CELEBRAÇÃO

Tudo aconteceu ao mesmo tempo, e nada foi por acaso. Não é mera coincidência ou obra do destino que, entre 1942 e 1943, tenham sido construídos, na região da Pampulha, o Museu de Arte da Pampulha (antigo Cassino), a Casa do Baile, o Santuário Arquidiocesano São Francisco de Assis da Pampulha, a famosa Igrejinha da Pampulha, e o Iate Tênis Clube, antigo Iate Golf Club, privatizado nos anos 1960.

Os quatro edifícios – e as obras de arte que há neles – e seus jardins, resultado do trabalho monumental do arquiteto Oscar Niemeyer, do paisagista Roberto Burle Marx e do pintor Candido Portinari, acabam se tornando uma só paisagem quando relacionados intencionalmente por um lago artificial e pela orla que contorna esse imenso espelho d’água.

O que ficou internacionalmente conhecido como Conjunto Moderno da Pampulha tem por trás a mente visionária de Juscelino Kubitschek, prefeito de Belo Horizonte de 1940 a 1945. Foi ele quem convidou Niemeyer e Burle Marx, dupla responsável pelos projetos arquitetônico e paisagístico da região pensada por JK para o lazer e o turismo, em consonância com grandes capitais e com a vocação moderna de BH.

“O JK, quando assumiu a prefeitura, foi visitar a lagoa da Pampulha, construída como uma represa, e entendeu a vocação da região para a atração turística, um grande polo turístico”, diz o arquiteto e urbanista Flávio Carsalade, professor da Escola de Arquitetura da UFMG.

Ex-secretário municipal de Administração da Regional Pampulha, entre 2004 e 2007, e ex-presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), de 1999 a 2002, Carsalade também é autor de um livro sobre a Pampulha que integra a série “BH. A Cidade de Cada Um”.

Ele pesquisa a história da região há décadas. “O JK chegou a fazer um concurso de arquitetura, e o vencedor foi um projeto careta, com um estilo muito ultrapassado. Buscando um arquiteto com visão moderna, ele foi apresentado a Oscar Niemeyer”, acrescenta Flávio Carsalade.

O sonho de JK, materializado por Niemeyer, Burle Marx, Portinari, Paulo Werneck, August Zamoyaski, Alfredo Ceschiatti e José Alves Pedrosa, cabeças de um grupo composto por intelectuais e artistas, virou realidade em 16 de maio de 1943, data da inauguração do que passou a ser conhecido como Conjunto Moderno da Pampulha.

Exatos 80 anos depois, o complexo arquitetônico e paisagístico será celebrado pela Prefeitura de BH em uma série de eventos (detalhes no fim da matéria), o primeiro deles já nesta terça-feira, no emblemático e histórico 16 de maio: a exposição “Lugar Imaginado, Lugar Vivido: 80 Anos da Casa do Baile”, que será aberta na Casa do Baile – Centro de Referência de Arquitetura, Urbanismo e Design.

Já nos anos seguintes à inauguração, o Conjunto Moderno da Pampulha deu outros ares àquela jovem Belo Horizonte, que ainda caminhava para seu cinquentenário. Ao longo de oito décadas, além de ser reconhecido com o tombamento por órgãos de preservação do patrimônio nas esferas municipal, estadual e federal – Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de BH, Iepha-MG e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – e ter alcançado, em julho de 2016, o título de Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, com o tombamento na categoria Paisagem Cultural, o conjunto transformou a conservadora sociedade belo-horizontina.

A modernização desejada por JK influenciou outros aspectos para além da arquitetura e das artes. “Há uma modernização da própria sociedade, que passou a adotar novos hábitos e se apropriou desse espaço de uma forma que até então não havia na cidade. A construção do Conjunto Moderno da Pampulha traz uma mudança social para além das questões históricas e artísticas”, sublinha a presidente da Fundação Municipal de Cultura, Luciana Féres. “Aquele conjunto de ações confere uma jovialidade e oxigena a sociedade conservadora da época”, comenta Flávio Carsalade.

