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A estabilização de quadros de erosão de solo por meio do preenchimento com material da atividade minerária pode ser uma solução sustentável para dois problemas ambientais comuns em Minas Gerais. Mas, em Itabirito, na Região Central do estado, um projeto com essas características e suposto descarte de entulho tem chamado a atenção por denúncias de impactos ao meio ambiente, coincidências estranhas e aparente incoerência em medidas adotadas.
As informações chegaram à equipe do Estado de Minas por meio de profissionais relacionados à operação. A prefeitura nega o uso de rejeitos de mineração, mas a empresa envolvida confirma.
Denúncias apontam desmatamento de mata atlântica sob a justificativa de formar uma área de recuperação ambiental, soterramento de áreas de recarga hídrica e de nascentes do Rio das Velhas, uso de rejeitos de minério de ferro, entre outros detritos, licenciamento de atividade de impactos regionais como sendo locais e até desconfiança de reaproveitamento posterior do material depositado no interior das erosões.
Sob a justificativa de combater voçorocas – vastas fendas escavadas sobretudo pela erosão causada pela chuva em solo desprotegido –, a Prefeitura de Itabirito contratou e licenciou a empresa gaúcha Tazay Transportes Ltda., a partir de 2024, para estabilizar erosões em terrenos entre a sede urbana e o distrito de São Gonçalo do Monte, onde há também descarte aprovado pelo município de restos de construção civil (RCC) em local onde havia uma voçoroca.
A empresa batizou a ação de “Projeto Ivoti” e o descreve como tendo por objetivo restaurar cinco voçorocas sob licenciamento da prefeitura, somando até 9 hectares (ha). “Já destinamos 1,3 milhão de toneladas de materiais seguros da mineração, fortalecendo o solo e permitindo a regeneração da vegetação”, declara a empresa.
De acordo com informações da companhia, os resíduos são da Mina Pau Branco, da mineradora francesa Vallourec, em Nova Lima, na Grande BH. A administração municipal afirma que a autorização no projeto de tratamento das voçorocas prevê uso de estéril de mineração, que é a rocha ou solo com quase nenhum teor de ferro, removida antes da extração de minério. Já o rejeito é a sobra do processo minerário após a extração e o beneficiamento do minério. E pode conter algum teor de ferro.
Risco e dilema dos rejeitos
Depois dos rompimentos das barragens de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) e das fortes restrições ao uso desse tipo de reservatório, mineradoras têm enfrentado desafios para dispor os rejeitos de seus processos. Buscam descartes em cavas de extração antigas e formação de pilhas. Em 2022, o escorregamento de uma pilha da Vallourec, por exemplo, chegou a inundar de lama e detritos a BR-040, interrompendo o tráfego na altura da Mina de Pau Branco, entre Nova Lima e Brumadinho.
Em Itabirito, todo o licenciamento do projeto das voçorocas e do aterro de restos de construção foi feito pela prefeitura, por meio da delegação estadual pelo Convênio de Cooperação Técnica e Administrativa 03/2021, celebrado com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). A gestão municipal destaca que são licenciamentos regulares, que seguiram todos os trâmites legais.
De acordo com publicação da administração, tal convênio visa “licenciar as atividades potencialmente poluidoras de impacto local (Classes: 0, 1, 2, 3 e 4)”. A deposição de minério pode ser considerada de médio a alto impacto, dependendo do local, da hidrografia e da quantidade, por exemplo.
Desmatar para recuperar?
Contudo, nesse licenciamento realizado para uma área de recuperação ambiental, foi permitido o desmatamento de quase 5 hectares de mata atlântica, em estágio de médio a avançado de regeneração, segundo levantamentos da rede de universidades, empresas de tecnologia e ONGs de mapeamento MapBiomas, ainda que margeando ou dentro das voçorocas.
De acordo com o mapeamento e as coordenadas do Sistema Estadual do Meio Ambiente (Sisema), o local que tem recebido detritos e rejeitos da extração de minério de ferro está em área de recarga hídrica, considerada de muito alta prioridade pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), por figurar entre as mais críticas em termos de disponibilidade ou qualidade de água.
