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Casos de captações inadimplentes como o do município se ampliam, e deixaram os comitês de bacia hidrográfica mineiros perigosamente sem recursos para programas que beneficiam os corpos d'água e os próprios usuários dos recursos hídricos. Dos R$ 159.794.310,64 devidos aos órgãos de proteção de bacias e a projetos por eles indicados em 2024, R$ 70.222.543,42 não foram honrados até o momento, o que representa uma inadimplência de 43,95%, ameaçando até o próprio funcionamento das entidades.
É o que mostra levantamento feito pela equipe de reportagem do Estado de Minas junto ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). São dados que mostram que casos como os de captações municipais de água não pagas por cidades que ainda poluem os mananciais com esgoto ocorrem também em outros locais, como em Caeté, na Grande BH.
O número total de inadimplentes com a cobrança pelo uso da água chega a 29.050 usuários em Minas. A Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas tem o maior valor em débitos, ao mesmo tempo que concentra a maior população, de 4.406.190 habitantes em 51 municípios de sua área de influência.
O manancial fornece água que depois de tratada é distribuída para cerca de 45% da população da Grande Belo Horizonte. Mas, dos R$ 20.041.636,28 que a bacia deveria receber de seus maiores consumidores, R$ 9.574.634,89 (47,77%) ainda não foram pagos por 2.613 inadimplentes.
Os principais devedores
Na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas o próprio setor de saneamento tem inadimplência de R$ 3.741.602,34, o da indústria responde por R$ 985.897,99, as atividades rurais devem R$ 598.905,70, enquanto outras atividades diversas acumulam o principal das dívidas, somando R$ 4.248.228,86. De forma geral, em Minas Gerais, os setores que representam os maiores valores de inadimplência são as atividades rurais, com 30,57%, o saneamento (27,89%), a indústria (15,63%), a mineração (1,17%) e áreas diversas (24,70%).
A bacia hidrográfica com o maior percentual de inadimplentes é a dos Afluentes Mineiros do Médio Rio São Francisco, chegando a 91,65% de devedores. Dos R$ R$ 1.121.365,90 que deveriam ser arrecadados pelo uso dos recursos hídricos de rios como o Acari, Pardo, Pandeiros, Itacarambi, Cochá e Carinhanha, apenas R$ 93.693,93 foram recebidos até o momento. Na área dominada pelo agronegócio. o setor rural é o que tem mais devedores, chegando a 135 usuários com 85,38% das dívidas desse segmento.
A Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos é um instrumento econômico de gestão das águas previsto na Política Nacional de Recursos Hídricos e na Política Estadual de Recursos Hídricos. Quem paga – ou deveria pagar – são os usuários que usam volumes de água que alterem a quantidade ou a qualidade dos recursos hídricos.
Até 7,5% do valor arrecadado é destinado para o custeio administrativo de cada agência de bacia e de cada comitê de bacia hidrográfica. No mínimo 92,5% devem ser aplicados em investimentos direcionados pelo comitê, observado o Plano Diretor da Bacia.
Dinheiro é essencial para recuperar bacias
De acordo com a presidente do CBH Rio das Velhas, Poliana Valgas, os programas, ações e projetos previstos para cada ano são planejados com os recursos da cobrança, razão pela qual a inadimplência se tornou um problema crescente. “O recurso é essencial para aumentar a produção de água e para a recuperação da bacia. Infelizmente, a inadimplência tem aumentado nos últimos três anos. Isso impacta na dinâmica dos projetos nos territórios dos 51 municípios. Não conseguimos ter previsibilidade, fazer planejamento”, afirma Poliana.
Segundo ela, várias estratégias precisaram ser arquitetadas para que o trabalho não parasse, como campanhas de conscientização nas redes sociais e em comunidades. “Um dos nossos grandes contribuidores é a Copasa, que paga religiosamente. Estivemos tão apertados que até adiantar o recebimento com eles conseguimos, para não ter problemas devido aos inadimplentes”, lembra a presidente do CBH.
