Bolo, balões e guaraná. Mais parecia uma festa de aniversário a casa do garoto Gabriel Nascimento, de 15 anos, que teve a perna amputada após sofrer um corte provocado por linha chilena em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Isso porque ele recebeu alta e deixou o hospital na manhã de ontem, depois de uma semana internado. Já na saída da unidade de saúde, Gabriel recebeu o carinho de amigos e familiares que lotaram a porta do hospital aos gritos de “feijãozinho guerreiro”, em alusão ao apelido de “Feijão” do jovem. Ao chegar em casa, mais emoção: uma festa surpresa temática com o time de coração, o Clube Atlético Mineiro.
Rodeado dos familiares, colegas de escola e amigos do futebol, o adolescente circulava pelo pequeno quintal em uma cadeira de rodas. O sorriso estava estampado no rosto para comemorar a vida. “O que aconteceu foi muito triste, por pouco meu filho não morreu. Não é fácil não, mas hoje é um dia feliz. Preferimos estar aqui, mesmo que sem uma das pernas, a fazer um velório. Estamos celebrando a vida”, disse o pai de Gabriel, Amilton do Nascimento, de 46 anos.
Os parentes ainda se familiarizam com o manuseio da cadeira de rodas. Ele deve ficar com ela por algum tempo, até que receba a prótese oferecida por um fisioterapeuta que se solidarizou com a causa. Gabriel ficou internado por oito dias no hospital. O acidente ocorreu em 20 de julho, quando ele foi atingido por uma linha chilena que se prendeu em um ônibus.
O artefato cortante acertou o garoto quando ele caminhava na calçada. Aos poucos, o adolescente vai se recordando do acidente e novos detalhes são revelados. Com as mãos feridas, Gabriel conta que avistou a linha e que tentou retirá-la do local para evitar um acidente. “Eu tinha saído de uma partida de futebol no Clube São Cristóvão, onde eu jogava. Estava com um colega, que parou para cortar cabelo. Depois disso, seguimos de bicicleta. Porém, o pneu furou e eu caminhava sozinho até um mecânico.
Foi quando me deparei com a linha. Já conhecia a linha chilena e sabia que era muito cortante. Tentei retirá-la do caminho para que não machucasse um motoqueiro”, contou o jovem. Porém, o coletivo passou e arrastou a linha, perfurando a perna dele.
Gabriel é filho de Regina Alves Rosa do Nascimento, de 45, dona de um salão. Ela fazia as unhas quando soube do acidente. O pai, proprietário de um restaurante e dono um dos melhores caldos quentes da cidade, é Amilton do Nascimento, também de 46 anos. Ele trabalhava em seu comércio na tarde do acidente, um sábado. “Gabriel é uma pessoa muito nova.
Vai vencer. Ele é um guerreiro. Daqui a pouco já está jogando bola, voltará a estudar, vai se casar, ter filhos... E sabe de uma coisa? Eu me considero um pai especial. É triste ver uma atleta nessas condições, mas Deus vai dar um novo sonho para ele”, disse o pai durante a festa de comemoração da volta do garoto à casa.
A mãe do adolescente, Regina Alves Rosa do Nascimento, agradeceu a Deus pela saída do filho e ressaltou todo o apoio recebido de diversas pessoas para dar força ao jovem para seguir em frente. “Um pouco antes de sair do hospital, ele contou que estava preocupado. Estava com vergonha, com medo de ser rejeitado. Então disse pra ele: ‘Você não perdeu, você ganhou. Você ganhou uma nova vida e vamos vivê-la”, contou a mãe, com os olhos brilhando.
O sonho não acabou
O adolescente contou que começou a jogar futebol aos cinco anos de idade. Toda família é atleticana fervorosa. Desde muito pequeno, Gabriel é apaixonado pelo preto e branco da bandeira do Atlético Mineiro. E nos planos do jovem está voltar a jogar futebol quando estiver com a prótese, que será dada pelo fisioterapeuta Fabrício Daniel de Lima, diretor do Instituto de Prótese e Órtese (IPO). O fisioterapeuta se comoveu com a história depois de ter perdido um primo há cinco anos, vítima de corte por cerol. A prótese, de R$ 80 mil, ajudará muito na recuperação do jovem e a realizar seu sonho. “Quero poder voltar a jogar bola. Agora, jogar nos esportes paralímpicos”, disse animado. E também conhecer pessoalmente os jogadores Patric, do Atlético, e Fred, do Cruzeiro. “Fiquei muito motivado ao ver as mensagens deles”, contou. Ele deve tirar os pontos em 20 dias e começar a reabilitação.
O garoto também aproveitou para dar um recado para quem insiste em soltar pipas com linha chilena. “Recomendo que não usem, porque da mesma forma que (a linha cortante) me prejudicou, pode prejudicar qualquer um”, contou. Depois do episódio, ninguém foi preso. A família conta que, mesmo sem saber quem era o responsável pela pipa, perdoa o autor. “Nosso coração não tem mágoa. Nós perdoamos. Mas estamos aqui para conscientizar. Ocorreu com o Gabriel e pode acontecer com outras pessoas. Soltar papagaio é muito legal, mas sem cerol, sem linha chilena e em um lugar apropriado. A lei precisa ser mais rígida”, completou o pai.