Foi quando se deparou com as imagens da Amazônia em chamas que o pesquisador Volnei Canônica começou a sentir que precisava fazer algo de concreto. Sem conseguir dormir, preocupado e se sentindo impotente, ele comentou com o marido, o escritor e ilustrador Roger Mello, a necessidade de reagir à tragédia. Boa parte da produção de Mello tem a flora e a fauna como personagens e o próprio Canônica já esteve envolvido na promoção de encontros entre autores indígenas e jovens leitores.
Como presidente do Instituto Quindim, do qual Mello é vice-presidente, ele achou que estava na hora de convocar a classe dos autores e ilustradores para criar um projeto em prol da floresta. Um poema de Roseana Murray deu o empurrão que a dupla precisava. “O poema inédito que chegou pra gente fala sobre essa questão do planeta e dos animais. Roseana ofereceu o poema para ver se a gente queria fazer alguma coisa, uma camiseta, qualquer coisa. Pensei: ‘é isso, a gente tem que mobilizar os artistas do mundo todo em prol da Amazônia e dos povos originários, mas num processo de educação e valorização dessa biodiversidade”, explica Canônica. “As queimadas não começaram hoje e não vão terminar amanhã. Então, acho que nossa função é essa. Trilhar no caminho que a gente sabe andar, como diz o Daniel Munduruku.”
Assim nasceu a plataforma Amazônia Chama (https://amazonshouts.com/), no ar há três semanas para receber ilustrações e textos de autores do mundo inteiro que queiram se manifestar sobre a floresta brasileira mais famosa do planeta. Até agora, a plataforma conta com mais de 90 artistas engajados, gente espalhada pelo mundo, de Brasil e Argentina a Espanha e África do Sul. A ideia é que os artistas enviem obras que ficarão disponíveis on-line para serem baixadas por qualquer pessoa.
Assim, imagina Canônica, alguém lá no Acre poderá imprimir as ilustrações e fazer uma exposição sobre a Amazônia. Ou então, poderá levar os textos para a sala de aula para trabalhar com os alunos. É uma maneira de chamar a atenção, mas também de ensinar. “Existe muita desinformação na sociedade como um todo sobre a Amazônia e o que está acontecendo. A gente tem esse papel de criticar, ampliar os olhares, mobilizar. Então eu disse ‘vamos no viés da imagem e da palavra’”, conta. “Pretendemos criar um grande acervo artístico e de informação sobre a Amazônia e isso vai ser disponibilizado, a gente vai tratar esse material e montar diferentes tipos de acervo.”
Na lista de colaboradores estão nomes como o da argentina Isol, do sul-africano Piet Grobler, do uruguaio Sebastián Santana Camargo, do espanhol Javier Zabala e da peruana Issa Watanabe, além dos brasileiros Daniel Kondo, André Neves, Daniel Munduruku e Eliane Potiguara. Entre escritores e poetas estão Roseana Murray, Natalia Borges Polesso e Walcyr Carrasco, que está escrevendo a novela A dona do pedaço e prometeu enviar um texto para o Amazônia chama. “A gente quer uma mobilização da sociedade e os trabalhos podem ser foto, ilustração, conto, crônica, poema, histórias no sentido de valorizar a Amazônia. É uma ação que não é política nem partidária, a gente quer uma crítica ao Estado, não ao governo”, avisa Canônica.
Direto da fonte
Filhos de palmeiras, namoros entre o Sol e a Lua, encontros entre rios e florestas que geram rebentos, os mitos indígenas nascem de uma noção que o homem branco há muito perdeu: a visão cosmogônica da origem do Universo e da total integração entre o ser humano e seu meio. Com isso em mente, a leitura de Nós — Uma antologia de literatura indígena se torna, também, uma viagem por um mundo povoado de mitos e figuras encantadas.
Organizado pelo ilustrador Mauricio Negro, que já havia coordenado a coleção Muiraquitãs (Global) com quatro volumes assinados por escritores indígenas, o livro reúne histórias de 10 etnias escritas por autores que bebem na fonte desde a infância. No total, Negro recebeu mais de 40 textos, uma amostragem ampla da literatura indígena produzida no Brasil, e contou com os editores para fazer uma seleção. O livro sai pela Companhia das Letrinhas, focada no público infantojuvenil. “Não chega a ser infantil, embora algumas histórias a gente possa encarar como tal. Não que não exista história infantil para crianças indígenas, mas nossa intenção não era fazer uma divisão. Não teve uma linha norteadora, a não ser serem histórias de prosa. Literatura indígena não é um gênero, é um recorte”, avisa o ilustrador.
Mitos de origem de etnias específicas, como os kurâ-bakairi, dividem o livro com histórias mais pueris, como a narrativa guarani sobre o relacionamento entre uma anta e um jabuti, focada em costumes e convenções.
Dois outros livros recém-lançados têm a região da floresta como tema e cenário. Em História da Amazônia: do período pré-colombiano aos desafios do século 21 é resultado de uma pesquisa robusta de Marcio Souza, cujas narrativas, ficcionais ou não, sempre tiveram a região como tema. Autor de Mad Maria, o jornalista mergulha na história para trazer um relato acessível e informativo sobre a Amazônia. Em Boa noite, Amazona, é a ficção que domina. O escritor paulista Manoel Herzog narra a trajetória de um personagem que resolve se isolar e escolhe, para isso, o estado mais ao norte do Brasil.
Nós — Uma antologia de literatura indígena
Organização e ilustrações: Mauricio Negro. Companhia
das Letrinhas, 128 páginas. R$ 44,90.
História da Amazônia: do período pré-colombiano aos desafios do século 21
De Marcio Souza. Record, 392 páginas. R$ 54,90.
Boa noite, amazona
De Manoel Herzog. Alfaguara, 128 páginas. R$ 44,90.