Ouro Preto e Rio Acima – Uma única árvore sobrou de testemunha da floresta densa que antes a cercava. Resta agora, solitária, em um rombo que expõe solo arenoso, barrancos cortados por máquinas e nivelados pelo homem. A sobrevivente é uma peroba-rosa (Aspidosperma polyneuron) – uma espécie nativa da mata atlântica, classificada como ameaçada de extinção pela União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN/2024). No entorno desse espécime que resiste em uma área devastada no município de Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais, de 2022 para 2023 desapareceram oito hectares de árvores que o circundavam, vegetação de mata atlântica primária ou em regeneração.

A situação já é suficientemente grave, mas é só uma amostra ínfima de como o estado devasta esse bioma rico em biodiversidade e recursos hídricos, tornando-se o maior desmatador da mata atlântica no país. Pior do que isso, Minas é também onde a mata atlântica madura – floresta totalmente preservada ou sem interferência humana visível há pelo menos meio século – mais sofre derrubadas.

Nesse segundo cenário, a conclusão é de estudo publicado na revista científica “Nature Sustainability”, em 13 de fevereiro deste ano. O artigo é denominado “Padrões alarmantes de perda da mata atlântica madura brasileira”, uma colaboração entre cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Fundação SOS Mata Atlântica e Universidade de São Paulo (USP).

De acordo com as estatísticas de alertas de desmatamento da rede MapBiomas, em 2024 a mata atlântica perdeu 11.013 hectares em todo o Brasil, sendo 4.280,23ha (38,8%) em Minas Gerais, onde mais se devasta esse bioma. Esse monitoramento serve de base inclusive a órgãos de estado.

Já o estudo publicado na “Nature Sustainability” analisou 14.401 polígonos de desmatamento ocorridos entre 2010 e 2020, resultando na perda de 186.289 hectares de florestas maduras, “a maioria com alta probabilidade de ilegalidade”, segundo conclusão dos autores.

Essa área total é equivalente a quase oito vezes o tamanho do Parque Estadual do Rio Doce, a maior floresta contínua de mata atlântica mineira, chamada de a “Amazônia de Minas”. Mais uma vez, o estado contribuiu com a maior derrubada, com 63.338 hectares (34%). É o mesmo que 188 vezes a área do Parque das Mangabeiras, em BH, ou 400 vezes o Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Em seguida na lista de maiores desmatadores vêm a Bahia (26%), Paraná (12%) e Santa Catarina (4%).

“As florestas maduras representam aproximadamente metade da cobertura florestal da mata atlântica e abrigam a maior parte de seu carbono e biodiversidade. Essas florestas têm proteções restritas e só podem ser desmatadas em casos excepcionais de utilidade pública”, alertam os autores do estudo.

“As áreas de maior pressão para o desmatamento (atualmente) no bioma mata atlântica, em Minas Gerais, incluem o Médio e Alto Jequitinhonha e o extremo Norte do estado. Nessas regiões, a conversão de áreas nativas em pastagens exóticas e o cultivo de culturas agrícolas e florestais estão entre as principais causas do desmatamento”, informa a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).

“A região é caracterizada por um histórico prolongado de degradação e uma parcela significativa está abaixo do limiar de extinção, tornando-a altamente vulnerável a processos de degradação. Essa degradação leva a uma capacidade reduzida de lidar com as mudanças climáticas e a riscos exacerbados de disseminação de doenças zoonóticas. No entanto, sua alta resiliência significa que ela poderia se recuperar de um ponto crítico de biodiversidade em declínio para um ponto de esperança de adaptação climática por meio da proteção e restauração”, destacam os autores do estudo na “Nature Sustainability”.

O trabalho publicado na revista científica internacional mostra que as perdas da floresta madura ocorreram principalmente em pequenas áreas em terras privadas para expansão agrícola. O estudo aponta que, em média, cada área desmatada tem 13 hectares, mas algumas são menores (com não mais do que 3ha) e outras, maiores (mais de 50ha). A maioria das áreas desmatadas (97%) tem menos de 51ha e quase metade (48%) tem menos de 6ha.

O fantasma do risco de extinção

Segundo o estudo, a mata atlântica tem altas taxas de endemismo (espécies que só existem naquele bioma) e ameaças, o que a torna suscetível a futuras extinções ou “dívidas de extinção” – o conjunto de espécies que se estima que vão enfrentar extinção na ausência de intervenções. Quase metade (44%) de todas as espécies e 86% de suas espécies de árvores endêmicas estão sob algum nível de risco de desaparecer.

O desmatamento registrado representou 3% das emissões totais do Brasil em 2023. É destacada, ainda, a perda de serviços ecossistêmicos (os benefícios que obtemos do ambiente equilibrado), incluindo regulação climática e hídrica, controle de erosão ou deslizamentos de terra, polinização e controle de pragas.

Em Minas Gerais, o estudo mostra que o desmatamento ocorre principalmente para acomodar a silvicultura (plantação de árvores) e a pastagem extensiva, mas também tem sido impulsionado por projetos de irrigação para a agricultura no Vale do Rio São Francisco. Os usos agrícolas da terra combinados representaram mais de 70%, enquanto mineração, infraestrutura e usos urbanos totalizaram menos de 5%.

 

O desmatamento em áreas de mata atlântica em Minas Gerais vinha subindo entre 2019 e 2022, ano com a maior área devastada, chegando a 11.876ha. Mas desse ponto em diante ocorreram sucessivas reduções de áreas de corte das florestas, com esse índice chegando em 2023 a 5.398ha, uma queda de 54,5%. A redução de 2023 para 2024 foi de 20,7%.