CONDIÇÕES PRECÁRIAS


De restaurante em restaurante sobrevivem aqueles que se tornaram ainda mais essenciais em tempos de pandemia do coronavírus: os entregadores. Nas motos ou nas bicicletas, a garantia da manutenção de centenas de empregos diante das restrições de funcionamento dos estabelecimentos. E, junto com isso, também ganharam destaque as condições degradantes de trabalho desses profissionais.


Todos os dias, Vanessa Barbosa, 27, que atua há quatro anos nas plataformas de delivery, trabalha pelo menos 12 horas por dia para garantir o mínimo necessário para o seu sustento. “Muita gente não folga nunca”, conta. Para a entregadora, um dos grandes motivos para a jornada excessiva é a baixa remuneração. “Ontem mesmo eu comecei às 8h e só terminei o expediente após a meia-noite. Só consegui ir ao banheiro duas vezes, já que muitas vezes não temos acesso nos restaurantes e acabamos tendo até que fazer as necessidades na rua”, acrescenta.

Um levantamento realizado pelo site de pesquisas Mercado Mineiro provou que essa é uma realidade da categoria em Belo Horizonte. Entre 2020 e 2016, o preço médio das entregas caiu de R$ 18,35 para R$ 16,85, uma queda de mais de 8%. Para coletar os dados, foi realizada uma cotação padrão de uma entrega um envelope entre a avenida Raja Gabaglia, na região Centro-Sul, e a praça Sete, no hipercentro.

Já o valor do frete teve um leve aumento de 4% no período, passando de R$ 15,43 para R$ 16,05. Conforme a pesquisa, ainda é encontrada uma variação de até 250% nos valores cobrados pelos entregadores, com preços entre R$ 10 e R$ 35, além de fretes entre R$ 9,90 e R$ 35 pelo deslocamento. “Na semana passada, os entregadores e motoboys cruzaram os braços por um dia justamente para alertar a toda a sociedade sobre a forma que estão sendo explorados”, lembra o coordenador do Mercado Mineiro, Feliciano Abreu.

Custos mais elevados

Os dados apontaram ainda que, enquanto a remuneração caiu nos últimos quatro anos, os gastos dos entregadores para trabalhar só cresceram. É o caso da gasolina, cujo preço médio do litro saltou de R$ 3,57 para R$ 4,06 no período, uma alta de 13,5%. “Fora outros custos, como impostos, manutenção da moto, além disso os custos pessoais de alimentação do profissional. Isso que eles têm questionado, os valores pagos, e com razão”, resume Abreu.

Para a entidade, a queda do preço médio é consequência, principalmente, da maior concorrência entre a categoria e da presença dos aplicativos de entrega no mercado. “Um detalhe interessante também, que fizemos uma rápida pesquisa nos aplicativos de alimentação, entrega, e encontramos valores de R$ 3,99 até R$ 12,99, então bem abaixo inclusive do preço médio, que é R$ 16,85”, cita o coordenador. O levantamento foi realizado entre os dias 2 e 3 de julho.

Riscos diários

Há pouco mais de um mês, o motoboy João Pedro Alif, 19, sofreu um grave acidente próximo ao bairro Buritis, na região Oeste de Belo Horizonte, durante uma entrega. Parado em um cruzamento da avenida Mário Werneck, um carro desgovernado atingiu a motocicleta, que teve perda total – ele foi parar embaixo do veículo.

“Por pouco eu não morri, o carro passou por cima de mim e da moto. O risco de acidentes é muito grande, poucas pessoas respeitam os motociclistas no trânsito. Estou parado até hoje e não tive absolutamente nenhum auxílio da plataforma, nem uma resposta do robô automático. E fora os bloqueios, que sempre acontecem. Na última vez, isso aconteceu por conta de um atraso de sete minutos para começar o expediente”, comenta.

Para João Pedro, o levantamento também traz uma dura realidade de toda a categoria: a menor remuneração. “Quem não trabalha pelo menos 12 horas por dia não consegue tirar o mínimo para sobreviver. Os preços estão muito baixos e, mesmo quando faço entrega para empresas, eles sempre pedem descontos, comparam os valores com os aplicativos”, frisa.

Nova mobilização nacional

Diante da falta de diálogo com as empresas de aplicativo e do não atendimento às demandas da categoria, mesmo com a greve realizada no dia 1º de julho, os entregadores prometem uma nova mobilização na próxima semana. Conforme o motoboy Ruan Ligi, 26, que está na profissão há nove anos, foi encaminhado um ofício à prefeitura municipal sobre as condições precárias e também enviado um protocolo ao Ministério do Trabalho.

“Não temos nenhuma segurança. Em relação à moto, os custos de manutenção são altos, já que rodamos muito, e sempre sobem. Isso é uma das coisas que mais pesam, fora o excesso de trabalho. Como não tivemos nenhum retorno dos aplicativos sobre as questões reivindicadas, vamos parar novamente”, resume.

Em nota, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), entidade que representa as principais empresas de aplicativo, como Uber Eats, 99 e iFood, informou que as plataformas implementaram, no contexto da Covid-19, “diversas ações de apoio aos entregadores parceiros, como a distribuição gratuita ou reembolso da compra de materiais de higiene e limpeza, como máscara, álcool em gel e desinfetante, e a criação de fundos para o pagamento de auxílio financeiro para entregadores diagnosticados com Covid-19 ou em grupos de risco”.

Ainda conforme a associação, todos os parceiros estão cobertos com um seguro contra acidentes pessoas durante as entregas. A entidade ressaltou que a “flexibilidade dos aplicativos foi essencial para que centenas de milhares de pessoas, entre entregadores, restaurantes, comerciantes e microempresas, tivessem uma alternativa para gerar renda e apoiar o sustento de suas famílias”. 

A pesquisa

Valor da taxa de entrega
Mínimo: R$ 10
Máximo: R$ 35
Variação de 250%

Valor do frete
Mínimo: R$ 9,90
Máximo: R$ 35
Variação de 253,54%

Preço médio
Julho de 2016: R$ 18,35
Julho de 2020: R$ 16,85
Queda de 8,17%