Mineradora e MPMG acordam investimento de R$ 30 milhões em igrejas mineiras
Além disso, tanto o projeto de recuperação como o de deposição afetam nascentes que alimentam o Rio das Velhas. As fontes de água são tributárias dos córregos Feliciano e das Palmeiras. São corpos d'água formadores do Córrego da Farinha, afluente direto do Velhas, na altura da Represa de Rio de Pedras, onde está instalada a Pequena Central Hidrelétrica (PCH) de mesmo nome, operada pela Cemig. Vale destacar que a erosão da terra e o assoreamento do lago são problemas desde a sua formação.
Desse potencial de danos com abrangência além dos limites do município de Itabirito vem o questionamento sobre o caráter de impacto local da intervenção. Se esse impacto for considerado regional, poderia ser passível de licenciamento estadual.
Coincidências providenciais
Ainda que a empresa garanta usar no projeto resíduos seguros da mineração, as denúncias de que rejeito com teor importante de minério de ferro esteja transformando as erosões em uma espécie de depósito para beneficiamento posterior ganharam ainda mais relevância quando a equipe do EM cruzou os dados com informações da Agência Nacional de Mineração (ANM).
Uma das áreas das voçorocas está em polígono disponível para leilão e outra tem requerimento de pesquisa (Processo ANM 831.845/2024) em um polígono de 792,21 hectares em nome da Tazay Transportes Ltda., para exploração de minério de ferro, minério de ouro, areia, cascalho, argila e gnaisse. As denúncias recebidas são de que parte do material descartado poderia ser minerado e beneficiado novamente.
Os prazos para a sondagem
O pedido de pesquisa para exploração de minério na área de suposta recuperação de voçorocas em Itabirito se encontra em análise, ainda em fase inicial, passível de exigências durante a análise da ANM e antecede a “pesquisa mineral autorizada”, que pode ter validade de um a três anos.
O plano de pesquisa enviado pela Tazay para a agência é de três anos e contempla sondagens, mapeamento geológico, testes de beneficiamento, escavações de poços e trincheiras, entre outros, totalizando um investimento de R$ 321 mil nessa fase preliminar.
A área é um espaço com plantações e criação de gado no limite com bairros e condomínios da mancha urbana de Itabirito. As erosões são muito antigas, algumas com décadas de idade, segundo histórico de registros fotográficos.
Máquinas ou preservação?
O local onde as máquinas operam depositando resíduos em áreas de recarga e nascentes é sensível e de grande importância para o Rio das Velhas, o que demandaria um acompanhamento mais presente das fiscalizações ambientais municipais e estaduais, segundo avaliação do vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Ronald de Carvalho Guerra.
“No alto Rio das Velhas, a nossa prioridade é garantir a segurança hídrica da bacia e da Grande BH. A cabeceira do rio é essencial para o abastecimento, e por isso qualquer dano causa impacto na oferta e na qualidade da água”, afirma Guerra.
Segundo Guerra, quando a Tazay foi procurada pelo comitê, informou que pretendia mesmo utilizar rejeitos para estabilizar as voçorocas, mas por meio de um processo controlado. “Muitas empresas de transporte estão aderindo a essa atividade. Porque ganhariam transportando o minério na mina e o rejeito para aterrar. Mas o processo na voçoroca precisa ser muito rígido, porque é uma nascente exposta e nós temos muitas aqui no Alto Rio das Velhas. É preciso acompanhar de perto e apurar as denúncias”, afirma o ambientalista.
O vice-presidente do CBH Rio das Velhas também estranhou o corte de árvores de mata atlântica para áreas de restauração ambiental, assim como os pedidos de autorização para pesquisa de mineração justamente nas áreas de deposição dos rejeitos. “É uma situação muito preocupante. Depois de passar por dois rompimentos significativos de barragens, não podemos ter um rejeito enterrado que no futuro vai reaparecer para contaminar ou ser aberto. É uma questão muito séria, pois a vocação da região é a preservação para o abastecimento”, frisou.
