Golpe aplicado há quase 10 anos desviou R$ 27 milhões de recursos do seguro-desemprego e abono salarial. Bando criava falsos vínculos trabalhistas para conseguir sacar benefícios
Dinheiro que deveria ajudar trabalhadores que ganham até dois salários mínimos desviado de maneira criminosa para bancar o luxo de uma quadrilha, como a construção de uma mansão na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Essa é uma das conclusões da Polícia Federal após revelar a existência de um esquema de fraudes no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em Minas Gerais, que ocorria desde 2009. O fundo, que é gerenciado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), é usado para pagamentos de benefícios como seguro-desemprego e abono salarial e teve cerca de R$ 27 milhões destinados para o abono de cerca de 28 mil pessoas com vínculos empregatícios falsos, 70% delas já falecidas.
Depois de conseguir burlar a burocracia do ministério, integrantes da quadrilha também usavam documentos falsos e conseguiam receber o Cartão do Cidadão, emitido pela Caixa Econômica Federal, para sacar os benefícios. Nove pessoas foram presas, duas estão foragidas e outras cinco são investigadas também pelos crimes de estelionato qualificado, uso de documento falso e formação de quadrilha, que podem levar os presos a condenações a até 14 anos de prisão, segundo a PF.
A investigação teve início na Delegacia de Montes Claros da Polícia Federal, coordenada pelo delegado Gilvan de Paula.
Segundo o policial, tudo começou com denúncias de empresas que informaram que seus dados na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) – documento entregue ao Ministério do Trabalho com informações sobre os trabalhadores fichados – estavam sendo fraudados. Esse era o primeiro passo do esquema golpista.
Os criminosos conseguiam enviar Rais falsas, que eram validadas pelo ministério, criando, segundo a PF, 28 mil vínculos empregatícios frios. O segundo passo era conseguir a emissão do Cartão do Cidadão, documento usado para o saque de benefícios na Caixa, como o abono salarial. O saque pode ser feito em terminais bancários da própria Caixa ou em casas lotéricas.
Outra situação chamou a atenção da PF: “Notamos que em apenas uma dessas casas lotéricas foram desbloqueados mais de 500 cartões, de uma forma suspeita. Foram vários cartões desbloqueados de maneira sequencial, um após o outro, como se houvesse uma fila de pessoas, todas com documentos falsos, pedindo o desbloqueio. Ou então esses cartões eram entregues ao pessoal da lotérica e eles faziam o procedimento”, afirma o delegado, destacando que os responsáveis pela loteria em questão são investigados.
OSTENTAÇÃO De posse dos cartões desbloqueados, restava a parte mais fácil, sacar o benefício do abono salarial, que era de um salário mínimo para cada um dos falsos vínculos de emprego gerados, totalizando cerca de R$ 27 milhões desviados. A Polícia Federal acredita que parte desse dinheiro foi destinada à aquisição de materiais de construção no valor de R$ 3 milhões, para construir uma mansão em Juatuba, na Grande BH, uma das cidades visitadas pela Operação XIV, em alusão ao benefício do abono salarial, que é considerado uma espécie de 14º salário.
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, além de Juatuba, a PF fez apreensões e prisões em Esmeraldas, Brumadinho, Contagem, Ribeirão das Neves e Santa Luzia. Em Belo Horizonte foram apreendidos em um único endereço 1,3 mil das 2,3 mil unidades do Cartão do Cidadão recolhidas pela operação em um hotel na Savassi, Centro-Sul da capital.
BRECHAS
Ele ainda disse que é possível que algum trabalhador não tenha recebido o abono de direito em benefício dos golpistas. “É possível que isso tenha ocorrido, mas aquela pessoa que foi lesada, que é o verdadeiro trabalhador que tem direito, vai poder recorrer. Quem tiver direito ao benefício não vai ser prejudicado”, afirma. Segundo a PF, 10.330 números do Programa de Integração Social (PIS), cadastro necessário para ter direito ao abono, foram bloqueados por determinação da Justiça, pois foram usados para viabilizar as fraudes.
Consultada pelo Estado de Minas, sobre a operação, o possível envolvimento de servidores e providências que teriam sido tomadas para evitar novas fraudes do tipo, a Caixa Econômica Federal informou que está atuando em com o Ministério do Trabalho e a Polícia Federal, prestando informações para auxiliar nas investigações. “Sempre que identificados indícios de irregularidade, são feitos cancelamentos dos cartões sociais, bloqueios das senhas e dos benefícios que ainda não foram sacados”, afirmou, em nota. A instituição acrescentou que monitora operações que envolvem pagamento de benefícios sociais, atuando na prevenção de fraudes. “Para solicitação do Cartão do Cidadão é necessária confirmação de dados cadastrais e para o cadastramento da senha é necessária apresentação de documento oficial de identificação, com foto”, sustentou. (Com Luiz Ribeiro)
Jovem agia como hacker
As investigações sobre a fraude se estenderam ao Norte de Minas, onde foram cumpridos mandados nos municípios de Itacarambi e Grão Mogol, e à Região Central do estado, em Corinto. Nesta última cidade, foi preso um rapaz de 19 anos suspeito de envolvimento com a quadrilha. Segundo o delegado Pedro Dias dos Santos, da PF em Montes Claros, o jovem foi cooptado pelos integrantes do bando devido aos seus conhecimentos sobre informática. Ainda conforme o delegado, o grupo criminoso aplicavam fraudes com o uso de empresas abertas em sete cidades do Norte mineiro: Brasília de Minas, Buenópolis, Januária, Jequitaí, Manga, Mirabela e Várzea da Palma.Abono salarial
O benefício que vinha sendo fraudado é um abono a que os trabalhadores brasileiros têm direito quando estão há mais de cinco anos cadastrados no Programa de Integração Social (PIS) e trabalharam com carteira assinada em alguma empresa no ano anterior ao vigente, com renda média de até dois salários mínimos por mês. O benefício vai até um salário mínimo.