Uma das maiores dificuldades é saber quem são os devedores. Por esse motivo, os comitês do Rio das Velhas, Rio Paraopeba e Rio Pará articulam planos para ajudar o Igam a identificá-los. “O pior é que não sabemos quem está devendo, por uma série de fatores. O cadastro dos consumidores está defasado. Muita gente nem existe mais, enquanto outros captam mais água do que a outorga permite. Muitas correspondências com as cobranças não chegam e muitos não procuram. Depois que o sistema passou a ser on-line, muitas pessoas também tiveram dificuldade”, enumera o secretário do CBH Rio Pará, José Hermano Franco.
“A lógica é um fazer pelo outro”
A casa comprada em 1969 era o refúgio de um amante do Rio das Velhas – Seu Oliveira, como era conhecido em todo município de Jequitibá, na Região Central de Minas. Esse amor e respeito pelo manancial passou para os filhos Paulo Roberto e Júlio César de Oliveira, que testemunharam a poluição degradar continuamente o rio que tanto marcou a história da família.
Operação prende mulher com mais de R$ 1,2 milhão em drogas dentro de ônibus
“A qualidade do Rio das Velhas vem piorando. Na seca, é quase só esgoto. Por isso é importante ter verbas para fazer tratamento do esgoto. Quando Jequitibá faz, a cidade abaixo terá um rio de águas melhores. A lógica é um fazer pelo outro”, afirma Júlio César, de 53 anos. “Mas se quem usa a água não pagar, esses projetos acabam e todos teremos a água de péssima qualidade, que tem matado o rio”, afirma Paulo Roberto, de 69 anos.
O município de Jequitibá é um símbolo de como o Rio das Velhas foi cercado por fontes poluidoras, e concentra esperança em ações dos comitês de bacia hidrográfica do próprio Rio das Velhas e do São Francisco, que estão ao lado da prefeitura na construção de uma estação de tratamento.
O Rio das Velhas chega à cidade com as cargas de esgoto e despejo de indústrias da Grande BH. E no município recebe o Ribeirão Jequitibá, extremamente poluído por Sete Lagoas, que tem a maior inadimplência pela Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos (CRH) de todo estado, com dívida de mais de R$ 21 milhões.
Dentro da área urbana de Sete Lagoas, há dois pontos de monitoramento da água pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), de acordo com o Índice de Qualidade da Água (IQA) – um indicador de contaminação de água bruta com conceitos excelente, bom, médio, ruim e muito ruim ou péssimo. A medição mais central fica no Córrego do Diogo onde, de 2019 a 2023, o IQA foi considerado ruim em todas as amostragens até chegar ao Ribeirão do Matadouro. Lá está a segunda estação de monitoramento, em que o IQA apresentou o mesmo conceito “ruim” no período.
Acidente deixa um morto e um ferido na Via Expressa de Contagem
O Ribeirão do Matadouro é uma das principais fontes de poluição do Rio das Velhas e a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) em suas águas pode ser um alívio para essa poluição. A estrutura foi inaugurada recentemente e a exéctativa é coletar e tatar todo o esgot em 2025.
O ribeirão poluído corre de Sul para Nordeste da cidade, passando por áreas urbanas centrais e recebendo cargas de esgoto de canalizações e de outros córregos. Depois de Sete Lagoas, a estação de monitoramento da qualidade da água mais próxima fica a cerca de 40 quilômetros, em Jequitibá, seis quilômetros antes de o manancial desaguar no Rio das Velhas, no mesmo município.
As maiores fontes de contaminação encontradas por lá são as de fósforo total, com 95% das amostras de 2019 a 2023 apresentando índices acima do tolerado pela legislação ambiental. Os indicadores de sulfeto violavam o limite em 57% das amostras, os de demanda bioquímica de oxigênio (DBO) chegavam a 26%, seguidos pelos de alumínio dissolvido (22%), Escherichia coli (21%), manganês (21%), nitrato (10%), nitrogênio amoniacal (10%), turbidez (10%) e oxigênio dissolvido (5%).
