Desastres refletem a decadência da mineração, que sempre correu solta, sem gestão pública; indiferença popular nega seu papel de principal atividade econômica do estado

(BOMBEIROS/DIVULGAÇÃO)

O rompimento da barragem em Brumadinho nesta sexta-feira (25) e a tragédia de Mariana em 2015, embora com proporções distintas, guardam o mesmo significado. Retratam a decadência da mineração de ferro em Minas e o seu gradual abandono pela Vale. Há anos a gigante do setor prefere investir nas suas operações mais rentáveis no Pará a insistir nas velhas reservas mineiras. No cenário da mineração brasileira, a Amazônia é a nova fronteira, o futuro. E Minas, o presente que começa a virar passado. Tal qual o tipo de barragem que se rompeu, já superada por novas técnicas.

O início do fim da atividade secular no estado já era esperado; todos sabem que a mineração “só dá uma safra”, um dia acaba. Mas o final de ciclo não precisava ser tão trágico, nem afetar tanto o estado como está ocorrendo. E a culpa não é só da Vale. É também dos próprios mineiros, que sempre desdenharam a atividade e não cuidaram de gerenciar estrategicamente a exploração de seus minérios, apesar de historicamente dependentes dela.

Governo após governo, os administradores estaduais fizeram vistas grossas para a mineração, enquanto os respectivos partidos arrecadavam milhões do setor para as campanhas eleitorais. Mineradoras se destacaram entre as maiores doadoras para políticos mineiros até esse tipo de financiamento ser proibido no país, em 2016. Por outro lado, curiosamente, o setor também se destacou ao longo do tempo como um dos menos prestigiados pelo poder público estadual. Sucessivos governos mineiros mantiveram secretarias específicas para Turismo, Esporte e inúmeras áreas, mas não se recorda do último que tenha dedicado uma pasta à mineração, a exemplo do ministério federal, onde houve um ministro para o setor na maior parte do tempo.

Apesar de mais antiga atividade econômica de Minas, a mineração sempre foi relegada nos governos mineiros ao nível de terceiro escalão, no máximo do segundo. Parte dessa negligência se deve a interesses maliciosos, a uma intenção deliberada de manter ocultas ou submersas as políticas no setor. Mas parte é fruto da indiferença, a uma rejeição à atividade mineradora. Os mineiros não gostam de seu passado minerador. E quem trabalha na área percebe isso. Em 2013, eu ouvi do minerador e mineiro Murilo Ferreira, então presidente da Vale, o seguinte comentário: “Os mineiros têm vergonha do seu estado minerador”. Ele chegou a essa conclusão após comparar o comportamento mineiro ao de outras populações onde a Vale explora minas, incluindo os canadenses.

Seja por vergonha ou conveniência, a mineração correu solta em Minas. Desde o princípio. Os mineiros aceitaram que a Vale, embora fundada para explorar riquezas no estado, fosse instalar a sua matriz e centro de decisões no Rio de Janeiro. Deixar a direção da Vale em outro território, assim como tapar a visão dos buracos das minas com cortinas de árvores, ajudou a criar a ilusão ou o sonho de uma Minas mais industrial e moderna, diferente do estado primário e extrativista que se renega. A tragédia em reprise das barragens vem jogar na cara dos mineiros que não adianta negar o que se é. Mesmo tardiamente, melhor encerar a mineração de frente e tomar as rédeas do setor. Antes de uma terceira tragédia. Ainda há muitas barragens de rejeitos pelo estado.