organização criminosa
João Alberto Paixão Lages – Diretor de Relações Interinstitucionais
Helder Adriano de Freitas – Diretor Operacional
Operadores Financeiros:
4. Felipe Lombardi Martins – “O homem da mala”
5. Jamis Prado de Oliveira Junior – Operador de empresas de fachada

Articulador Político:
6. Gilberto Henrique Horta de Carvalho – Lobista político

Agentes Públicos da ANM:
7. Caio Mário Trivellato Seabra Filho – Diretor da ANM
8. Guilherme Santana Lopes Gomes – Ex-Diretor Nacional da ANM
9. Leandro César Ferreira de Carvalho – Gerente Regional da ANM

Agentes Públicos da FEAM:
10. Rodrigo Gonçalves Franco – Presidente da FEAM
11. Arthur Ferreira Rezende Delfim – Diretor da FEAM

Afastados da função pública
Fernando Baliani da Silva – Servidor da FEAM
Breno Esteves Lasmar – Diretor-Geral do IEF
Fernando Benício de Oliveira Paula – Integrante do COPAM
Busca e Apreensão
Danilo Vieira Junior – Ex-secretário de Meio Ambiente de Nova Lima
Débora Maria Ramos do Nascimento França
Gustavo Rezende Calcavari – Advogado e empresário
Henrique Costa de Seabra – Irmão do diretor Caio Seabra
Jaime Eduardo Fonseca
José Newton Kury de Oliveira Coelho – “Arquiteto” das empresas de fachada
João Paulo Martins
Lirriet de Freitas Librão Oliveira – Chefe da URA-LM/FEAM
Lucas Fraga Cruz Cerqueira
Luiz Alberto Monteiro de Barros
Luiz Felipe Ribeiro Monteiro de Barros
Noêmia dos Santos – Diretora administrativa-financeira
Rafael Nogueira Brandão
Vitor Reis Salum Tavares – Ex-gestor ambiental da SEMAD
Ênio Marcus Brandão Fonseca – Ex-superintendente do IBAMA/MG
Bloqueio de Bens
Ana Luiza de Araújo Kury Coelho
Alany Cavalcante do Nascimento – Irmão do líder Alan Cavalcante
Alexandre Ignácio Gomes Abrantes
Silvane Maria Carneiro Larocca Vieira
Empresas com atividades suspensas
Principais Holdings e Mineradoras:

MINERAR PARTICIPAÇÕES SA
FLEURS GLOBAL MINERAÇÃO LTDA (movimentou R$ 4,3 bilhões)
AIGA MINERAÇÃO S.A.
PATRIMÔNIO MINERAÇÃO LTDA
HG MINERAÇÃO SA
PRISMA MINERAÇÃO LTDA
FERRO SUL MINERAÇÃO SA
Empresas de Participações:

NALA PARTICIPAÇÕES SA / H9 PARTICIPAÇÕES SA
ANHD PARTICIPAÇÕES SA
ÁGUIA PARTICIPAÇÕES SA
IDTF PARTICIPAÇÕES SA
KIP PARTICIPAÇÕES LTDA
PASSOS PARTICIPAÇÕES SA
JNJN PARTICIPAÇÕES SA
NCS PARTICIPAÇÕES LTDA
NS PARTICIPAÇÕES SA
LUA NOVA PARTICIPAÇÕES SA
ZFSS PARTICIPAÇÕES SA
FOCO PARTICIPAÇÕES DE EMPRESAS LTDA
Empresas de Consultoria e Serviços:

DELACULT CONSULTORIA E ARQUITETURA LTDA
GREEN GESTÃO DE PROJETOS AMBIENTAIS
MINAS GERAIS CONSULTORIA AMBIENTAL LTDA
M.A. CONSULTORIA AMBIENTAL LTDA
Outras Empresas:

MINERAÇÃO GUTE SICHT LTDA
IRONTECH MINERAL LTDA
IRONTECH MINERAÇÃO SA
MINAS MINÉRIO DE FERRO SA
ONIX CÉU ABERTO MINERAÇÃO SA
MINERP LTDA
ABRIL PROCESSAMENTO E COMÉRCIO MINERAL LTDA
VALEFORT COMÉRCIO E TRANSPORTE LTDA-ME
Holdings e Participações Adicionais:

FH10 PARTICIPAÇÕES LTDA
JH MINAS PARTICIPAÇÕES LTDA
LF HOLDING LTDA
SERRA NEGRA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA
Escritório de Advocacia:

QUEIROGA, VIEIRA, QUEIROZ E RAMOS ADVOCACIA (bloqueio limitado a R$ 3 milhões)