Fósforo total, Escherichia coli, nitrato, nitrogênio amoniacal, sulfeto e DBO têm origens ligadas a esgoto e resíduos lançados na água, e podem estar ligados a ambientes com transmissão de doenças gastrointestinais, infecções urinárias, meningite e contaminação do ecossistema. Já o alumínio dissolvido e o manganês estão mais ligados a atividades industriais, sendo nocivos ao sistema neurológico humano.
Esgoto: pouca coleta e zero tratamento
Na Grande BH, Caeté também é um dos grandes devedores da Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos, segundo apurou a reportagem. O município coleta 50% do esgoto e não trata nada desse volume. Vários córregos contaminados acabam no Córrego Caeté, que nasce aos pés da Serra do Gongo, no limite com Barão de Cocais, e desce até a área urbana, de Sul para Noroeste. Na altura do Bairro José Brandão, área considerada central, uma estação de captação apresenta resultado de Índice de Qualidade da Água ruim desde 2019. Mas desde 2005, quando foi feita a primeira coleta, o IQA nunca melhorou; pelo contrário, chegou a ser considerado muito ruim cinco vezes.
Os testes para poluentes feitos pelo Igam no local indicaram violações dos limites máximos em vários parâmetros ambientais. Todas as coletas excederam os limites de Escherichia coli, ferro dissolvido, fósforo total e manganês total.
Também ultrapassaram a concentração tolerada os testes de DBO, em 90% das amostras, oxigênio dissolvido (85%), nitrogênio amoniacal total (75%), sulfeto (50%), alumínio (30%), cianeto livre (10%), fenóis totais (10%), cobre dissolvido (5%) e óleos e graxas (5%).
Condições que, em resumo, demonstram lançamento de esgoto sem tratamento adequado, com presença elevada de matéria orgânica. A presença de metais, cianeto e fenóis totais também aponta para despejos industriais inadequados. A baixa saturação de oxigênio causa morte de peixes e aumento de algas nocivas (eutrofização), resultando na degradação do ecossistema.
O córrego deságua no Ribeirão Sabará, no município vizinho, no distrito de Mestre Caetano, pouco antes da Barragem de Cuiabá. O ribeirão, por sua vez, atravessa o Centro de Sabará antes de desembocar no Rio das Velhas com toda a sua carga poluidora.
Devedores comprometem a água que os sustenta
A inadimplência no pagamento da Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos (CRH) prejudica o funcionamento dos comitês de bacia hidrográfica mineiros e seus projetos, segundo os gestores procurados pela reportagem do Estado de Minas. A presidente do Comitê do Rio das Velhas, Poliana Valgas, afirma que vários projetos podem sofrer atrasos ou até ser suspensos por esse motivo. Só a dívida de Sete Lagoas, que passa de R$ 21 milhões, poderia sustentar o órgão por um ano inteiro.
“A inadimplência prejudica projetos de recuperação de nascentes, para fazer barraginhas para os produtores rurais, recuperação em áreas degradadas, sistemas individuais da bacia para saneamento rural, as infraestruturas como fossas sépticas. Se continuar assim, vamos ter de suspender editais. A própria elaboração de projetos de saneamento para os municípios está comprometida. Projetos de despoluição e de pagamento por serviço ambiental no Alto Velhas, plantio de mudas e muitas outras ações que são retornos em benefícios para a bacia estão prejudicados”, afirma.
O secretário do Comitê do Rio Pará, José Hermano Franco, afirma que a inadimplência, além de engessar o comitê, reduz a possibilidade de mais ações. “Temos vários projetos prejudicados. O saneamento rural, a proteção de mananciais... A inadimplência não nos permite ampliar, nem criar nada. E o pior é que vem aumentando. Um programa de recuperação de mananciais e conservação que fizemos, por exemplo, teria três rodadas. A terceira, no Baixo Rio Pará, demorou um pouco mais com os projetos e já não sabemos mais se vamos conseguir pagar. Uma ação que foi anunciada, preparada e com edital aberto, agora está em risco”, exemplifica.
