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O rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG), que completou cinco anos nesta quinta-feira (25), deu início a uma verdadeira saga de grupos indígenas atingidos. Desde que a tragédia ocorreu, em 2019, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) já emitiram múltiplas recomendações frente a relatos de violações de direitos.
A mesma tragédia que ceifou 270 vidas e devastou uma grande porção do meio ambiente, deixou impactos para famílias das etnias Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe, no município de São Joaquim de Bicas (MG), vizinho à Brumadinho.
A Aldeia Naô Xohã se situava às margens do Rio Paraopeba. A lama que escoou pelo manancial prejudicou suas atividades produtivas e impossibilitou práticas religiosas. Junto com os impactos ambientais, vieram as
O pouco contato com a natureza, no entanto gerava incômodo que só foi superado com a mudança para a Mata do Japonês. Lá a comunidade desenvolveu um trabalho usando mudas para reflorestamento. "Tem gente que pensa que estamos aqui por causa de dinheiro de Vale. Somos chamados de invasores, mas na verdade nosso povo protege a biodiversidade. A situação climática está gritando. A responsabilidade nos dada como guardiões. Quando eu cheguei aqui, essa área estava sendo devastada. Hoje, se você sobe um drone, você não vê um rastro de queimada. Já vai fazer três anos e estamos conseguindo fechar a mata novamente. Temos algumas árvores nativas como pau-óleo, braúna, sucupira. Temos o privilégio de ter jacarandá. Nem no Monte Pascoal, nós temos mais".
Modo de vida
Apesar de todas as dificuldades, a cacique mira o futuro e faz um balanço positivo. Vê muito trabalho pela frente, mas diz acreditar na força da comunidade. "A gente sofreu muito, mas eu não posso contar só derrota. Eu tenho que contar que a gente conseguiu essa a área. Eu sou imensamente grata a esse grupo de japonês porque, se não fosse ele, onde que a gente estava agora? E eles se compadeceram da nossa luta."
Ela enumera as conquistas. "Construimos casas no modo tradicional e os indígenas estão vivendo nos seus quijemes. Aqui não tinha água, não tinha nada. E nós construímos o posto de saúde e a primeira escola da nossa língua do Brasil. É uma escola bilíngue. A primeira língua falada ali é patxohã. Nós temos professor de patxohã, de português, de matemática, de física, de uso e território, de horticultura, de medicina tradicional, de direito do jovem pataxó. Por incrível que pareça, a gente estuda mais do que vocês. Temos duas grades. Temos as matérias da nossa cultura. E temos nos adaptar com horário do MEC."
A retomada do modo de vida tradicional, no entanto, está prejudicada pela ausência do rio. A comunidade hoje precisa pagar pelo acesso à água. O volume da caixa d'água é controlado. E houve momentos de seca. Esse é um grade desafio para a comunidade, uma vez que os pataxós hã-hã-hãe posseum forte ligação com os rios e com o mar. Txôpai, a principal divindade, é o Deus da água.
"Estamos completando cinco anos que nossas crianças não podem ser batizadas, não podem passar pelo ritual. A gente tinha uma geladeira natural que era um rio onde a gente buscava o alimento e a águ. Não precisava medir quantos litros a gente ia poder usar. Hoje, eu tenho que medir. Eu tinha peixe fresco para pescar e comer. Hoje, 30% do que a gente come dentro da nossa comunidade é industrializado e nós, que somos totalmente contra o agrotóxico e contra esses alimentos processados, estamos sendo obrigados recorrer a esse alimento com essa química. Temos a plantação orgânica mas ainda está longe do ideal".
Para formalizar a posse do terreno, os indígenas criaram uma associação. Também foi aprovado um regimento interno, pelo qual todos os associados concordam em seguir o modo de vida tradicional. São vedadas formas de discriminação de gênero e de raça dentro da comunidade.
Ãngohó defende que a reparação pela tragédia chegue em benefício da associação. "Eu quero uma reparação coletiva, não uma reparação individual. Eu não penso em mim, eu penso no futuro da minha comunidade. Eu já estou ficando velha, mas e os novos? Vão para onde? Como vai seguir a história desse povo? Eu acho que a gente está criando um aldeia modelo", diz.
Enchente
Na Aldeia Naô Xohã, os impactos da tragédia também persistem. Aqueles que ficaram, perderam a capacidade de plantar e pescar. Ficaram dependentes do fornecimento de água pela Vale. Também ficaram impedidos de realizar os rituais envolvendo o rio, bem como de utilizá-lo para lazer. Em 2022, um cheia agravou a situação, pois o rejeito se espalhou junto com a inundação, alcançando casas e o posto de saúde. Bombeiros precisaram atuar para resgatar indígenas ilhados.
