Um mês depois da entrada em vigor da sobretaxa de 50% imposta pelos Estados Unidos – completado no sábado (6/9) – as exportações brasileiras já sofrem os impactos da medida. Em agosto, as vendas do Brasil para os EUA tiveram uma queda de 18,5% na comparação com mesmo período do ano passado, segundo dados da balança comercial divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento, Comércio, Indústria e Serviços (MDIC). Em Minas Gerais, as medidas impostas pelo presidente Donald Trump afetam vários setores da indústria e do agronegócio, que se articulam internamente para reduzir custos da operação – com a negociação de taxas e tributos federais – enquanto prospectam novos clientes no mercado externo.

A cafeicultura é um dos segmentos econômicos diretamente afetados pelo tarifaço norte-americano no estado. Dados preliminares do Conselho de Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) indicam um recuo de 50% da exportação do produto brasileiro para os Estados Unidos em agosto, em comparação com o mesmo período de 2024, com a exportação de 300 mil sacas de café contra mais de 560 mil no oitavo mês de 2025, ou seja, 260 mil sacas a menos.

“O Cecafé não trabalha com dados segmentados por unidade da Federação, mas é possível comentar que o tarifaço impacta os estados exportadores e, principalmente, Minas Gerais, que é o maior produtor e exportador de cafés do Brasil”, afirma o presidente do Conselho, Marcos Matos. “Após 6 de agosto, com a entrada em vigência do tarifaço de 50% sobre os cafés do Brasil a serem importados pelos EUA, as negociações das empresas norte-americanas entraram em compasso de espera, não realizando novos negócios com os exportadores brasileiros e solicitando suspensão ou adiamento dos contratos que envolviam cafés a serem embarcados do dia 7 em diante”, relata Matos.

De acordo com o presidente do Cecafé, ainda não é possível mensurar os prejuízos financeiros decorrentes do baque nas exportações do segmento para os Estados Unidos. Ele ressalta, entretanto, que as consequências negativas atingem toda a cadeia produtiva. “A redução das exportações de café do Brasil para os EUA impacta exportadores e, também, os produtores, uma vez que o Brasil é o país que repassa o maior índice de preço Free on Board -FOB (valor da mercadoria no embarque) aos cafeicultores, a níveis superiores a 90% nas últimas safras. Ou seja, com menos café exportado, menos receita cambial entra no país e, consequentemente, os produtores recebem menos divisas”, explica.

Ainda segundo Marcos Matos, o Cecafé vem fazendo gestões para amenizar os efeitos negativos do tarifaço nas exportações de café. Entre essas gestões ele cita a que resultou em mudança na cobrança do PIS/Cofins. Diante do anúncio de que a Receita Federal foi autorizada a fazer diferimento (adiamento) de cobrança de impostos para as empresas mais afetadas pelas sanções, o Conselho apresentou pleito de mudança no crédito presumido desses tributos, explica.

Isso gera “fundamental elevação no valor da alíquota do crédito presumido do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) até dezembro de 2026, conforme Reforma Tributária aprovada”, detalha. “A entidade propôs um aumento do crédito presumido em 50% para os cafés verdes até dezembro de 2026, uma vez que a Reforma Tributária entrará em vigor no mês seguinte e não onerará a comercialização dos cafés arábica, conilon e robusta in natura a partir de então”, completa Matos.

O presidente do Cecafé esclarece que a medida foi adotada por meio de alteração proposta pelo Conselho no Artigo 5º da Lei nº 12.599/2012 – por meio de emenda apresentada pelo deputado federal Evair de Melo (PP – ES) –, “aumentando os percentuais de crédito presumido de PIS/COFINS sobre a receita de exportação de percentual correspondente a 50%, até 31 de dezembro de 2026, e a garantia efetiva e imediata de ressarcimento em “pecúnia”, como alternativa paliativa ao setor, visando atenuar os efeitos do tarifaço e o futuro impacto da Reforma Tributária”.

De olho nos emergentes
Matos salienta que lideranças do setor vêm desenvolvendo gestões nos Estados Unidos no sentido de retirar o café da lista dos produtos brasileiros sobretaxados. O segmento ainda intensifica os esforços para ampliar a lista de compradores internacionais, “A busca por novos mercados é uma constante do segmento exportador de café do Brasil, aumentando a representatividade em mercados consolidados, bem como explorando novos e emergentes mercados, como Índia e China”, diz o presidente do Cecafé. 

