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A
Lei Maria da Penha, que completou neste mês 13 anos de vigência, trouxe arcabouço legal de proteção para as
mulheres. No entanto, especialistas lembram que para que os
assassinatos e o quadro geral de violência se reduzam, é necessário mudar uma cultura que persiste, embora bastante contestada, de que a mulher é propriedade do homem. Os próprios dados do feminicídio demonstram o tamanho do desafio: apenas em Belo Horizonte, oito mulheres foram assassinadas entre janeiro e agosto deste ano por homens com quem haviam se relacionado, número que já ultrapassou a soma de todo o ano passado na capital, quando foram sete assassinatos.
“Os feminicídios ocorrem por uma série de fatores. O sentimento de posse, o machismo muito presente na sociedade... O homem se sente dono da mulher e age como se pensasse: 'Se não é minha, não vai ser de mais ninguém'”, afirma a promotora de Justiça Patrícia Habkouk. E completa: “A violência contra a mulher é antiga, fenômeno global, não vem de hoje. São mortes toleradas pela sociedade, coberta por costumes e tradições.”
A opinião sobre a importância de uma mudança cultural é compartilhada pela delegada responsável pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Carla Conceição. “Nossa sociedade machista guarda resquícios do patriarcado. Há muito o que se avançar nesse sentido”, afirma. Ela destaca a importância da Lei Maria da Penha, mas ressalta que é preciso mais. “A lei sozinha não vai fazer transformação. Mesmo com a lei, se mantivermos a cultura do machismo, não conseguimos avançar e ter resultados positivos”, diz.
Com o propósito de formar futuras gerações, ocorreram ontem ações educativas para lembrar o Dia de Combate ao Feminicídio. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, foi realizado ato em memória de Lílian Hermógnes da Silva, morta aos 44 anos, em um crime que, de acordo com as investigações, ocorreu a mando do ex-marido. Na ocasião, foi lançado o concurso de redação com o tema "A importância da educação na prevenção à violência contra a mulher e o feminicídio", promovido pelas secretarias de estado de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social e de Educação e pelo Ministério Público.
Em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ocorreu caminhada de conscientização em trajeto entre a sede da prefeitura e a sede da delegacia especializada, na Rua Luiza Augusta Guimarães, Bairro São Pedro. Somente no primeiro semestre foram solicitadas 128 medidas protetivas no município, com registro de 386 ocorrências de violência. A Deam e a Delegacia de Homicídios apuram cinco casos de feminicídio na cidade. “É o primeiro ano do Dia Estadual de Combate ao Feminicídio, por isso resolvemos marcar a caminhada para conscientizar a população em relação à questão da violência contra a mulher, sendo o feminicídio o último grau”, afirma a delegada.
Rede insuficiente
Um dos avanços da Lei Maria da Penha foi a instituição de uma rede de proteção à mulher. No entanto, a promotora Patrícia Habkouk lembra que é necessário avançar. “A estrutura da rede não é suficiente. Em Minas Gerais, são 853 municípios e temos delegacia da mulher e serviço especializado em menos de 10%, 63 deles. A representante do MP lembra ainda que muitas mulheres não denunciam a violência. “Um grande desafio, muitas vezes, é a mulher enxergar que está em situação de violência doméstica. Às vezes, está sob violência psicológica enorme, que não percebe.”
Para pedir apoio, a vítima de violência doméstica pode procurar a Delegacia Especializada de Atendimento à mulher ou as delegacias de homicídios, em cidades onde não há a especializada, para fazer o pedido de medida protetiva. Outro caminho é procurar os serviços especializados, os centros especializados de atendimento à mulher ou os centro de referência especializados de Assistência Social (Creas) e Centro de Referência de Assistência Social (Cras).
Mineiras na vanguarda
Os movimentos feministas reivindicam, ao longo da história, que os homicídios cometidos contra as mulheres sejam punidos como ato extremo de violência motivados pela questão de gênero. Uma mudança na compreensão da questão foi motivada pelo movimento Quem ama não mata, criado em agosto de 1980 em Belo Horizonte. Até então havia uma corrente que defendia o entendimento de que o homem poderia matar a mulher em defesa da própria honra. Jovens se indignaram contra o assassinato das mineiras Eloísa Ballesteros e Maria Regina Souza Rocha, por seus respectivos maridos e seu ato político que reuniu cerca de 400 pessoas na Igreja São José em plena ditadura militar se tornou divisor de águas na luta das mulheres.
