Um imenso lixão está se formando no fundo do mar brasileiro, alimentado por milhares de toneladas de cascalho encharcado de óleo, em decorrência das perfurações em campos de petróleo feitas sem o devido tratamento ambiental. O problema é grave porque pode envolver a liberação de substâncias contaminantes, como elementos cancerígenos. 
 
Apuração do jornal O Estado de São Paulo junto a técnicos do setor revela que uma série de divergências de entendimento sobre o assunto, envolvendo o Ibama e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), simplesmente deixaram o tema sem solução. O resultado é o descarte de sedimentos sem critério técnico e acompanhamento ambiental.


Os cascalhos sujos são retirados no momento em que as brocas das plataformas de petróleo perfuram o fundo do mar para chegar ao óleo. Nesta etapa, extraem toneladas de sedimentos misturados com o óleo.


Em vez de sugar esse material até a superfície, para que seja tratado e depois liberado, as petroleiras simplesmente deixam no próprio local. Não se trata de pouca coisa. Por ano, são perfurados pelo menos 200 poços de petróleo no litoral brasileiro.


O volume de cascalho retirado na perfuração de cada poço equivale a pelo menos dez caminhões lotados desses sedimentos. Isso significa que, em média, cerca de 2 mil caminhões cheios desse material encharcado de óleo são abandonados no fundo do mar, por ano.


Uma das substâncias normalmente encontradas nesses resíduos é conhecida pela sigla HPA. Trata-se um hidrocarboneto muito conhecido na área médica, por causa de seu alto potencial de causar câncer.


O Ibama tentou, em 2018, dar uma solução ao problema. Instrução normativa publicada pelo órgão dava prazo até 30 de setembro deste ano para que todas as petroleiras, como a Petrobrás, adequassem suas tecnologias e sondas para que retirarem os cascalhos que deixam no fundo do mar. Não se tratava de nada excepcional, já que há tecnologia disponível e esse tipo de procedimento é exigido em outros países, como Estados Unidos, México, Noruega, Reino Unido e Angola.


Em março, porém, o atual presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, suspendeu a norma que exigia adequação das petroleiras, após forte pressão da ANP. A decisão de Bim pegou o Ibama de surpresa, porque o presidente suspendia os efeitos de uma instrução normativa que seus próprios técnicos, depois de longa fase de estudos sobre o tema, tinham aprovado.


As empresas do setor, que tinham iniciado seus estudos e medidas para se adequarem às regras, paralisaram os projetos. A alegação de Bim para suspender a exigência é de que seria necessário aguardar decisão da Advocacia Geral da União (AGU), que entrou no caso.


Após avaliar o imbróglio, a AGU decidiu, em abril, que o Ibama poderia estabelecer as exigências que julgar necessárias para a situação. Até hoje, porém, nada foi efetivamente decidido, ou seja, o descarte dos cascalhos no mar segue sem definição técnica ou exigência normativa sobre o que deve ser feito.


Só uma


Nas águas brasileiras, hoje, a única companhia exploradora de petróleo que trata seus rejeitos é a Equinor. A empresa norueguesa recolhe, faz o tratamento e separa o óleo de 100% dos sedimentos que retira do fundo do mar, descartando no oceano cascalhos sem óleo e sem os fluidos que usa nas brocas.


Na Petrobrás, o tema ainda não sai das salas de reunião. Questionada sobre o assunto, a estatal declarou que, “em conjunto com as demais empresas do setor, vem dialogando com o Ibama e fornecendo informações técnicas que possam colaborar no desenvolvimento de uma política de gerenciamento de resíduos em operações offshore alinhada às melhores práticas internacionais”.


A empresa não respondeu por que ainda não realiza o procedimento e, tampouco, quando deve começar a retirar os cascalhos com hidrocarbonetos que deixa no oceano. “Esta política de gerenciamento de resíduos deve ser implantada em consonância com as necessidades de desenvolvimento da indústria no País”, informou.


Só a Petrobrás tem mais de 130 plataformas de petróleo na costa brasileira. Com a ausência de instruções normativas claras, técnicos do Ibama têm solicitado, precariamente, informações das petroleiras para compreender a extensão das medidas adotadas e o impacto que o problema ambiental produz.


Recorrente


Essa não é a primeira vez que a presidência do Ibama dispensa um parecer técnico do setor de petróleo. Em abril, o Estado revelou que o órgão federal rejeitou uma análise de seus próprios servidores, para liberar o leilão de campos de petróleo em uma área próxima do Parque Nacional de Abrolhos, na Bahia. A área técnica apontou que a exploração de quatro blocos localizados na bacia Camamu-Almada poderia levar problemas ao santuário ecológico, no caso de qualquer incidente com derramamento de óleo.


A pedido do Ministério do Meio Ambiente, porém, que destacou a “relevância estratégica” da área, Bim decidiu rejeitar o parecer e liberar a oferta do bloco no leilão previsto para outubro. A decisão enfrenta resistência do Ministério Público Federal, de organizações socioambientais e do Congresso. O presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, senador Fabiano Contarato (Rede -ES), moveu ação para que a ANP exclua sete blocos de petróleo da rodada de licitações.


Regra do Ibama aumentaria riscos, diz ANP


A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) declarou que não concorda com as exigências feitas em 2018 pelo Ibama, porque elas aumentariam o “risco de acidente com consequências”, como a ocorrência de “vazamento significativos, pela determinação de recolhimento de 100% do cascalho na fase reservatório”. 


Não é o que dizem técnicos do setor ouvidos pelo Estado, ao lembrarem que se trata de um sistema já usado em outros países. A ANP afirmou, inicialmente, já ter prestado todos os esclarecimentos ao Ibama e não comentaria mais nada. Depois da reportagem insistir em um posicionamento, disse estar “em entendimentos com o Ibama para aprimorar os requisitos da instrução normativa, evitando que ela gere problemas à segurança operacional de instalações de perfuração marítimas”.


Divergência. Presidente do Ibama, Eduardo Bim, informou, em nota que “havia divergência jurídica entre Ibama e ANP” e, por isso, decidiu suspender os efeitos da norma “até que fosse resolvida a divergência jurídica”. 


A ANP discorda do Ibama sobre a aplicação da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, para o descarte de cascalhos. Segundo a agência, o assunto deve ter critérios estabelecidos pela Lei do Óleo. 


A AGU concordou com essa visão, mas deu ao Ibama a liberdade de definir, qual, afinal, serão as normas usadas. O órgão ambiental porém, continua sem definir o assunto. 


O Ibama declarou que “já adotava critério para descarte” antes da norma de 2018 e, por isso, a ausência de regra “não representa a falta de controle ambiental”. Mas o órgão disse existirem “critérios técnicos que precisam ser discutidos” e “a ideia é adotar as melhores práticas internacionais para a questão”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.