Golpeada a facadas, Ana Paula Ferreira de Almeida, 36, foi assassinada na última quinta-feira, em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte. Na noite de 22 de setembro, um domingo, Ladyslaine Barbosa Campos, 41, era morta no bairro Trevo, na Região da Pampulha, em BH. Treze dias antes, em uma segunda-feira, 9 de setembro, em Paracatu, na região noroeste de Minas, a pedagoga Ana Paula Lopes Solto, 33, perdia a vida.

Histórias de uma violência que se espalha por todo Brasil, há muito em comum na tragédia dessas mulheres: em suas próprias casas, elas perderam suas vidas pelas mãos dos homens com quem um dia se casaram – é esta a regra para casos de feminicídio no país. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, companheiros e ex-companheiros são responsáveis por 88,8% deste tipo de crime – que é a principal linha de investigação para os casos citados nesta reportagem.

Liderando o assustador ranking de feminicídios no país, uma mulher foi morta a cada 56 horas em Minas Gerais no ano de 2018. No total, 156 delas foram assassinadas em razão de violência doméstica ou por motivo de discriminação de gênero, um aumento de 3,4% em relação ao período anterior. No país, 1.206 mulheres foram vítimas do machismo no mesmo período, 4% a mais em relação a 2017.

Por outro lado, o índice de presença de políticas para mulheres, de Conselhos de Direitos para elas e de casas-abrigo é menor em cidades mineiras se comparado tanto com as taxas nacionais como da região Sudeste. A defasagem dessa rede de proteção à violência doméstica no Estado pode ser auferida na Pesquisa de Informações Básicas Municipais e Estaduais, publicada no mês passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). De acordo com o levantamento, por exemplo, apenas 18,8% das cidades mineiras possuem Conselho de Direito da Mulher. Na região Sudeste, o índice sobe para 22,1%. Nacionalmente, 23,6% dos municípios têm o órgão.

Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da UFMG (Nepem), Luciana Andrade lembra que é preciso cautela ao observar essa ampliação do número de casos de feminicídios. “A tipificação penal é muito recente, se deu em 2015. Nos anos seguintes, os tribunais começam a usar essa qualificação de maneira mais eficiente. Portanto, não significa, necessariamente, que há um aumento de ocorrências. O que há é um registro mais qualificado para esse tipo de crime”, diz.

Ex-integrante do Conselho Estadual da Mulher, Luciana não deixa de observar razões que possam ser plano de fundo para um eventual aumento real do número de feminicídios. “A nível federal, a gente teve uma ruptura da institucionalidade da política para mulheres, que deixa de ser um ministério, deixa de ocupar certa centralidade e, com isso, o Pacto Nacional de Enfrentamento e a Casa das Mulher Brasileira, por exemplo, são enfraquecidos”, cita.

Essa ruptura, analisa ela, teria efeito cascata, levando ao enfraquecimento de estruturas estaduais e municipais.

Pensando em Minas, “se a gente tivesse instituições políticas e recursos humanos capazes de impedir o ciclo de violência, seria possível prevenir feminicídios”, diz. A pesquisadora lembra que, apesar de o Estado possui 853 municípios, a maior parte dos serviços estão concentrados na capital. “Assim como em todos os Estados do país, em Minas estamos percebendo uma interiorização dessas violências. E, no interior, as mulheres, muitas vezes, não encontram essa estrutura de apoio, de acolhimento e de socorro”.

Para pesquisadora, capacitação é saída

A pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da UFMG (Nepem), Luciana Andrade, lamenta a atual situação de desamparo à mulher e lembra que o Estado foi um dos primeiros a implantar delegacia especializada para elas, além de conselhos.

Diante da dificuldade de se instalar casas-abrigo e unidades especializadas em todas as cidades mineiras, ela sugere um atendimento centralizado em microrregiões. Luciana também defende que “a capacitação das delegacias comuns para fazer esse atendimento humanizado e para acolher as vítimas é de suma importância”.

Em nota, a Secretaria de Estado da Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp) informou que planeja uma ação nesse sentido, voltada inicialmente para “500 profissionais homens da segurança, entre policiais civis e militares, que trabalham com a temática violência contra a mulher”. O processo, segundo a pasta, contará com o apoio de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais.

Governo de MG cria núcleo especializado

A Secretaria de Estado da Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp) garantiu que “as forças de segurança trabalham em diversas frentes para prevenir e enfrentar a violência contra a mulher”.

Como exemplo de esforço nesse sentido, a pasta cita a criação, em março deste ano, do Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios, que tem objetivo de “dar mais agilidade e eficiência às investigações de crimes de feminicídio”. No Estado há 73 Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deams), unidades da Polícia Civil de Minas Gerais.