O que diz a prefeitura
A Prefeitura de Itabirito afirma que a área licenciada para deposição de resíduos da construção civil funciona sob a Licença 03/2020, vinculada ao Processo Administrativo 11.368/2019, deliberada e aprovada pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento e Melhoria do Ambiente (Codema). “O local é destinado exclusivamente à disposição de RCC (restos de construção civil), encontra-se devidamente licenciado e monitorado pela Semam, e passa por processo de readequação técnica”, informou, por meio de nota.
Já a intervenção nas erosões, diz a gestão municipal, é parte do projeto para a “recuperação ambiental de áreas degradadas em propriedades privadas, por meio de projetos elaborados por empreendedores, em parceria com empresas geradoras de estéril de mineração e proprietários das áreas, com análise técnica da Secretaria e aprovação do Codema”.
Segundo a prefeitura, os projetos têm Plano de Recuperação de Áreas Degradadas; Relatório de Controle Ambiental; Plano de Controle Ambiental; Projeto de Intervenção Ambiental; Autorização para Intervenção Ambiental junto ao IEF (Instituto Estadual de Florestas); Anotação de Responsabilidade Técnica; projetos executivos; outorga de uso de água, quando aplicável; e anuência formal dos proprietários das áreas.
“As licenças vigentes foram analisadas, pautadas e aprovadas pelo Codema, após manifestação técnica da Secretaria. Entre as intervenções em andamento, destacam-se as conduzidas pela empresa Tazay, em Bonsucesso, que contam com: Autorização para Intervenção Ambiental (11/2024), Licença Ambiental Simplificada (04/2022) e Licença Ambiental Concomitante (01/2023).”
“Todas as condicionantes estão sendo monitoradas periodicamente e devidamente cumpridas durante o processo de preenchimento e revegetação das áreas. As atividades ambientais em curso são licenciadas, acompanhadas e monitoradas, em conformidade com a legislação vigente, e conduzidas com total transparência junto aos órgãos de controle e à sociedade”, sustenta a prefeitura.
“Rejeitos de mineração não perigosos”
A Tazay informou que veio a Minas Gerais pela proposta de expandir sua atuação para o setor da mineração, “o que justificou o registro de pesquisa mineral na região e outras ações semelhantes”. Porém, argumenta a empresa, “esse projeto não se mostrou econômica e tecnicamente viável”.
Em Minas, o grupo afirma ter encontrado o ramo “de recuperação ambiental, inclusive com o desenvolvimento e patenteamento em parceria com pesquisadores, de técnica para a utilização de rejeitos de mineração não perigosos (classe II), para a recuperação de áreas degradadas”, informa.
Sobre os projetos, a empresa afirma que “em todos são utilizados exclusivamente rejeitos de mineração não perigosos (classe II, norma ABNT 10.004) ou terra e areia (sílica) que não removidos do subsolo”. “Não é utilizado nenhum outro tipo de material e mistura, como alegado na denúncia, o que comprometeria, inclusive, a eficácia do projeto”, afirma.
O grupo também nega a utilização de material de restos de construção civil. “Todo o material empregado nas atividades de recuperação ambiental sob a responsabilidade da Tazay é proveniente exclusivamente de processos de concentração de minério, devidamente filtrado e manejado dentro de sua umidade natural, conforme parâmetros estabelecidos nos respectivos Planos de Recuperação de Áreas Degradadas (PRADs) protocolados junto aos órgãos ambientais competentes.”
A empresa informou que em suas áreas elaborou Plano de Intervenção Ambiental (PIA) completo, descrevendo a vegetação a ser suprimida, com localizações e dimensões de árvores e justificativas técnicas, bem como medidas de compensação ambiental correspondentes, preferencialmente executadas na própria área de intervenção.
“A supressão vegetal controlada constitui uma etapa técnica imprescindível para a execução segura dos trabalhos, em conformidade com as normas técnicas aplicáveis. A remoção pontual e isolada da vegetação é necessária para o tratamento de processos erosivos, correção de desníveis e estabilização física de taludes e estruturas, garantindo a adequada reintegração do terreno ao meio físico e a prevenção de novos processos de degradação.”
