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Dizer que engordou na pandemia se tornou conversa habitual nos últimos meses e não é à toa: 52,3% da população de Belo Horizonte que viveu algum nível de isolamento social nesse tempo afirma ter ganhado alguns quilos. Ou seja, quem engordou nesse período está longe de estar sozinho — pelo menos mais um milhão de pessoas também ganharam peso. É um cenário tratado como efeito colateral da pandemia e especialistas temem que se torne um problema de saúde pública.
O fenômeno, observado por uma pesquisa do curso de nutrição da PUC Minas que avalia dados de março a junho, não é exclusivo de BH. A pesquisa da universidade mineira foi uma das primeiras do país a investigar a relação entre isolamento social e variação do peso, mas outros estudos pelo mundo mostram resultados similares. Ficar em casa, reduzir as atividades físicas e se alimentar mais para saciar a ansiedade são ingredientes que, mundialmente, estão elevando o peso da população neste momento.
Ansiedade é gatilho para comer mais
Em BH, quase 71% das pessoas que dizem ter engordado afirmam que comem mais por estar ansiosas. É a história de Leonardo de Assis, 23. Ele tinha acabado de ser promovido a supervisor de operações em um call-center e tinha planos de passar do vegetarianismo para o veganismo quando a pandemia irrompeu na cidade. Em junho, ficou desempregado e seus hábitos foram revirados pelo avesso: a rotina de um café da manhã leve e de cinco frutas ao longo do dia foi substituída por um cotidiano em casa regado a pizza, massas fáceis de requentar e doces, além de nenhuma atividade física.
“Da última vez em que me pesei, tinha ganhado dez, 12 quilos, e consigo notar isso pela maneira como o meu corpo age. Perdi algumas roupas e é evidente onde engordei”, conta. O problema se agrava quando a pessoas que se alimenta por ansiedade sequer presta atenção ao que come, explica a professora de nutrição da PUC Minas e uma das autoras do estudo, Tatiana Rangel.
“O ato de se alimentar tem que ser mais consciente. A pessoa precisa reconhecer que come por um gatilho. Ela pode comer um chocolate, não sou contra isso, o ruim é comer muito chocolate sem nem perceber o prazer daquilo. O ciclo não fecha na cabeça da pessoa e a fome continua”, diz.
O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Rodrigo Lamounier, diz que a atividade física intensa e regular é uma das melhores estratégias para lidar com a ansiedade, em vez de recorrer à comida. “A pessoa tem que focar na rotina, que precisa ser mais saudável, e não ficar paranoica com o peso. O peso ideal é único para cada pessoa e histórico de vida”, pontua. Ele aconselha que o primeiro passo para a mudança de hábitos alimentares é prestar atenção ao que engatilha a alimentação por ansiedade.
“Se o problema é ficar ansioso à noite e comer um pacote de biscoitos, é uma boa ideia não ter biscoitos em casa. Respeite suas fragilidades e tente ter estratégias para lidar melhor com elas”, detalha.
Alimentos que foram mais consumidos por quem cumpriu isolamento em BH:
53,5% aumentaram o consumo de doces
43,7% aumentaram o consumo de quitandas (como pães e bolos)
38,7% aumentaram o consumo de massas
28,7% aumentaram o consumo de café
27,5% aumentaram o consumo de sanduíches
26% aumentaram o consumo de bebidas alcoólicas
Classe C e quem ficou ocioso durante isolamento engordou mais
Belo-horizontinos da classe C foram quem mais engordou: 60% das pessoas que mantiveram algum isolamento e têm renda familiar de dois a cinco salários mínimos declaram ter ganhado peso, mais do que pessoas da classe B (41,5%) e A (47,3%). Uma das hipóteses para explicar a distribuição é que pessoas de maior renda tendem a ter um histórico de educação alimentar e maior variedade de opções no prato, diz a socióloga Marina Siqueira, uma das autoras do estudo.
“As classes D e E foram perdendo acesso aos alimentos e a classe C, que consegue consumir, não tem hábitos saudáveis. Ela tem possibilidade de ter os alimentos e compra pizzas, sanduíches, um doce”, complementa.