Sete Lagoas diz que rediscute débitos
O Serviço de Abastecimento de Água e Esgoto (SAAE) de Sete Lagoas informou que os débitos com a Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos (CRH) estão sendo discutidos judicialmente. “São processos de execução fiscal que ainda não foram concluídos, ou seja, os débitos estão com exigibilidade suspensa, até esta data. O SAAE esclarece que a dívida é fruto de vários anos, muito além da gestão atual. A autarquia vem tentando negociar o débito, inclusive propondo compensações. Essa negociação foi dificultada pelo alto montante da dívida e a inflexibilidade do estado, além das prioridades no pagamento de outras pendências já quitadas nesta gestão”, informou.
O SAAE de Sete Lagoas também indicou que neste ano os pagamentos estão sendo ajustados conforme a disponibilidade orçamentária e as demandas prioritárias. “Já para o próximo ano, está sendo planejada junto ao Conselho Municipal de Água e Esgoto a inclusão desse valor no cálculo das contas. Essa medida visa garantir o pagamento regular das taxas, sem comprometer as finanças da autarquia e seu funcionamento. O custo anual relacionado ao CRH está estimado em aproximadamente R$ 800 mil.”
Mesmo sem pagar pelo uso da água, Sete Lagoas tem projetos de ampliar a captação atual no Rio das Velhas. “A ampliação da captação no Rio das Velhas está dentro da capacidade já autorizada em outorga, que é de 500 litros por segundo (l/s). Atualmente, o SAAE utiliza cerca de 350 l/s”, informou o órgão.
O SAAE Sete Lagoas também discorda do índice de tratamento de esgoto de 23% divulgado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), sem contudo divulgar qual é o seu volume de tratamento. O programa seria de até 60% ainda em 2024, com foco na fase de testes da ETE Matadouro. A partir do primeiro semestre de 2025, a expectativa é de que a ETE Matadouro receba 100% do efluente urbano de Sete Lagoas.
Caeté também espera a Justiça
O SAAE Caeté afirma que, apesar das dívidas passadas, a gestão de 2021/2024 tem honrado com os pagamentos da CRH. “Existe um débito referente às gestões passadas que está ajuizado, aguardando definição da Justiça quanto à sua forma de pagamento que, por se tratar de altos valores, pode inviabilizar a nossa prestação de serviço à comunidade caeteense”, informou o órgão.
O SAAE afirma ainda que reativou a obra da Estação de Tratamento José Brandão, que será responsável pelo tratamento do esgoto. “Assim que a obra finalizar, com previsão para o primeiro semestre de 2025, coletando parte do esgoto urbano, iniciaremos o tratamento e a devolução do mesmo ao afluente do Rio das Velhas em melhores condições do que se encontra hoje”, informou.
As punições
Quem não paga a Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos pode ser incluído na dívida ativa. O estado pode tomar medidas legais para cobrar o débito, como multas e juros adicionais. A inadimplência pode ainda afetar negativamente o crédito para a obtenção de empréstimos ou novos processos de outorgas.
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Jequitibá e Sete Lagoas – A captação de água na Bacia do Rio das Velhas chega a 350 litros por segundo, o que é capaz de encher dois caminhões-pipa (10 mil litros cada) em menos de um minuto. Apesar desse consumo volumoso outorgado ao município de Sete Lagoas, na Região Central de Minas Gerais, o serviço de água da cidade é o maior devedor da Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos (CRH) de todo estado, com dívida nominal que passa de R$ 21 milhões. Pior do que isso, o município de 227 mil habitantes trata apenas 23% do seu esgoto, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), devolvendo contaminação e poluição ao rio que mata sua sede.