“Contudo, isso demanda tempo, e não podemos relativizar a importância dos EUA como nossos principais parceiros, com suas mais de 8 milhões de sacas importadas”, observa Matos. A China, exemplifica, comprou seu recorde de café do Brasil em 2023, com 1,5 milhão de sacas. Contudo, em 2024, quando o Brasil exportou volume recorde de café, os chineses importaram menos, 1 milhão de sacas.

Frigoríficos
O tarifaço americano para as exportações brasileiras afeta também frigoríficos. No caso da carne bovina, como o período atual é de entressafra, o excedente está sendo absorvido no mercado interno. Porém, os efeitos da sobretaxa nas exportações já são sentidos em subprodutos do segmento, especialmente o couro bovino, com reflexos também em Minas Gerais – o estado tem o quarto maior rebanho bovino do país.

De acordo com o presidente da Associação dos Frigoríficos de Minas Gerais, Espírito Santo e do Distrito Federal (Afrig), Sílvio Silveira, a tarifa de 50% inviabilizou a exportação de couro bovino para os EUA, o principal mercado comprador do produto brasileiro. Também o setor calçadista, que tinha um grande comércio com os EUA foi atingido e, com isso, a aquisição do couro bovino no mercado interno terminou afetada, completa. “Hoje, o couro bovino, que já respondeu por cerca de 12% do faturamento dos frigoríficos, não cobre o seu custo”, afirma Silveira.

Também o segmento busca novos mercados para arrefecer o baque. “Temos acompanhado as ações desenvolvidas pelo Ministério da Agricultura na busca de novas parcerias comerciais”, afirma Silveira. Segundo ele, a maioria dos frigoríficos exportadores de Minas Gerais já está redirecionando seus produtos para outros mercados. “O maior deles é a China. Porém, temos aumentado as vendas também para o Chile, o Egito alguns países da União Europeia”, cita.

Em outra frente, a Afrig e o Sindicato das Indústrias de Carnes, Derivados e de Frios de Minas Gerais (Sinduscarne) solicitaram ao governo de Minas a retirada de juros e multas incidentes em processos administrativos e judiciais da categoria e o fim da cobrança de algumas taxas de inspeção que não são cobradas por outras instâncias nem em muitos dos outros estados. 

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Ampliação da pauta
A Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (FAEMG) entende que a “diplomacia é o caminho” para solucionar a questão do tarifaço norte-americano, que tem efeitos em “cadeias como carnes, café, frutas, açúcar, etanol, mel e peixes, gerando riscos de queda de preços no mercado interno, dificuldades logísticas e de contratos, além do encarecimento de insumos”. Por meio de nota, a entidade informou que trabalha em parceria com o governo do estado, o Sistema Ocemg (Organização das Cooperativas de Minas Gerais) e outras instituições para propor medidas como compras governamentais, uso de créditos tributários, linhas de crédito acessíveis e apoio logístico” e reforça a necessidade de “ampliar e diversificar a pauta exportadora, com diálogo e colaboração entre setor público e privado para garantir segurança alimentar, emprego e desenvolvimento”.

Comitiva de empresários tropeça na política nos EUA
Liderados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), representantes de empresas exportadoras brasileiras participaram, na semana passada, em Washington, de tratativas com parceiros comerciais e com o governo norte-ameriano para tentar reduzir as tarifas adicionais sobre as exportações brasileiras, imposta pelo governo Donald Trump, em vigor desde 6 de agosto. Mas a missão esbarrou no aspecto político do tarifaço, do qual Trump continua a não abrir mão, aponta o especialista mineiro e integrante da comitiva, Welber Olivieira Barral, que não espera uma solução rápida para a questão, mas acredita que também os EUA têm a perder, especialmente no aspecto inflacionário.

Integrada por empresários, especialistas e dirigentes das entidades industriais de Minas Gerais (Fiemg), Santa Catarina (Fiesc), Paraná (Fiep), Paraíba (Fiepb), Rio de Janeiro (Firjan), Rio Grande do Norte (Fiern) e São Paulo (Fiesp), a comitiva foi aos Estados Unidos participou de negociações no âmbito da chamada Seção 301 do Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), a CNI apresentou ao Departamento do Comércio dos Estados Unidos temas que abrem possibilidade de parcerias entre empresários brasileiros e os americanos. O presidente da entidade, Ricardo Alban, afirma que sugeriu aos integrantes do governo Donald Trump que é possível discutir negócios conjuntos em relação a data-centers, minerais críticos e etanol.