A Tazay declarou, ainda, que realizou intervenções apenas nas voçorocas e “não impacta nascentes ou cursos d’água”. “A empresa adota todas as medidas de precaução necessária para a proteção de qualquer recurso hídrico próximo, como a construção de barreiras e de sumps que impedem a condução de rejeito para os cursos d’água”, afirma. Em uma das áreas, 20% do total será reflorestado e 80%, voltado para a agropecuária, sendo que as duas demais receberão 100% de vegetação nativa, de acordo com a empresa.
O que diz a mineradora
Procurada, a Vallourec afirma ter compromisso com a sustentabilidade “ao liderar práticas pioneiras na gestão de rejeitos da mineração”. “Em busca contínua por soluções ambientalmente responsáveis, a Vallourec firmou uma parceria com a Tazay para promover a reabilitação de áreas degradadas por meio de tecnologias inovadoras e do reaproveitamento de resíduos da mineração. O objetivo é restaurar ecossistemas e agregar valor ao desenvolvimento sustentável. A Tazay atua com todos os licenciamentos necessários e em conformidade com a legislação vigente”, acrescenta.
Ainda segundo a empresa, “as atividades da Vallourec são guiadas por sólidos compromissos ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança), com foco na proteção ao meio ambiente e na utilização racional dos recursos naturais, sendo então a empresa de tubos com a menor emissão de carbono do setor. Essa postura reafirma o papel da empresa como agente transformador, que alia inovação, responsabilidade e sustentabilidade em todas as etapas de sua operação”.
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Intervenção questionada
A estabilização de quadros de erosão de solo por meio do preenchimento com material da atividade minerária pode ser uma solução sustentável para dois problemas ambientais comuns em Minas Gerais. Mas, em Itabirito, na Região Central do estado, um projeto com essas características e suposto descarte de entulho tem chamado a atenção por denúncias de impactos ao meio ambiente, coincidências estranhas e aparente incoerência em medidas adotadas.
As informações chegaram à equipe do Estado de Minas por meio de profissionais relacionados à operação. A prefeitura nega o uso de rejeitos de mineração, mas a empresa envolvida confirma.
Denúncias apontam desmatamento de mata atlântica sob a justificativa de formar uma área de recuperação ambiental, soterramento de áreas de recarga hídrica e de nascentes do Rio das Velhas, uso de rejeitos de minério de ferro, entre outros detritos, licenciamento de atividade de impactos regionais como sendo locais e até desconfiança de reaproveitamento posterior do material depositado no interior das erosões.
Sob a justificativa de combater voçorocas – vastas fendas escavadas sobretudo pela erosão causada pela chuva em solo desprotegido –, a Prefeitura de Itabirito contratou e licenciou a empresa gaúcha Tazay Transportes Ltda., a partir de 2024, para estabilizar erosões em terrenos entre a sede urbana e o distrito de São Gonçalo do Monte, onde há também descarte aprovado pelo município de restos de construção civil (RCC) em local onde havia uma voçoroca.
A empresa batizou a ação de “Projeto Ivoti” e o descreve como tendo por objetivo restaurar cinco voçorocas sob licenciamento da prefeitura, somando até 9 hectares (ha). “Já destinamos 1,3 milhão de toneladas de materiais seguros da mineração, fortalecendo o solo e permitindo a regeneração da vegetação”, declara a empresa.
De acordo com informações da companhia, os resíduos são da Mina Pau Branco, da mineradora francesa Vallourec, em Nova Lima, na Grande BH. A administração municipal afirma que a autorização no projeto de tratamento das voçorocas prevê uso de estéril de mineração, que é a rocha ou solo com quase nenhum teor de ferro, removida antes da extração de minério. Já o rejeito é a sobra do processo minerário após a extração e o beneficiamento do minério. E pode conter algum teor de ferro.
Risco e dilema dos rejeitos
Depois dos rompimentos das barragens de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) e das fortes restrições ao uso desse tipo de reservatório, mineradoras têm enfrentado desafios para dispor os rejeitos de seus processos. Buscam descartes em cavas de extração antigas e formação de pilhas. Em 2022, o escorregamento de uma pilha da Vallourec, por exemplo, chegou a inundar de lama e detritos a BR-040, interrompendo o tráfego na altura da Mina de Pau Branco, entre Nova Lima e Brumadinho.