Na época, o MPF e a DPU enviaram um ofício à mineradora cobrando medidas emergenciais em favor destes povos e destacando um estudo da organização não governamental SOS Mata Atlântica que apontava a má qualidade da água na região. "A quantidade de metais pesados presentes na água está muito superior aos valores estabelecidos pela legislação, com riscos à saúde humana: o ferro apresentou valores 15 vezes superiores ao permitido; o cobre, 44 vezes; o manganês, 14 vezes; e o sulfeto, 211 vezes".
Duas semanas depois, os indígenas chegaram a protestar contra a insuficiência da reparação fechando uma ferrovia e rodovias próximas à aldeia. O MPF e a DPU expediram recomendação à Polícia Federal e à Polícia Militar de Minas Gerais para respeitarem o direito de manifestação.
No texto, afirmaram não haver notícias de que a Vale tivesse, espontaneamente, oferecido apoio aos indígenas removidos após a enchente. "Encontram-se amparados apenas pelo Poder Público e voluntários”, afirmaram as duas instituições. Elas também disseram que a mineradora se recusou a oferecer alternativa para abrigo temporário e insistiu que eles poderiam retornar para o território atingido.
Após a enchente, a Vale foi obrigada judicialmente a apresentar um plano de realocação. Mas a mineradora ofereceu uma área que foi considerada insuficiente para abrigar toda a comunidade. Dessa forma, apenas parte dos indígenas aceitou ir para o local, chamado de Chácara São Dimas. O restante acabou voltando para a aldeia após a normalização do nível do rio.
No mês passado, em uma audiência na 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, foi firmado um novo acordo onde a Vale assumiu compromissos junto aos povos da Aldeia Naô Xohã envolvendo realocação, melhoria de infraestrutura e atendimento em saúde. As medidas pactuadas beneficiam tanto aqueles que seguem vivendo nas margens do Rio Paraopeba como os que estão na Chácara São Dimas.
Outra dificuldade enfrentada pelos indígenas envolve a garantia de assessoria técnica. Esse tem sido um direito assegurado judicialmente aos atingidos desde a tragédia ocorrida em Mariana (MG), quando o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco causou 19 mortes e gerou poluição ao longo da bacia do Rio Doce. As próprias vítimas, nas diferentes cidades, passaram a escolher entidades capazes de lhes dar suporte e o custeio é uma obrigação da mineradora causadora dos impactos.
Os povos Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe selecionaram em 2021 o Instituto Nenuca de Desenvolvimento Social (Insea) como assessoria técnica. A Vale, no entanto, interrompeu o repasse de recursos em janeiro de 2023, alegando fim do contrato de dois anos. Na época, ela disse estar respaldada pelo TAP-E. No entanto, recentemente, o TRF-6 atendeu manifestação do MPF e da DPU e impôs uma derrota à mineradora. A Vale foi obrigada a manter a contratação até a conclusão do processo reparatório.
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A mesma tragédia que ceifou 270 vidas e devastou uma grande porção do meio ambiente, deixou impactos para famílias das etnias Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe, no município de São Joaquim de Bicas (MG), vizinho à Brumadinho.
A Aldeia Naô Xohã se situava às margens do Rio Paraopeba. A lama que escoou pelo manancial prejudicou suas atividades produtivas e impossibilitou práticas religiosas. Junto com os impactos ambientais, vieram as
O pouco contato com a natureza, no entanto gerava incômodo que só foi superado com a mudança para a Mata do Japonês. Lá a comunidade desenvolveu um trabalho usando mudas para reflorestamento. "Tem gente que pensa que estamos aqui por causa de dinheiro de Vale. Somos chamados de invasores, mas na verdade nosso povo protege a biodiversidade. A situação climática está gritando. A responsabilidade nos dada como guardiões. Quando eu cheguei aqui, essa área estava sendo devastada. Hoje, se você sobe um drone, você não vê um rastro de queimada. Já vai fazer três anos e estamos conseguindo fechar a mata novamente. Temos algumas árvores nativas como pau-óleo, braúna, sucupira. Temos o privilégio de ter jacarandá. Nem no Monte Pascoal, nós temos mais".
Modo de vida
Apesar de todas as dificuldades, a cacique mira o futuro e faz um balanço positivo. Vê muito trabalho pela frente, mas diz acreditar na força da comunidade. "A gente sofreu muito, mas eu não posso contar só derrota. Eu tenho que contar que a gente conseguiu essa a área. Eu sou imensamente grata a esse grupo de japonês porque, se não fosse ele, onde que a gente estava agora? E eles se compadeceram da nossa luta."
Ela enumera as conquistas. "Construimos casas no modo tradicional e os indígenas estão vivendo nos seus quijemes. Aqui não tinha água, não tinha nada. E nós construímos o posto de saúde e a primeira escola da nossa língua do Brasil. É uma escola bilíngue. A primeira língua falada ali é patxohã. Nós temos professor de patxohã, de português, de matemática, de física, de uso e território, de horticultura, de medicina tradicional, de direito do jovem pataxó. Por incrível que pareça, a gente estuda mais do que vocês. Temos duas grades. Temos as matérias da nossa cultura. E temos nos adaptar com horário do MEC."