Casos de captações inadimplentes como o do município se ampliam, e deixaram os comitês de bacia hidrográfica mineiros perigosamente sem recursos para programas que beneficiam os corpos d'água e os próprios usuários dos recursos hídricos. Dos R$ 159.794.310,64 devidos aos órgãos de proteção de bacias e a projetos por eles indicados em 2024, R$ 70.222.543,42 não foram honrados até o momento, o que representa uma inadimplência de 43,95%, ameaçando até o próprio funcionamento das entidades.
É o que mostra levantamento feito pela equipe de reportagem do Estado de Minas junto ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). São dados que mostram que casos como os de captações municipais de água não pagas por cidades que ainda poluem os mananciais com esgoto ocorrem também em outros locais, como em Caeté, na Grande BH.
O número total de inadimplentes com a cobrança pelo uso da água chega a 29.050 usuários em Minas. A Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas tem o maior valor em débitos, ao mesmo tempo que concentra a maior população, de 4.406.190 habitantes em 51 municípios de sua área de influência.
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Os principais devedores
Na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas o próprio setor de saneamento tem inadimplência de R$ 3.741.602,34, o da indústria responde por R$ 985.897,99, as atividades rurais devem R$ 598.905,70, enquanto outras atividades diversas acumulam o principal das dívidas, somando R$ 4.248.228,86. De forma geral, em Minas Gerais, os setores que representam os maiores valores de inadimplência são as atividades rurais, com 30,57%, o saneamento (27,89%), a indústria (15,63%), a mineração (1,17%) e áreas diversas (24,70%).
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Até 7,5% do valor arrecadado é destinado para o custeio administrativo de cada agência de bacia e de cada comitê de bacia hidrográfica. No mínimo 92,5% devem ser aplicados em investimentos direcionados pelo comitê, observado o Plano Diretor da Bacia.
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De acordo com a presidente do CBH Rio das Velhas, Poliana Valgas, os programas, ações e projetos previstos para cada ano são planejados com os recursos da cobrança, razão pela qual a inadimplência se tornou um problema crescente. “O recurso é essencial para aumentar a produção de água e para a recuperação da bacia. Infelizmente, a inadimplência tem aumentado nos últimos três anos. Isso impacta na dinâmica dos projetos nos territórios dos 51 municípios. Não conseguimos ter previsibilidade, fazer planejamento”, afirma Poliana.
Segundo ela, várias estratégias precisaram ser arquitetadas para que o trabalho não parasse, como campanhas de conscientização nas redes sociais e em comunidades. “Um dos nossos grandes contribuidores é a Copasa, que paga religiosamente. Estivemos tão apertados que até adiantar o recebimento com eles conseguimos, para não ter problemas devido aos inadimplentes”, lembra a presidente do CBH.
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“A lógica é um fazer pelo outro”
A casa comprada em 1969 era o refúgio de um amante do Rio das Velhas – Seu Oliveira, como era conhecido em todo município de Jequitibá, na Região Central de Minas. Esse amor e respeito pelo manancial passou para os filhos Paulo Roberto e Júlio César de Oliveira, que testemunharam a poluição degradar continuamente o rio que tanto marcou a história da família.
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“A qualidade do Rio das Velhas vem piorando. Na seca, é quase só esgoto. Por isso é importante ter verbas para fazer tratamento do esgoto. Quando Jequitibá faz, a cidade abaixo terá um rio de águas melhores. A lógica é um fazer pelo outro”, afirma Júlio César, de 53 anos. “Mas se quem usa a água não pagar, esses projetos acabam e todos teremos a água de péssima qualidade, que tem matado o rio”, afirma Paulo Roberto, de 69 anos.
O município de Jequitibá é um símbolo de como o Rio das Velhas foi cercado por fontes poluidoras, e concentra esperança em ações dos comitês de bacia hidrográfica do próprio Rio das Velhas e do São Francisco, que estão ao lado da prefeitura na construção de uma estação de tratamento.