Um das consequências dos atos foi a criação do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM). Para comemorar os 39 anos desse espaço será realizada na segunda-feira roda de conversa com a socióloga Celina Albano, que esteve engajada, desde o início, na criação da instituição. Celina teve participação expressiva na articulação de mulheres no Congresso Nacional, movimento que ficou conhecido como “lobby do batom”, e que resultou em importantes avanços no campo da igualdade de gênero na Constituição de 1988. A roda de conversa, que ocorrerá no Teatro da Cidade, abordará a atuação histórica do feminismo mineiro e brasileiro na década de 1980.
A socióloga e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Beth Fleury destaca que a atuação do Quem ama não mata foi fundamental para a mudança de uma compreensão amplamente aceita na sociedade brasileira, do assassinato em legítima defesa da honra. “A tese da livre defesa da honra deixava livres homens assassinos confessos”, diz. As ações do movimento influenciaram no julgamento de Doca Street pela morte de Ângela Diniz, socialite assassinada aos 32 anos, em Armação de Búzios, em 30 de dezembro de 1976.
Beth lembra que a tese foi derrotada naquele julgamento. A opinião pública da época foi mobilizada de forma a combater os crimes bárbaros contra as vidas das mulheres. A movimentação das feministas mineiras pautou as primeiras políticas públicas para a proteção à mulher e contribuiu para que, anos depois, fossem instituída a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio. “Em 1983, entregamos documento ao governador de Minas, Tancredo Neves, que, com Franco Montoro, em São Paulo, foram os primeiros a criar centros de defesa do direito da mulher”, recorda.
Porém, ainda hoje os movimentos se mantêm na luta para que homens que cometem feminicídio sejam punidos adequadamente.
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A
Lei Maria da Penha, que completou neste mês 13 anos de vigência, trouxe arcabouço legal de proteção para as
mulheres. No entanto, especialistas lembram que para que os
assassinatos e o quadro geral de violência se reduzam, é necessário mudar uma cultura que persiste, embora bastante contestada, de que a mulher é propriedade do homem. Os próprios dados do feminicídio demonstram o tamanho do desafio: apenas em Belo Horizonte, oito mulheres foram assassinadas entre janeiro e agosto deste ano por homens com quem haviam se relacionado, número que já ultrapassou a soma de todo o ano passado na capital, quando foram sete assassinatos.
“Os feminicídios ocorrem por uma série de fatores. O sentimento de posse, o machismo muito presente na sociedade... O homem se sente dono da mulher e age como se pensasse: 'Se não é minha, não vai ser de mais ninguém'”, afirma a promotora de Justiça Patrícia Habkouk. E completa: “A violência contra a mulher é antiga, fenômeno global, não vem de hoje. São mortes toleradas pela sociedade, coberta por costumes e tradições.”
A opinião sobre a importância de uma mudança cultural é compartilhada pela delegada responsável pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Carla Conceição. “Nossa sociedade machista guarda resquícios do patriarcado. Há muito o que se avançar nesse sentido”, afirma. Ela destaca a importância da Lei Maria da Penha, mas ressalta que é preciso mais. “A lei sozinha não vai fazer transformação. Mesmo com a lei, se mantivermos a cultura do machismo, não conseguimos avançar e ter resultados positivos”, diz.
Com o propósito de formar futuras gerações, ocorreram ontem ações educativas para lembrar o Dia de Combate ao Feminicídio. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, foi realizado ato em memória de Lílian Hermógnes da Silva, morta aos 44 anos, em um crime que, de acordo com as investigações, ocorreu a mando do ex-marido. Na ocasião, foi lançado o concurso de redação com o tema "A importância da educação na prevenção à violência contra a mulher e o feminicídio", promovido pelas secretarias de estado de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social e de Educação e pelo Ministério Público.