O ganho de peso também foi mais comum entre quem passou o isolamento em casa no ócio, em relação a pessoas que trabalharam em regime de home office. Aproximadamente 54,5% dos ociosos engordaram, enquanto 48,5% de quem estava em home office tiveram aumento de peso.
Trabalho e comida estiveram intimamente ligados aos dez quilos que a técnica em informática Nathália Rezende, 25, ganhou. A loja na qual ela trabalha ficou os primeiros meses da pandemia sem receber clientes e ela passava o expediente sozinha no estabelecimento, de porta fechada. Sem o movimento, passou a comer mais, ao mesmo tempo em que aumentou a frequência de pedidos de delivery enquanto assistia às aulas online da faculdade, ao chegar em casa.
“Sou sócia da loja e preciso do movimento para lucrar no final do mês. Eu não tinha mais lucro fixo, mas nenhuma conta parou. Eu ficava muito sozinha e a ansiedade aumentou”, conta. Agora que a loja, na região do Barreiro, reabriu, ela diz perceber que muitos clientes costumeiros também engordaram.
Atividade física despencou e também explica ganho de peso
A alimentação desregrada se combinou à diminuição das atividades físicas: quase 77% das pessoas que cumpriram isolamento pararam de se exercitar ou diminuíram as atividades. O vigilante Leandro Cachoeira, 38, abandonou o futebol semanal com os amigos durante a pandemia e ganhou seis quilos, entrando na faixa da obesidade. Nas últimas semanas, tem feito caminhadas e tentado melhorar a alimentação, que vinha tendo um acréscimo de comida por delivery.
“O peso me incomoda, porque as roupas ficaram apertadas. Minha ansiedade é pela preocupação com o vírus chegar na minha família, tenho uma menina de 10 anos que é do grupo de risco”, conta.
Ganho de peso na pandemia é fenômeno coletivo e não deve ser motivo para culpa
“O ganho de peso é uma dificuldade comum na sociedade e nada diz sobre o caráter ou capacidade de alguém em lidar com desafios”, pontua o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Rodrigo Lamounier.
O problema do excesso de peso e, especialmente da obesidade, lembra, são as possíveis consequências para a saúde, como aumento do risco de diabetes e hipertensão, por exemplo, o que gera pressão não somente na vida do indivíduo, mas na saúde pública. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicados em outubro mostram que um a cada quatro brasileiros estava obeso em 2019.
O estudo conduzido pela PUC Minas não especifica o quanto as pessoas engordaram durante o isolamento social, mas a pesquisadora Marina Siqueira diz que a maior parte engordou entre dois e três quilos, com pontos fora da curva, passando dos dez. “Não é um fenômeno individual, quem ganhou alguns quilinhos não deve se culpar individualmente. Esse é um fenômeno coletivo, reflexo da pandemia e da situação que estamos vivendo juntos”, conclui.
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O fenômeno, observado por uma pesquisa do curso de nutrição da PUC Minas que avalia dados de março a junho, não é exclusivo de BH. A pesquisa da universidade mineira foi uma das primeiras do país a investigar a relação entre isolamento social e variação do peso, mas outros estudos pelo mundo mostram resultados similares. Ficar em casa, reduzir as atividades físicas e se alimentar mais para saciar a ansiedade são ingredientes que, mundialmente, estão elevando o peso da população neste momento.
Ansiedade é gatilho para comer mais
Em BH, quase 71% das pessoas que dizem ter engordado afirmam que comem mais por estar ansiosas. É a história de Leonardo de Assis, 23. Ele tinha acabado de ser promovido a supervisor de operações em um call-center e tinha planos de passar do vegetarianismo para o veganismo quando a pandemia irrompeu na cidade. Em junho, ficou desempregado e seus hábitos foram revirados pelo avesso: a rotina de um café da manhã leve e de cinco frutas ao longo do dia foi substituída por um cotidiano em casa regado a pizza, massas fáceis de requentar e doces, além de nenhuma atividade física.
“Da última vez em que me pesei, tinha ganhado dez, 12 quilos, e consigo notar isso pela maneira como o meu corpo age. Perdi algumas roupas e é evidente onde engordei”, conta. O problema se agrava quando a pessoas que se alimenta por ansiedade sequer presta atenção ao que come, explica a professora de nutrição da PUC Minas e uma das autoras do estudo, Tatiana Rangel.
