Invasão de domicílios, assaltos à mão armada em estabelecimentos comerciais, perseguições nas ruas e furtos. A escalada da violência em bairros da região Leste de Belo Horizonte tem deixado moradores aterrorizados  “Me sinto insegura, impotente e desprotegida”, desabafou a podóloga Michele Dutra, de 40 anos, que foi assaltada no próprio salão de beleza, no Sagrada Família, enquanto fazia um atendimento. O cenário forçou a montagem de uma operação policial nos arredores.

Michele se lembra do dia do crime, ocorrido em abril deste ano, como se fosse ontem. “Tomei um susto. Meu salão é pequeno e ele entrou de uma vez anunciando o assalto e pedindo nossos celulares", relatou. O criminoso aparentava portar uma arma. A câmera de segurança de uma casa vizinha flagrou o homem correndo pela rua após o crime. 

Mesmo depois de alguns meses, Michele continua assustada. "Tenho um sentimento de impotência, me sinto desprotegida e com medo de perder minhas clientes. A polícia veio, mas não conseguiu prender ainda o ladrão", explicou a podóloga. Ela ainda vive um dilema: se prioriza a segurança ou o trabalho. "Preciso ser vista, trabalho no comércio na rua, como faço?", questionou.

O dilema da podóloga é o mesmo de outros comerciantes e moradores com quem a reportagem conversou. O mecânico J.C, que não quis se identificar, é morador antigo do bairro e tem uma oficina mecânica próximo de sua residência. Ele relatou que nos últimos anos, o Sagrada Família está perdendo a aura de um bairro familiar e seguro. "Já cansei de chamar a polícia. A gente mora e trabalha aqui e está toda hora na rua vendo esses bandidos de moto rondando nossas casas, nossos carros e lojas. Não adianta", disse.

O mecânico foi vítima, no dia 26 de agosto, de uma tentativa de assalto na porta de sua casa. A câmera de segurança de um comércio vizinho gravou, às 20h, o momento em que ele abriu o portão da garagem. Logo após a  esposa dele descer do carro e entrar em casa, uma dupla de moto chegou e parou perto do mecânico. Um dos homens desceu e tentou assaltá-lo, mas foi surpreendido. "Ele não percebeu que eu tinha visto a movimentação e dado partida no carro quando ele se aproximou. O ladrãozinho acabou fugindo, dei a volta no quarteirão e acabei entrando em casa. Fiquei com medo", relatou.

Na madrugada da última segunda-feira (17/11), um criminoso invadiu um edifício localizado na Rua São Roque, no Sagrada Família. Câmeras de segurança registraram a chegada do criminoso, a entrada pelo portão e a ação dentro do prédio. Nas imagens, ele aparece na rua, caminhando tranquilamente. Em seguida, força o portão da garagem até danificá-lo e consegue entrar.

Depois de tentar abrir alguns carros em vão, o homem revirou a área de festas do prédio e fugiu do local levando uma bicicleta e alguns objetos do espaço gourmet. Ele ainda tentou abrir o portão do corredor que dá acesso aos apartamentos, mas não conseguiu. 

O registro das câmeras mostram a agilidade com que o ladrão agiu. A invasão seguida de furto deixou os moradores indignados. “É impressionante como o nosso bairro está cheio de ladrões”, reclamou uma das moradoras do prédio que não quis se identificar.

Nesse caso, o suspeito foi preso no fim da tarde do mesmo dia. Segundo a PM, o homem que é dependente químico, é conhecido no 16º Batalhão por várias passagens por furto na região. Ao ser detido, ele confessou o furto de alguns objetos do espaço de festas e da bicicleta que teria sido vendida para traficantes do aglomerado Pedreira Prado Lopes (PPL), na Região Noroeste de BH, pelo valor de R$ 300.

Festas e jogos 

A Polícia Militar de Minas Gerais, por meio do 16º BPM, que é responsável por cobrir a região leste da capital, explicou que mantém ações contínuas de prevenção e repressão qualificada aos crimes contra o patrimônio nos bairros Sagrada Família, Horto e Santa Tereza. Ainda segundo a PM, há Redes de Proteção Preventiva ativas, compostas por comerciantes, instituições de ensino e moradores, com reuniões periódicas para apresentação de demandas e construção de soluções conjuntas.

