Atingidos por barragens de várias cidades mineiras compareceram à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta segunda-feira (16/9/19). Eles vieram apresentar novas denúncias ou reforçar demandas à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura o rompimento da barragem de Brumadinho na Câmara dos Deputados.

A reunião, a última da CPI antes da apresentação do relatório final, buscou, justamente, levantar pontos que possam ser acrescentados aos documentos já produzidos por CPIs do Senado, da ALMG e da Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, conforme destacou o deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG), que preside a comissão da Câmara.

“Nossa CPI, diferentemente das demais, tem como objetivo, além de apurar responsabilidades sobre o rompimento de Brumadinho, avaliar formas de reduzir os riscos de novas tragédias. Então temos representantes de várias comunidades”, frisou Júlio Delgado. Segundo ele, o objetivo é aprovar o relatório na primeira semana de outubro.

Moradores de Brumadinho, Nova Lima, Congonhas, Ouro Preto, Itabira, Itabirito, Juatuba, Barão de Cocais, Curvelo, Felixlândia, entre outras cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e da Região Central, lotaram diversos espaços da ALMG para acompanhar a audiência. Vários trouxeram uma demanda semelhante: a dificuldade de reparação para os atingidos de forma indireta.


Sem reparação – Embora não estejam na chamada área de mancha da barragem, essas pessoas perderam, por exemplo, o modo de vida, como a pesca ou o turismo, ou o acesso à água potável. Os que vivem ao longo do Rio Paraopeba, mesmo distante de Brumadinho, estão entre esses atingidos.

O relator da CPI da Câmara, deputado Rogério Correia (PT-MG), citou projeto já aprovado na Câmara e em análise no Senado que define quem são os atingidos e quais são os seus direitos. “Vamos recomendar ao Ministério Público que responsabilize a Vale pelos atingidos indiretamente, como os que perderam animais”, detalhou.

A audiência foi iniciada com um minuto de silêncio dedicado às 270 vítimas fatais de Brumadinho, 21 delas ainda não encontradas. A associação das vítimas trabalha com o número de 272 mortes, incluindo-se dois bebês “impedidos de nascer”, conforme frisou Carolina, da Comunidade da Jangada (Brumadinho).

Eliane Melo e Fernanda Almeida estavam grávidas e morreram na tragédia. Segundo Carolina, a Vale se recusa a reconhecer os fetos como vítimas alegando que não se pode garantir que eles nasceriam. “É a expressão do desprezo, do pedantismo e da busca do lucro que a Vale continua usando”, definiu Rogério Correia.


Depoimentos emocionados de parentes de vítimas que ainda não tiveram os corpos encontrados marcaram a reunião. Josiana Resende falou sobre a morte da irmã, Juliana, e do marido dela, Dennis. O casal deixou gêmeos de dez meses e Juliana segue desaparecida após quase oito meses da tragédia.

“As buscas devem ser mantidas para que a gente possa se despedir”, pediu Josiana. Chorando, o pai de Juliana, Geraldo, fez o mesmo apelo. “Alguém consegue imaginar a minha dor?”, perguntou. Andressa Rodrigues, que recebeu o corpo do único filho, Bruno, de 26 anos, somente após 105 dias de busca, pediu o reforço no indiciamento dos culpados. “A cadeia é lucro para eles, porque poderão receber os familiares”, comparou.

Justiça – Dos Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB) e pela Soberania Popular na Mineração (MAM), veio a denúncia de que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) está reformando decisões favoráveis às vítimas, inclusive desbloqueando recursos da Vale que forçariam o diálogo da empresa com os atingidos.

“Há uma influência da Vale no TJMG e na 12º Vara Federal em BH”, afirmou Joceli Andrioli, do MAB. “Há desembargadores e juízes que fazem verdadeira defesa da Vale”, completou Luís Paulo, do MAM. Ele cobrou o fim do automonitoramento das mineradoras e uma nova regulamentação para os trabalhadores da mineração.

A deputada estadual Andréia de Jesus (Psol) trouxe a denúncia de invasão, pela Vale, de terrenos particulares em Barão de Cocais. Segundo ela, o uso dos terrenos foi autorizado por liminar, sem consulta aos proprietários. “A empresa devastou área de proteção ambiental e, agora, abandonou a obra”, reforçou.

Representantes de comunidades que vivem ao longo do Rio Paraopeba relataram problemas. A índia Angahó, da etnia Naô Xohã, por exemplo, denunciou a falta de água e de escolas. “Estamos há dois meses sem ajuda emergencial e a Vale nos tirou o direito de fazer o ritual ao Deus da água”, frisou. 

Raul, de Macacos (Nova Lima), destacou que o turismo no local caiu 90%. O distrito está ameaçado por outra barragem e enfrenta vários problemas no cadastro de pessoas atingidas, justamente pela dificuldade de inclusão dos afetados que vivem fora da mancha.

Deputados garantem apuração de denúncias

Os deputados federais Vilson da Fetaemg (PSB-MG), Padre João (PT-MG) e Domingos Sávio (PSDB-MG) cobraram punições para o crime e destacaram que a empresa tinha conhecimento da instabilidade da barragem. “O dano indireto também tem que ser indenizado. Se a Vale não comprovar isso, tem que perder o direito de lavra em todo o País”, pontuou Domingos Sávio.

O deputado Virgílio Guimarães (PT) defendeu que os direitos de lavra sejam cassados pelo menos na região mineira conhecida como Quadrilátero Ferrífero, que tem patrimônio histórico, água e comunidades tradicionais.

A deputada Beatriz Cerqueira (PT) falou sobre a agenda da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, que tem várias ações previstas relativas ao tema das barragens. “Vamos solicitar que a Vale abra novamente o cadastro de atingidos em Macacos”, exemplificou.


O deputado André Quintão (PT), que foi o relator da CPI da ALMG, abordou o trabalho integrado com a comissão da Câmara e a “conduta criminosa” da Vale. “O plano de ação emergencial tinha rotas de fuga mais demoradas do que o tempo que a lama levaria para atingir o local”, disse.

Rogério Correia adiantou que o relatório da comissão federal deverá combinar com o da CPI da ALMG quanto à criação de uma instância permanente para acompanhar os desdobramentos da investigação. Essa foi uma das inovações da CPI da ALMG.

A CPI federal também deve reforçar o indiciamento de responsáveis na Vale e na empresa de auditoria Tüv Süd, entre outros. “Em nível federal temos outras discussões, como a possibilidade de um plebiscito sobre a reestatização da Vale ou a revisão do direito de lavra da companhia”, reforçou Rogério Correia. Também participaram da reunião o deputado federal Paulo Guedes (PT-MG) e o deputado estadual Professor Cleiton (DC).