Causou estranheza neste domingo e segunda-feira (4) a cobertura tímida - em alguns casos, nula - da imprensa corporativa sobre o escândalo dos Pandora Papers - que investigou milhões de documentos de paraísos fiscais em todo o mundo e revelou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, têm contas nesses locais.

O jornal O Globo não publicou uma linha sobre o que em qualquer lugar do mundo seria um dos maiores escândalos da história, embora a TV Globo e a Globonews tenham dado reportagens sobre o caso. O jornal Estado de S. Paulo se preocupou mais com as contas de Shakira e Julio Iglesias do que com as das autoridades econômicas brasileiras e, por último, a Folha de S. Paulo apontou um “suposto conflito de interesses” no caso.

O Pandora Papers foi divulgado pelo projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), que reúne mais de 600 repórteres de 151 veículos em 117 países e territórios. No Brasil, participaram da apuração Agência Pública, revista piauí, Poder360 e Metrópoles.


“Por que os jornais abaixam a crise? Porque muitos estão cheios de contas lá fora. Vamos admitir. Porque isso é um segredo de polichinelo da elite brasileira: as contas no exterior”, disse o jornalista Paulo Moreira Leite, na TV 247, tentando trazer uma explicação para a cobertura. “Lembram do escândalo das CC5? As pessoas colocavam dinheiro para fora para quê? Para suas próprias contas. Milhares, bilhões escaparam, sem nenhum controle”, resgatou o comentarista.

O conhecido caso das CC5 revelou, em setembro de 1999, que US$ 124 bilhões haviam saído ilegalmente do país. À época, os empresários brasileiros envolvidos no enorme escândalo também tiveram seus nomes protegidos pela imprensa, que centraram fogo em doleiros e agentes financeiros usando o argumento de que não era possível “separar quem utilizou de forma legal o mecanismo e quem lavou dinheiro”. No entanto, todas as remessas pelas contas CC5 eram ilegais pela própria natureza das contas. Relembre o caso aqui.

Saltou aos olhos, na época, as remessas enviadas pelo grupo Globo, como empresas como Globosat Comunicações, Globopar, Globo Participações ou Globosat Telecomunicações: R$ 124,134 bilhões.


Este não foi o único escândalo envolvendo nomes de empresários da mídia com offshores. Em 2016, nos Panama Papers, “pelo menos 14 empresários e diretores de empresas de mídia, seus parentes ou jornalistas” foram citados em “relação com offshores criadas pela firma panamenha de advocacia Mossack Fonseca”, noticiou o jornalista Fernando Rodrigues, do UOL.

“Estão citados uma neta de Roberto Marinho (fundador da Globo) e diretores e ex-diretores do Grupo Globo. Aparecem também a dona da TV Verdes Mares, Yolanda Vidal Queiroz; o apresentador Carlos Massa, o Ratinho, dono da Rede Massa de Televisão; um sócio do grupo Bloch, antigo dono da TV Manchete, Pedro Jack Kapeller; o ex-senador João Tenório, dono da TV Pajuçara, em Alagoas; e o sócio das TVs Studio Vale do Paraíba e Jaú, Antonio Droghetti Neto. Do Grupo Estado, que publica o jornal “O Estado de S.Paulo”, Ruy Mesquita Filho e o presidente do Conselho de Administração do Grupo Estado, Walter Fontana Filho, tiveram seus nomes ligados a offshores. Também consta nos papéis da Mossack o jornalista que trabalha em revistas da Editora Abril José Roberto Guzzo”, diz sua reportagem.

Pouco tempo depois, em 2017, os irmãos donos da TV Globo (Irineu Marinho e seus irmãos João e José) apareceram na lista dos Paradise Papers, que revelou uma lista com pelo menos 17 bilionários brasileiros com empresas abertas em paraísos fiscais como Bermudas, Bahamas, Ilhas Cayman, Ilhas Virgens e Malta.


No escândalo divulgado neste domingo (3), o dono da CNN, o empresário Rubens Menin, apareceu junto de empresários de outros setores, como os donos da Prevent Senior, envolvida em outro escândalo no âmbito da pandemia, e Luciano Hang, das Lojas Havan.