O Rio das Velhas chega à cidade com as cargas de esgoto e despejo de indústrias da Grande BH. E no município recebe o Ribeirão Jequitibá, extremamente poluído por Sete Lagoas, que tem a maior inadimplência pela Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos (CRH) de todo estado, com dívida de mais de R$ 21 milhões.
Dentro da área urbana de Sete Lagoas, há dois pontos de monitoramento da água pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), de acordo com o Índice de Qualidade da Água (IQA) – um indicador de contaminação de água bruta com conceitos excelente, bom, médio, ruim e muito ruim ou péssimo. A medição mais central fica no Córrego do Diogo onde, de 2019 a 2023, o IQA foi considerado ruim em todas as amostragens até chegar ao Ribeirão do Matadouro. Lá está a segunda estação de monitoramento, em que o IQA apresentou o mesmo conceito “ruim” no período.
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O Ribeirão do Matadouro é uma das principais fontes de poluição do Rio das Velhas e a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) em suas águas pode ser um alívio para essa poluição. A estrutura foi inaugurada recentemente e a exéctativa é coletar e tatar todo o esgot em 2025.
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As maiores fontes de contaminação encontradas por lá são as de fósforo total, com 95% das amostras de 2019 a 2023 apresentando índices acima do tolerado pela legislação ambiental. Os indicadores de sulfeto violavam o limite em 57% das amostras, os de demanda bioquímica de oxigênio (DBO) chegavam a 26%, seguidos pelos de alumínio dissolvido (22%), Escherichia coli (21%), manganês (21%), nitrato (10%), nitrogênio amoniacal (10%), turbidez (10%) e oxigênio dissolvido (5%).
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Esgoto: pouca coleta e zero tratamento
Na Grande BH, Caeté também é um dos grandes devedores da Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos, segundo apurou a reportagem. O município coleta 50% do esgoto e não trata nada desse volume. Vários córregos contaminados acabam no Córrego Caeté, que nasce aos pés da Serra do Gongo, no limite com Barão de Cocais, e desce até a área urbana, de Sul para Noroeste. Na altura do Bairro José Brandão, área considerada central, uma estação de captação apresenta resultado de Índice de Qualidade da Água ruim desde 2019. Mas desde 2005, quando foi feita a primeira coleta, o IQA nunca melhorou; pelo contrário, chegou a ser considerado muito ruim cinco vezes.
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Também ultrapassaram a concentração tolerada os testes de DBO, em 90% das amostras, oxigênio dissolvido (85%), nitrogênio amoniacal total (75%), sulfeto (50%), alumínio (30%), cianeto livre (10%), fenóis totais (10%), cobre dissolvido (5%) e óleos e graxas (5%).
Condições que, em resumo, demonstram lançamento de esgoto sem tratamento adequado, com presença elevada de matéria orgânica. A presença de metais, cianeto e fenóis totais também aponta para despejos industriais inadequados. A baixa saturação de oxigênio causa morte de peixes e aumento de algas nocivas (eutrofização), resultando na degradação do ecossistema.
O córrego deságua no Ribeirão Sabará, no município vizinho, no distrito de Mestre Caetano, pouco antes da Barragem de Cuiabá. O ribeirão, por sua vez, atravessa o Centro de Sabará antes de desembocar no Rio das Velhas com toda a sua carga poluidora.
Devedores comprometem a água que os sustenta
A inadimplência no pagamento da Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos (CRH) prejudica o funcionamento dos comitês de bacia hidrográfica mineiros e seus projetos, segundo os gestores procurados pela reportagem do Estado de Minas. A presidente do Comitê do Rio das Velhas, Poliana Valgas, afirma que vários projetos podem sofrer atrasos ou até ser suspensos por esse motivo. Só a dívida de Sete Lagoas, que passa de R$ 21 milhões, poderia sustentar o órgão por um ano inteiro.