A retomada do modo de vida tradicional, no entanto, está prejudicada pela ausência do rio. A comunidade hoje precisa pagar pelo acesso à água. O volume da caixa d'água é controlado. E houve momentos de seca. Esse é um grade desafio para a comunidade, uma vez que os pataxós hã-hã-hãe posseum forte ligação com os rios e com o mar. Txôpai, a principal divindade, é o Deus da água.
"Estamos completando cinco anos que nossas crianças não podem ser batizadas, não podem passar pelo ritual. A gente tinha uma geladeira natural que era um rio onde a gente buscava o alimento e a águ. Não precisava medir quantos litros a gente ia poder usar. Hoje, eu tenho que medir. Eu tinha peixe fresco para pescar e comer. Hoje, 30% do que a gente come dentro da nossa comunidade é industrializado e nós, que somos totalmente contra o agrotóxico e contra esses alimentos processados, estamos sendo obrigados recorrer a esse alimento com essa química. Temos a plantação orgânica mas ainda está longe do ideal".
Para formalizar a posse do terreno, os indígenas criaram uma associação. Também foi aprovado um regimento interno, pelo qual todos os associados concordam em seguir o modo de vida tradicional. São vedadas formas de discriminação de gênero e de raça dentro da comunidade.
Ãngohó defende que a reparação pela tragédia chegue em benefício da associação. "Eu quero uma reparação coletiva, não uma reparação individual. Eu não penso em mim, eu penso no futuro da minha comunidade. Eu já estou ficando velha, mas e os novos? Vão para onde? Como vai seguir a história desse povo? Eu acho que a gente está criando um aldeia modelo", diz.
Enchente
Na Aldeia Naô Xohã, os impactos da tragédia também persistem. Aqueles que ficaram, perderam a capacidade de plantar e pescar. Ficaram dependentes do fornecimento de água pela Vale. Também ficaram impedidos de realizar os rituais envolvendo o rio, bem como de utilizá-lo para lazer. Em 2022, um cheia agravou a situação, pois o rejeito se espalhou junto com a inundação, alcançando casas e o posto de saúde. Bombeiros precisaram atuar para resgatar indígenas ilhados.
Na época, o MPF e a DPU enviaram um ofício à mineradora cobrando medidas emergenciais em favor destes povos e destacando um estudo da organização não governamental SOS Mata Atlântica que apontava a má qualidade da água na região. "A quantidade de metais pesados presentes na água está muito superior aos valores estabelecidos pela legislação, com riscos à saúde humana: o ferro apresentou valores 15 vezes superiores ao permitido; o cobre, 44 vezes; o manganês, 14 vezes; e o sulfeto, 211 vezes".
Duas semanas depois, os indígenas chegaram a protestar contra a insuficiência da reparação fechando uma ferrovia e rodovias próximas à aldeia. O MPF e a DPU expediram recomendação à Polícia Federal e à Polícia Militar de Minas Gerais para respeitarem o direito de manifestação.
No texto, afirmaram não haver notícias de que a Vale tivesse, espontaneamente, oferecido apoio aos indígenas removidos após a enchente. "Encontram-se amparados apenas pelo Poder Público e voluntários”, afirmaram as duas instituições. Elas também disseram que a mineradora se recusou a oferecer alternativa para abrigo temporário e insistiu que eles poderiam retornar para o território atingido.
Após a enchente, a Vale foi obrigada judicialmente a apresentar um plano de realocação. Mas a mineradora ofereceu uma área que foi considerada insuficiente para abrigar toda a comunidade. Dessa forma, apenas parte dos indígenas aceitou ir para o local, chamado de Chácara São Dimas. O restante acabou voltando para a aldeia após a normalização do nível do rio.
No mês passado, em uma audiência na 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, foi firmado um novo acordo onde a Vale assumiu compromissos junto aos povos da Aldeia Naô Xohã envolvendo realocação, melhoria de infraestrutura e atendimento em saúde. As medidas pactuadas beneficiam tanto aqueles que seguem vivendo nas margens do Rio Paraopeba como os que estão na Chácara São Dimas.
Outra dificuldade enfrentada pelos indígenas envolve a garantia de assessoria técnica. Esse tem sido um direito assegurado judicialmente aos atingidos desde a tragédia ocorrida em Mariana (MG), quando o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco causou 19 mortes e gerou poluição ao longo da bacia do Rio Doce. As próprias vítimas, nas diferentes cidades, passaram a escolher entidades capazes de lhes dar suporte e o custeio é uma obrigação da mineradora causadora dos impactos.
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