Em Itabirito, todo o licenciamento do projeto das voçorocas e do aterro de restos de construção foi feito pela prefeitura, por meio da delegação estadual pelo Convênio de Cooperação Técnica e Administrativa 03/2021, celebrado com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). A gestão municipal destaca que são licenciamentos regulares, que seguiram todos os trâmites legais.
De acordo com publicação da administração, tal convênio visa “licenciar as atividades potencialmente poluidoras de impacto local (Classes: 0, 1, 2, 3 e 4)”. A deposição de minério pode ser considerada de médio a alto impacto, dependendo do local, da hidrografia e da quantidade, por exemplo.
Desmatar para recuperar?
Contudo, nesse licenciamento realizado para uma área de recuperação ambiental, foi permitido o desmatamento de quase 5 hectares de mata atlântica, em estágio de médio a avançado de regeneração, segundo levantamentos da rede de universidades, empresas de tecnologia e ONGs de mapeamento MapBiomas, ainda que margeando ou dentro das voçorocas.
De acordo com o mapeamento e as coordenadas do Sistema Estadual do Meio Ambiente (Sisema), o local que tem recebido detritos e rejeitos da extração de minério de ferro está em área de recarga hídrica, considerada de muito alta prioridade pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), por figurar entre as mais críticas em termos de disponibilidade ou qualidade de água.
Mineradora e MPMG acordam investimento de R$ 30 milhões em igrejas mineiras
Além disso, tanto o projeto de recuperação como o de deposição afetam nascentes que alimentam o Rio das Velhas. As fontes de água são tributárias dos córregos Feliciano e das Palmeiras. São corpos d'água formadores do Córrego da Farinha, afluente direto do Velhas, na altura da Represa de Rio de Pedras, onde está instalada a Pequena Central Hidrelétrica (PCH) de mesmo nome, operada pela Cemig. Vale destacar que a erosão da terra e o assoreamento do lago são problemas desde a sua formação.
Desse potencial de danos com abrangência além dos limites do município de Itabirito vem o questionamento sobre o caráter de impacto local da intervenção. Se esse impacto for considerado regional, poderia ser passível de licenciamento estadual.
Coincidências providenciais
Ainda que a empresa garanta usar no projeto resíduos seguros da mineração, as denúncias de que rejeito com teor importante de minério de ferro esteja transformando as erosões em uma espécie de depósito para beneficiamento posterior ganharam ainda mais relevância quando a equipe do EM cruzou os dados com informações da Agência Nacional de Mineração (ANM).
Uma das áreas das voçorocas está em polígono disponível para leilão e outra tem requerimento de pesquisa (Processo ANM 831.845/2024) em um polígono de 792,21 hectares em nome da Tazay Transportes Ltda., para exploração de minério de ferro, minério de ouro, areia, cascalho, argila e gnaisse. As denúncias recebidas são de que parte do material descartado poderia ser minerado e beneficiado novamente.
Os prazos para a sondagem
O pedido de pesquisa para exploração de minério na área de suposta recuperação de voçorocas em Itabirito se encontra em análise, ainda em fase inicial, passível de exigências durante a análise da ANM e antecede a “pesquisa mineral autorizada”, que pode ter validade de um a três anos.
O plano de pesquisa enviado pela Tazay para a agência é de três anos e contempla sondagens, mapeamento geológico, testes de beneficiamento, escavações de poços e trincheiras, entre outros, totalizando um investimento de R$ 321 mil nessa fase preliminar.
A área é um espaço com plantações e criação de gado no limite com bairros e condomínios da mancha urbana de Itabirito. As erosões são muito antigas, algumas com décadas de idade, segundo histórico de registros fotográficos.
Máquinas ou preservação?
O local onde as máquinas operam depositando resíduos em áreas de recarga e nascentes é sensível e de grande importância para o Rio das Velhas, o que demandaria um acompanhamento mais presente das fiscalizações ambientais municipais e estaduais, segundo avaliação do vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Ronald de Carvalho Guerra.
“No alto Rio das Velhas, a nossa prioridade é garantir a segurança hídrica da bacia e da Grande BH. A cabeceira do rio é essencial para o abastecimento, e por isso qualquer dano causa impacto na oferta e na qualidade da água”, afirma Guerra.
