O cenário austero que se projeta para a economia brasileira a partir da aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 – que estabelece, para o período de 20 anos, um teto para os gastos públicos – implicará o agravamento da desigualdade social no Brasil. É o que conclui estudo de economistas do Centro de Planejamento e Desenvolvimento Regional (Cedeplar) da UFMG, segundo o qual a medida prejudica a oferta de serviços públicos, ao impor a austeridade fiscal, via corte de gastos, como condição necessária e suficiente para a retomada do crescimento econômico.

“O uso de serviços públicos é muito mais significativo para as camadas de menor nível de renda da população. Isso porque as classes mais altas contratam serviços de educação e saúde privados”, comenta a professora Débora Freire, da Faculdade de Ciências Econômicas (Face). Segundo ela, os estudos empíricos sobre os impactos de episódios de austeridade fiscal ao redor do mundo indicam, em geral, que a redução da participação do Estado na economia tende a ampliar a desigualdade social.

Débora Freire é uma das autoras do estudo Austeridade fiscal no Brasil: Impactos na renda das famílias e na atividade econômica, publicado em forma de nota técnica no site do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada (Nemea), coordenado pelo professor Edson Domingues. O estudo é fruto da construção de um modelo de simulação desenvolvido na tese de doutorado de Débora e na dissertação de mestrado de Guilherme Silva Cardoso.

Ancorado em bancos de dados do IBGE, como o Sistema de Contas Nacionais (SCN) e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), o trabalho teve o objetivo de projetar e avaliar os efeitos de trajetórias austeras de gastos do governo para os próximos 20 anos.

Débora Freire explica que a política de austeridade atualmente empreendida no Brasil fundamenta-se na concepção de uma suposta relação positiva entre a redução dos gastos públicos e o crescimento econômico. Segundo essa visão, o corte de despesas melhoraria os indicadores de sustentabilidade da dívida pública e aumentaria a confiança dos agentes privados. Isso se traduziria na redução da taxa de juros e, consequentemente, no aumento do investimento privado – cenário definido pela literatura econômica como austeridade expansionista.

No entanto, Débora Freire afirma que não há garantias de que essa estratégia reaqueça a economia. “A literatura empírica internacional é ambígua quanto aos impactos da austeridade. Portanto, não há certeza a esse respeito”, argumenta.

Cenários
Os autores do estudo simularam dois cenários econômicos para projetar os reflexos de políticas de austeridade fiscal na atividade econômica e no nível de vida das famílias. No primeiro deles, considerou-se que os gastos públicos cresceriam em taxa inferior ao crescimento do PIB nos próximos 20 anos, de forma a reduzir a participação do governo na economia. Nesse contexto, a austeridade fiscal não é contrabalanceada por um incremento direto no investimento privado.

No segundo cenário, a menor participação do governo na economia é contrabalanceada por uma resposta incremental dos investimentos privados – hipótese em que estaria sendo efetivada a austeridade expansionista. “Ainda que o investimento privado responda de forma positiva e não deixe o PIB cair com o corte de gastos, a desigualdade vai se agravar, pois a estrutura produtiva da economia brasileira é concentradora, de forma que os beneficiados serão os estratos mais ricos da sociedade”, diz. Para atenuar essa tendência, ela defende, gastos sociais e políticas redistributivas são essenciais.

Segundo a economista, se o governo não conseguir cumprir o teto estipulado – o que vários especialistas em contas públicas dão como certo –, a situação das famílias de baixa renda se tornará ainda mais precária, com o acionamento de gatilhos como a defasagem do salário mínimo em relação à inflação e a possível desindexação de transferências, como a previdência e programas sociais.

Nota técnica: Austeridade fiscal no Brasil: impactos na renda das famílias e na atividade econômica
Autores: Guilherme Silva Cardoso, Débora Freire e Edson Paulo Domingues, do Cedeplar