“A inadimplência prejudica projetos de recuperação de nascentes, para fazer barraginhas para os produtores rurais, recuperação em áreas degradadas, sistemas individuais da bacia para saneamento rural, as infraestruturas como fossas sépticas. Se continuar assim, vamos ter de suspender editais. A própria elaboração de projetos de saneamento para os municípios está comprometida. Projetos de despoluição e de pagamento por serviço ambiental no Alto Velhas, plantio de mudas e muitas outras ações que são retornos em benefícios para a bacia estão prejudicados”, afirma.
O secretário do Comitê do Rio Pará, José Hermano Franco, afirma que a inadimplência, além de engessar o comitê, reduz a possibilidade de mais ações. “Temos vários projetos prejudicados. O saneamento rural, a proteção de mananciais... A inadimplência não nos permite ampliar, nem criar nada. E o pior é que vem aumentando. Um programa de recuperação de mananciais e conservação que fizemos, por exemplo, teria três rodadas. A terceira, no Baixo Rio Pará, demorou um pouco mais com os projetos e já não sabemos mais se vamos conseguir pagar. Uma ação que foi anunciada, preparada e com edital aberto, agora está em risco”, exemplifica.
Sete Lagoas diz que rediscute débitos
O Serviço de Abastecimento de Água e Esgoto (SAAE) de Sete Lagoas informou que os débitos com a Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos (CRH) estão sendo discutidos judicialmente. “São processos de execução fiscal que ainda não foram concluídos, ou seja, os débitos estão com exigibilidade suspensa, até esta data. O SAAE esclarece que a dívida é fruto de vários anos, muito além da gestão atual. A autarquia vem tentando negociar o débito, inclusive propondo compensações. Essa negociação foi dificultada pelo alto montante da dívida e a inflexibilidade do estado, além das prioridades no pagamento de outras pendências já quitadas nesta gestão”, informou.
O SAAE de Sete Lagoas também indicou que neste ano os pagamentos estão sendo ajustados conforme a disponibilidade orçamentária e as demandas prioritárias. “Já para o próximo ano, está sendo planejada junto ao Conselho Municipal de Água e Esgoto a inclusão desse valor no cálculo das contas. Essa medida visa garantir o pagamento regular das taxas, sem comprometer as finanças da autarquia e seu funcionamento. O custo anual relacionado ao CRH está estimado em aproximadamente R$ 800 mil.”
Mesmo sem pagar pelo uso da água, Sete Lagoas tem projetos de ampliar a captação atual no Rio das Velhas. “A ampliação da captação no Rio das Velhas está dentro da capacidade já autorizada em outorga, que é de 500 litros por segundo (l/s). Atualmente, o SAAE utiliza cerca de 350 l/s”, informou o órgão.
O SAAE Sete Lagoas também discorda do índice de tratamento de esgoto de 23% divulgado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), sem contudo divulgar qual é o seu volume de tratamento. O programa seria de até 60% ainda em 2024, com foco na fase de testes da ETE Matadouro. A partir do primeiro semestre de 2025, a expectativa é de que a ETE Matadouro receba 100% do efluente urbano de Sete Lagoas.
Caeté também espera a Justiça
O SAAE Caeté afirma que, apesar das dívidas passadas, a gestão de 2021/2024 tem honrado com os pagamentos da CRH. “Existe um débito referente às gestões passadas que está ajuizado, aguardando definição da Justiça quanto à sua forma de pagamento que, por se tratar de altos valores, pode inviabilizar a nossa prestação de serviço à comunidade caeteense”, informou o órgão.
O SAAE afirma ainda que reativou a obra da Estação de Tratamento José Brandão, que será responsável pelo tratamento do esgoto. “Assim que a obra finalizar, com previsão para o primeiro semestre de 2025, coletando parte do esgoto urbano, iniciaremos o tratamento e a devolução do mesmo ao afluente do Rio das Velhas em melhores condições do que se encontra hoje”, informou.
As punições
Quem não paga a Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos pode ser incluído na dívida ativa. O estado pode tomar medidas legais para cobrar o débito, como multas e juros adicionais. A inadimplência pode ainda afetar negativamente o crédito para a obtenção de empréstimos ou novos processos de outorgas.