Segundo Guerra, quando a Tazay foi procurada pelo comitê, informou que pretendia mesmo utilizar rejeitos para estabilizar as voçorocas, mas por meio de um processo controlado. “Muitas empresas de transporte estão aderindo a essa atividade. Porque ganhariam transportando o minério na mina e o rejeito para aterrar. Mas o processo na voçoroca precisa ser muito rígido, porque é uma nascente exposta e nós temos muitas aqui no Alto Rio das Velhas. É preciso acompanhar de perto e apurar as denúncias”, afirma o ambientalista.
O vice-presidente do CBH Rio das Velhas também estranhou o corte de árvores de mata atlântica para áreas de restauração ambiental, assim como os pedidos de autorização para pesquisa de mineração justamente nas áreas de deposição dos rejeitos. “É uma situação muito preocupante. Depois de passar por dois rompimentos significativos de barragens, não podemos ter um rejeito enterrado que no futuro vai reaparecer para contaminar ou ser aberto. É uma questão muito séria, pois a vocação da região é a preservação para o abastecimento”, frisou.
O que diz a prefeitura
A Prefeitura de Itabirito afirma que a área licenciada para deposição de resíduos da construção civil funciona sob a Licença 03/2020, vinculada ao Processo Administrativo 11.368/2019, deliberada e aprovada pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento e Melhoria do Ambiente (Codema). “O local é destinado exclusivamente à disposição de RCC (restos de construção civil), encontra-se devidamente licenciado e monitorado pela Semam, e passa por processo de readequação técnica”, informou, por meio de nota.
Já a intervenção nas erosões, diz a gestão municipal, é parte do projeto para a “recuperação ambiental de áreas degradadas em propriedades privadas, por meio de projetos elaborados por empreendedores, em parceria com empresas geradoras de estéril de mineração e proprietários das áreas, com análise técnica da Secretaria e aprovação do Codema”.
Segundo a prefeitura, os projetos têm Plano de Recuperação de Áreas Degradadas; Relatório de Controle Ambiental; Plano de Controle Ambiental; Projeto de Intervenção Ambiental; Autorização para Intervenção Ambiental junto ao IEF (Instituto Estadual de Florestas); Anotação de Responsabilidade Técnica; projetos executivos; outorga de uso de água, quando aplicável; e anuência formal dos proprietários das áreas.
“As licenças vigentes foram analisadas, pautadas e aprovadas pelo Codema, após manifestação técnica da Secretaria. Entre as intervenções em andamento, destacam-se as conduzidas pela empresa Tazay, em Bonsucesso, que contam com: Autorização para Intervenção Ambiental (11/2024), Licença Ambiental Simplificada (04/2022) e Licença Ambiental Concomitante (01/2023).”
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“Rejeitos de mineração não perigosos”
A Tazay informou que veio a Minas Gerais pela proposta de expandir sua atuação para o setor da mineração, “o que justificou o registro de pesquisa mineral na região e outras ações semelhantes”. Porém, argumenta a empresa, “esse projeto não se mostrou econômica e tecnicamente viável”.
Em Minas, o grupo afirma ter encontrado o ramo “de recuperação ambiental, inclusive com o desenvolvimento e patenteamento em parceria com pesquisadores, de técnica para a utilização de rejeitos de mineração não perigosos (classe II), para a recuperação de áreas degradadas”, informa.
Sobre os projetos, a empresa afirma que “em todos são utilizados exclusivamente rejeitos de mineração não perigosos (classe II, norma ABNT 10.004) ou terra e areia (sílica) que não removidos do subsolo”. “Não é utilizado nenhum outro tipo de material e mistura, como alegado na denúncia, o que comprometeria, inclusive, a eficácia do projeto”, afirma.
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A empresa informou que em suas áreas elaborou Plano de Intervenção Ambiental (PIA) completo, descrevendo a vegetação a ser suprimida, com localizações e dimensões de árvores e justificativas técnicas, bem como medidas de compensação ambiental correspondentes, preferencialmente executadas na própria área de intervenção.
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