No entanto, para moradores da região, as ações não têm sido suficientes para barrar o avanço da criminalidade, sobretudo nas proximidades das áreas mais boêmias. "Essas festas e os jogos de futebol parecem atrair pessoas com o intuito de fazer coisa errada. Sempre que tem um evento assim aqui na região, tempos notícias de furtos", relatou a moradora do Sagrada Família, Silvana Dias, de 60 anos. Ela relata não se sentir para caminhar sozinha pelo bairro. 

No primeiro sábado do mês de novembro, por volta das 15h, o ourives Marcelo da Silva, de 54 anos, teve a correntinha furtada enquanto caminhava pela rua no quarteirão de sua casa. Ele tinha ido comprar verduras no sacolão e, quando voltava para casa, um homem o abordou e puxou a correntinha de ouro. "Não deu tempo de reagir, já tinha um comparsa esperando em uma moto e eles fugiram", explicou  Marcelo. O furto ocorreu na Rua São Lucas com Rua Genoveva de Souza, ponto comercial do bairro. Indignado com a situação, o ourives relatou que no momento do furto ele caiu, ralou o joelho e o braço. "Os policiais queriam até me levar pro hospital, mas recusei. É uma sensação de insegurança muito grande, no momento a rua estava movimentada por conta de um  pagode na Rua Pitangui", explicou.

Santa Tereza

Maurilene Batista, proprietária do Bartiquim, denuncia a falta de policiamento na região de bares da Rua Silvianópolis, no Santa Tereza. "Viatura não passa e quando a gente liga eles vêm e não resolvem", afirmou a comerciante que está no comando do bar há 25 anos. Ela relatou que esse ano já foram furtados seis relógios e medidores de energia elétrica. "Não aguento mais. Eles pegam tudo, os fios mais grossos que são caros. Por causa disso, já queimaram meus aparelhos eletrônicos, freezeres, coifas", relatou Maurilene que contabilizou um prejuízo de R$7.200 somente nesse último furto registrado no dia 9 de novembro.

"Eles vieram aqui à noite e furtaram. Na segunda (10) furtaram o bar vizinho e na terça (11) furtaram o ponto final das linhas 9103 e 9210, onde os motoristas ficam”, conta. Ao todo, o prejuízo estimado com os seis furtos, entre equipamentos, engenheiros, marceneiro, foi cerca de R$30 mil. "Ninguém aguenta um negócio desses", finalizou pedindo mais atenção da PM.

Formado em sociologia e especialista em Segurança Pública, Arnaldo Conde Filho, explica que, apesar de o Santa Tereza ser um bairro com muitas residências, a tradição de bares é grande, o que o torna vulnerável. “Tem muita movimentação de pessoas até altas horas da noite, o lugar se torna alvo dos criminosos que veem ali uma oportunidade. Por mais que a polícia faça patrulhamento, o efetivo não é suficiente para ocupar todos os lugares", disse Conde. Ele explica que furtos de relógios e fiação da Cemig acontecem porque são equipamentos caros que têm receptadores interessados na compra.

Grupo de moradores

Moradores, comerciantes e prestadores de serviços dos bairros Sagrada Família e Santa Tereza têm um grupo em aplicativo de celular onde eles reportam qualquer ameaça, pessoa ou movimentação suspeita pelas ruas. Segundo a psicóloga, Aline Fonseca, 29 anos, os moradores do bairro se unem em busca de mais segurança. "Reportamos tudo pra Polícia Militar, alguns casos se resolvem, mas outros, infelizmente, ficam sem resposta. A sensação é que ano após ano a criminalidade tem aumentado", lamentou Aline.

Na terça-feira, 11 de novembro, a PM lançou a Operação Sagrada Família Segura com o objetivo de dar maior sensação de proteção para moradores e comerciantes do bairro. “Será uma operação constante no bairro, pensando já nas festas de fim de ano, antecipando a operação natalina”, explicou o tenente Renato Teixeira, comandante da operação. Cerca de 30 policiais do 16º Batalhão vão receber apoio do Batalhão de Policiamento de Trânsito e da Cavalaria da PM para promover blitzes de trânsito, mais patrulhamento do Tático Móvel. "Essa ação na região Leste da capital é uma demanda antiga dos moradores", completou o tenente Teixeira.