Em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ocorreu caminhada de conscientização em trajeto entre a sede da prefeitura e a sede da delegacia especializada, na Rua Luiza Augusta Guimarães, Bairro São Pedro. Somente no primeiro semestre foram solicitadas 128 medidas protetivas no município, com registro de 386 ocorrências de violência. A Deam e a Delegacia de Homicídios apuram cinco casos de feminicídio na cidade. “É o primeiro ano do Dia Estadual de Combate ao Feminicídio, por isso resolvemos marcar a caminhada para conscientizar a população em relação à questão da violência contra a mulher, sendo o feminicídio o último grau”, afirma a delegada.
Rede insuficiente
Um dos avanços da Lei Maria da Penha foi a instituição de uma rede de proteção à mulher. No entanto, a promotora Patrícia Habkouk lembra que é necessário avançar. “A estrutura da rede não é suficiente. Em Minas Gerais, são 853 municípios e temos delegacia da mulher e serviço especializado em menos de 10%, 63 deles. A representante do MP lembra ainda que muitas mulheres não denunciam a violência. “Um grande desafio, muitas vezes, é a mulher enxergar que está em situação de violência doméstica. Às vezes, está sob violência psicológica enorme, que não percebe.”Para pedir apoio, a vítima de violência doméstica pode procurar a Delegacia Especializada de Atendimento à mulher ou as delegacias de homicídios, em cidades onde não há a especializada, para fazer o pedido de medida protetiva. Outro caminho é procurar os serviços especializados, os centros especializados de atendimento à mulher ou os centro de referência especializados de Assistência Social (Creas) e Centro de Referência de Assistência Social (Cras).
Mineiras na vanguarda
Os movimentos feministas reivindicam, ao longo da história, que os homicídios cometidos contra as mulheres sejam punidos como ato extremo de violência motivados pela questão de gênero. Uma mudança na compreensão da questão foi motivada pelo movimento Quem ama não mata, criado em agosto de 1980 em Belo Horizonte. Até então havia uma corrente que defendia o entendimento de que o homem poderia matar a mulher em defesa da própria honra. Jovens se indignaram contra o assassinato das mineiras Eloísa Ballesteros e Maria Regina Souza Rocha, por seus respectivos maridos e seu ato político que reuniu cerca de 400 pessoas na Igreja São José em plena ditadura militar se tornou divisor de águas na luta das mulheres.
Um das consequências dos atos foi a criação do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM). Para comemorar os 39 anos desse espaço será realizada na segunda-feira roda de conversa com a socióloga Celina Albano, que esteve engajada, desde o início, na criação da instituição. Celina teve participação expressiva na articulação de mulheres no Congresso Nacional, movimento que ficou conhecido como “lobby do batom”, e que resultou em importantes avanços no campo da igualdade de gênero na Constituição de 1988. A roda de conversa, que ocorrerá no Teatro da Cidade, abordará a atuação histórica do feminismo mineiro e brasileiro na década de 1980.
A socióloga e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Beth Fleury destaca que a atuação do Quem ama não mata foi fundamental para a mudança de uma compreensão amplamente aceita na sociedade brasileira, do assassinato em legítima defesa da honra. “A tese da livre defesa da honra deixava livres homens assassinos confessos”, diz. As ações do movimento influenciaram no julgamento de Doca Street pela morte de Ângela Diniz, socialite assassinada aos 32 anos, em Armação de Búzios, em 30 de dezembro de 1976.
Beth lembra que a tese foi derrotada naquele julgamento. A opinião pública da época foi mobilizada de forma a combater os crimes bárbaros contra as vidas das mulheres. A movimentação das feministas mineiras pautou as primeiras políticas públicas para a proteção à mulher e contribuiu para que, anos depois, fossem instituída a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio. “Em 1983, entregamos documento ao governador de Minas, Tancredo Neves, que, com Franco Montoro, em São Paulo, foram os primeiros a criar centros de defesa do direito da mulher”, recorda.
Porém, ainda hoje os movimentos se mantêm na luta para que homens que cometem feminicídio sejam punidos adequadamente.