“O ato de se alimentar tem que ser mais consciente. A pessoa precisa reconhecer que come por um gatilho. Ela pode comer um chocolate, não sou contra isso, o ruim é comer muito chocolate sem nem perceber o prazer daquilo. O ciclo não fecha na cabeça da pessoa e a fome continua”, diz.
O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Rodrigo Lamounier, diz que a atividade física intensa e regular é uma das melhores estratégias para lidar com a ansiedade, em vez de recorrer à comida. “A pessoa tem que focar na rotina, que precisa ser mais saudável, e não ficar paranoica com o peso. O peso ideal é único para cada pessoa e histórico de vida”, pontua. Ele aconselha que o primeiro passo para a mudança de hábitos alimentares é prestar atenção ao que engatilha a alimentação por ansiedade.
“Se o problema é ficar ansioso à noite e comer um pacote de biscoitos, é uma boa ideia não ter biscoitos em casa. Respeite suas fragilidades e tente ter estratégias para lidar melhor com elas”, detalha.
Alimentos que foram mais consumidos por quem cumpriu isolamento em BH:
53,5% aumentaram o consumo de doces
43,7% aumentaram o consumo de quitandas (como pães e bolos)
38,7% aumentaram o consumo de massas
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Belo-horizontinos da classe C foram quem mais engordou: 60% das pessoas que mantiveram algum isolamento e têm renda familiar de dois a cinco salários mínimos declaram ter ganhado peso, mais do que pessoas da classe B (41,5%) e A (47,3%). Uma das hipóteses para explicar a distribuição é que pessoas de maior renda tendem a ter um histórico de educação alimentar e maior variedade de opções no prato, diz a socióloga Marina Siqueira, uma das autoras do estudo.
“As classes D e E foram perdendo acesso aos alimentos e a classe C, que consegue consumir, não tem hábitos saudáveis. Ela tem possibilidade de ter os alimentos e compra pizzas, sanduíches, um doce”, complementa.
O ganho de peso também foi mais comum entre quem passou o isolamento em casa no ócio, em relação a pessoas que trabalharam em regime de home office. Aproximadamente 54,5% dos ociosos engordaram, enquanto 48,5% de quem estava em home office tiveram aumento de peso.
Trabalho e comida estiveram intimamente ligados aos dez quilos que a técnica em informática Nathália Rezende, 25, ganhou. A loja na qual ela trabalha ficou os primeiros meses da pandemia sem receber clientes e ela passava o expediente sozinha no estabelecimento, de porta fechada. Sem o movimento, passou a comer mais, ao mesmo tempo em que aumentou a frequência de pedidos de delivery enquanto assistia às aulas online da faculdade, ao chegar em casa.
“Sou sócia da loja e preciso do movimento para lucrar no final do mês. Eu não tinha mais lucro fixo, mas nenhuma conta parou. Eu ficava muito sozinha e a ansiedade aumentou”, conta. Agora que a loja, na região do Barreiro, reabriu, ela diz perceber que muitos clientes costumeiros também engordaram.
Atividade física despencou e também explica ganho de peso
A alimentação desregrada se combinou à diminuição das atividades físicas: quase 77% das pessoas que cumpriram isolamento pararam de se exercitar ou diminuíram as atividades. O vigilante Leandro Cachoeira, 38, abandonou o futebol semanal com os amigos durante a pandemia e ganhou seis quilos, entrando na faixa da obesidade. Nas últimas semanas, tem feito caminhadas e tentado melhorar a alimentação, que vinha tendo um acréscimo de comida por delivery.
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Ganho de peso na pandemia é fenômeno coletivo e não deve ser motivo para culpa
“O ganho de peso é uma dificuldade comum na sociedade e nada diz sobre o caráter ou capacidade de alguém em lidar com desafios”, pontua o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Rodrigo Lamounier.
O problema do excesso de peso e, especialmente da obesidade, lembra, são as possíveis consequências para a saúde, como aumento do risco de diabetes e hipertensão, por exemplo, o que gera pressão não somente na vida do indivíduo, mas na saúde pública. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicados em outubro mostram que um a cada quatro brasileiros estava obeso em 2019.
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