A estratégia foi a de ser propositivo para mostrar aos EUA que o Brasil teria o que oferecer num eventual acordo pela redução das tarifas de 50% impostas a produtos brasileiros. Assim como o especialista mineiro, o empresário frisou, porém, que o recado do governo americano foi claro de que a negociação a respeito das sobretaxas passa pela questão política, ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e decisões do STF mirando empresas de tecnologia. 

“Nós temos capacidade de ser o principal fornecedor desse insumo, que são os data centers, é um ganha-ganha”, afirmou. Alban acredita ser possível conversar também sobre o desenvolvimento de tecnologias para explorar as terras raras e negociar questões ligadas ao etanol. O presidente da CNI disse que os americanos se mostraram entusiasmados com o que ouviram. “Eles querem que sejamos propositivos e arrojados. Saio (dos EUA) com uma confiança realista. Sabendo que há um impasse devido a questões políticas, mas (que a conversa) está em movimento”, avaliou, em entrevista à Folhapress.

Ex-secretário de Secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no primeiro do governo Lula (2007-2011), mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutor em direito internacional pela Universidade de São Paulo (USP), o mineiro Welber Barral falou à reportagem do Estado de Minas, da capital americana, na tarde de sexta-feira. E também avaliou que a questão política é o maior empecilho nas tratativas. 

“O grande problema da negociação é que o governo americano está envolvendo questões políticas que o governo brasileiro não pode nem negociar, (que são) decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Então, isso aí deve atrasar as negociações. Imagino que elas vão levar ainda alguns meses”, afirma Barral, que representa nas conversas entidades de diferentes segmentos econômicos como madeira, móveis, celular e etanol.

O especialista em direito internacional e comércio exterior salienta que, ao aplicar o tarifaço nas exportações brasileiras, os Estados Unidos retiraram das medidas em torno de 700 produtos, incluindo o suco de laranja, por exemplo. “Mas, não tiraram o café. Então, o café foi muito afetado, pois os Estados Unidos são o principal importador do Brasil. E o Brasil é o principal fornecedor dos Estados Unidos. É um produto que vai ter muito efeito, tanto no preço quanto na oferta no Brasil. Mas, vai ter efeito com inflação para os americanos também” avalia Welber Barral.

Ele avaliou os impactos do tarifaço americano nas exportações em diversos produtos brasileiros. “No caso do aço é diferente, pois, desde 2017 havia sido aplicada a tarifa adicional de 10%, que aumentou depois para 25% e agora para 50%. Mas a produção já é quase toda direcionada ao mercado interno”, descreve.

“No caso de carne, também se aplicou a tarifa de 50%. Mas carne brasileira é de alto padrão nos Estados Unidos e tinha uma tarifa de 25%. Então, na realidade, ficou 75%. Isso no momento que os EUA diminuíram a produção interna de carne. Na prática, você vai ter um efeito inflacionário também com relação a isso nos Estados Unidos”, observa.

Welber Barral considera que o “efeito global” do tarifaço americano na economia brasileira “não é muito grande”, influenciando em torno de 0,2% a 0,35% no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). “Então o problema não é o impacto no crescimento no Brasil como um todo, mas o efeito sobre algumas indústrias especiais e importantes, que são dependentes do mercado americano”, avalia o especialista em comércio exterior. (Com Folhapress) 

“O problema não é o impacto no crescimento no Brasil como um todo, mas o efeito sobre algumas indústrias especiais e importantes, que são dependentes do mercado americano”

Walber Oliveira Barral - Especialista em direito internacional
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Prejuízos em Minas
Se mantido por prazo de um a dois anos, o tarifaço do governo Trump sobre as exportações brasileiras poderá provocar prejuízo de R$ 4,7 bilhões para Minas Gerais. A longo prazo, as perdas podem saltar para R$ 15,8 bilhões, prevê estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Segundo a entidade, uma “ampla gama de bens industriais” produzidos em Minas voltados para a exportação estão sendo afetados.  Na lista, desde derivados de couro, papel, madeira, vidro, plástico, borracha e cerâmica a veículos pesados e máquinas, passando também por equipamentos elétricos, eletrônicos, suprimentos médicos, eletrodomésticos e produtos químicos, aponta a Fiemg. “No que se refere ao emprego, as estimativas indicam que a economia mineira poderá perder mais de 30 mil postos de trabalho no curto prazo e mais de 170 mil no longo prazo”, prevê a entidade.