CAMPO DAS VERTENTES

O autoextermínio da escrivã da Polícia Civil de Minas Gerais, Rafaela Drummond, de 32 anos, tem gerado uma onda de denúncias de abusos sofridos por profissionais da segurança pública. Dessa vez, uma ex-policial militar, lotada em Barbacena, no Campo das Vertentes, publicou um vídeo-denúncia em que conta ter sofrido assédio moral e sexual dentro da profissão. “Quando eu comecei a falar não, comecei a ser prejudicada”, diz. 

De acordo com o relato da ex-PM Bruna Celle, ela recebeu diversas “investidas” de militares com quem trabalhava e, ao não retribuir o interesse, virou alvo de ataques e processos administrativos. “Transformaram o meu sonho em pesadelo. O fato de eu ter chegado solteira no pelotão criou expectativa, mas eu não queria me envolver com ninguém. Meu foco era minha filha e meu trabalho”, conta. “Eu não cedi de forma alguma, mas foram chegando mais e mais problemas”, desabafa. 

Início da punição: escalas irregulares 

Bruna conta que, primeiro, teve sua escala de trabalho afetada. “É a chamada punição velada. Eu morava longe do trabalho, eram 5 horas de deslocamento, então me colocavam em escalas que eu não conseguia passar em casa, em horários irregulares e até em ‘escalas especiais’”. A ex-PM, por ter sido melhor classificada na seleção, deveria ter um horário de trabalho mais flexível. “Eu deixei claro que o meu ponto fraco era o tempo para ver minha filha. Eu trabalhava mais que todos os outros”, denuncia. 

De “sapatão” a “insubordinada” 

Segundo a ex-PM, os outros colegas a incentivaram a ceder às propostas de quem ela chama de assediador. “Eles brincavam comigo: ‘é fácil conseguir mudar (a escala), você sabe como que faz’. Fui chamada de sapatão, porque não cedia às investidas”, denuncia.

Além disso, assim que passou a receber processos administrativos, segundo ela, injustos, ganhou fama de “insubordinada”. “Começaram a me chamar assim, sendo que eu sempre fui muito disciplinada. Chegava na hora, nunca tive nenhum problema”. 

Ataque de assédio sexual 

Em seu depoimento, enquanto cita os motivos para ter largado a profissão, Bruna diz ter sofrido um ataque no momento em que cumpria um plantão na área administrativa do Pelotão que trabalhava. “Você ser escalada para a área administrativa, pensar que todos já foram embora, e sair um louco do banheiro para tentar te agarrar… eu fiquei com medo de reagir e fazer alguma besteira”, relata. 

“Trabalhar com uma pessoa dando em cima, dando cantada, me menosprezando por ser mulher, sendo que eu passei no concurso porque sou capaz. Decidir sair foi a melhor coisa que eu fiz”, desabafa. 

Quando a punição piorou: processos administrativos 

A ex-PM Bruna Celle denuncia, ainda, que passou a ser alvo de processos administrativos, segundo ela, injustos. “Recebia comunicações disciplinares, fui alvo de 15 processos administrativos em quase sete anos de trabalho. Alguns policiais se reformam sem nenhum. Estava claro que era perseguição”. 

Medo de perseguição 

Celle diz que passou a ter medo do que o ‘assediador’ poderia fazer. “Tinha medo que o assediador me causasse um crime. No início, ele é ‘cordeirinho bonzinho’, depois que as investidas não dão certo, começa a querer te prejudicar a qualquer custo”, desabafa. 

Saúde mental abalada 

A ex-PM faz algumas pausas durante o vídeo, dizendo ser difícil manter o relato. Em um momento, aparece chorando. Celle conta que teve a saúde mental abalada pela forma como era tratada na profissão, com alguns reflexos no físico, como doenças de pele. “Comecei a ter crise de pânico, não conseguia interagir com a minha filha. Ficava no quarto fechado, deitada, sem conseguir dormir, com o coração acelerado. Minha ‘luz’ foi apagando”, lembra. 

“A sensação é que você está gritando e ninguém te escuta”, define. Pelos problemas no Pelotão, a profissional de segurança iniciou tratamento com psicólogo e psiquiatra. “Tive que tomar remédio na veia, não tinha força para levantar da cama. Era depressão e eu não sabia”, continua. 

Falta de sigilo 

Uma outra denúncia de Bruna Celle em seu depoimento diz da falta de sigilo quando recebeu consulta psicológica com a Polícia Militar. “Procurei tratamento psicológico da polícia. Não houve sigilo do que eu disse na consulta, então comecei a ser mais punida ainda”, lembra. 

“Há vida fora disso”

Para concluir o seu vídeo-denúncia, a ex-PM motiva os colegas que também se sentem em situação de abuso na profissão a procurarem uma saída. “Existe vida aqui fora. Nada paga você ter o seu respeito, seu valor. Hoje eu olho para trás e vejo que foi bom que eu consegui sair ilesa de tudo isso. Tem muitas outras coisas para viver”.