Para a secretária municipal de Cultura de BH, Eliane Parreiras, o Conjunto Moderno da Pampulha é a síntese do “pensamento contemporâneo de um futuro que estava por vir” de JK e dos artistas envolvidos na criação desse marco para a capital mineira. Ela diz que, passados 80 anos de sua inauguração, o conjunto mantém um característico frescor das novidades que, alheias à passagem do tempo, jamais envelhecem.

“É muito bonito ver o impacto dele para a cidade, como BH se desenvolve a partir daquele momento. É tudo muito simbólico. Celebrar esse aniversário é dizer do valor arquitetônico, da beleza estética, mas também do impacto para a nossa identidade cultural. Nossa identidade como cidade é completamente influenciada por esse momento, do qual a Pampulha é protagonista”, afirma Eliane Parreiras.  

Agenda cultural celebra os 80 anos do Conjunto Moderno da Pampulha 

Com uma extensa e gratuita programação estruturada em cinco eixos principais – Exposições e Mostras, Programação Artística, Reflexão e Formação, Educação Patrimonial e Promoção –, o octogenário Conjunto Moderno da Pampulha será festejado em desfile de moda, debates, publicações, eventos de difusão turística e de educação patrimonial, espetáculos musicais, teatrais e de dança, performances, intervenções, mostras de cinema e exposições de artes visuais. Todos os detalhes estão no site portalbelohorizonte.com.br/pampulha.  

A agenda comemorativa será realizada ao longo dos próximos 12 meses nos espaços do conjunto – Museu de Arte da Pampulha, Igrejinha, Iate Tênis Clube, Museu Casa Kubitschek e Casa do Baile – nos espaços públicos da região da Pampulha, em instituições parcerias, como o Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte (MIS-BH), o Museu da Moda (Mumo), a Casa Fiat de Cultura e o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-BH), e será encerrada em maio de 2024, cumprindo um ano de celebrações. 

A programação terá início nesta terça-feira (16), quando se completam exatos 80 anos da inauguração do Conjunto Moderno da Pampulha. Às 17h, na Casa do Baile, requalificada com a troca de carpetes, das poltronas e novos equipamentos de projeção para receber os eventos relativos aos 80 anos do conjunto, será aberta a exposição “Lugar Imaginado, Lugar Vivido: 80 Anos da Casa do Baile”, que faz, no formato audiovisual, uma retrospectiva da história da Casa desde a inauguração como restaurante dançante até a atual função como centro de referência de arquitetura, urbanismo e design.  

A mostra, com curadoria de Guilherme Wisnik e Marina Frúgoli, ainda conta com obras de artistas contemporâneos que dialogam com a própria arquitetura da Casa do Baile e da paisagem da lagoa da Pampulha. Em julho, no dia 14, o programa “Noturno nos Museus” reunirá mais de 30 museus em suas atividades, incluindo um roteiro na Pampulha.

“Há alguns marcos importantes que não vamos nos esquecer, como os sete anos do reconhecimento como Patrimônio da Humanidade, em julho, e, em setembro, os 10 anos do Museu Casa Kubitschek e o aniversário de JK. Em 2024, teremos desdobramentos dessa programação, como documentários, publicações e outros produtos resultantes dessa agenda”, explica a secretária municipal de Cultura, Eliane Parreiras.

“A cidade conhece pouco a Pampulha, mas está cada vez mais consciente sobre a importância dela. É fundamental que eventos comemorativos como este, que reforçam essa importância, sejam realizados de quando em quando, principalmente em anos redondos”, afirma o arquiteto e urbanista Flávio Carsalade, professor da Escola de Arquitetura da UFMG e ex-presidente do Iepha-MG. Carsalade participará de alguns eventos previstos na programação.

Para Eliane Parreiras, o calendário dos 80 anos do Conjunto da Pampulha foi planejado com a ideia de registrar, resgatar e fortalecer a relação das pessoas com a região e sua paisagem cultural: “Precisamos falar desse patrimônio vivo se relacionando com a cidade, com o território, com as pessoas que ali habitam. E são assuntos intersetoriais, porque não falamos só de patrimônio histórico e cultural, mas também de mobilidade, meio ambiente e toda uma relação urbanística”.