Contar um pouco da sua história de vida é o propósito da escritora argentina Mercedes Urquiza, radicada no Brasil desde 1957, ao escrever o livro A trilha do jaguar: na alvorada de Brasília (Editora Senac). 

A obra, que trata dos primeiros mil dias de Brasília, pela primeira vez narrados por uma protagonista feminina, ilustrada por imagens da coleção particular da autora, será lançada nesta quarta-feira (30), às 19h, na Livraria Leitura do Pátio Savassi

Em 30 capítulos, a autora se fixa no papel de protagonista e mostra para as futuras gerações algumas de suas aventuras pelo Planalto Central. A história da autora se confunde com a própria história de Brasília.


Mercedes lembra como viajou de Buenos Aires até o Planalto Central por 48 dias, ao lado do marido, Hugo Maschwitz, e do cão pastor alemão Fleck. “Naquela época, Brasília nem existia no mapa do Brasil. Colocamos nossos pertences dentro de um velho Jeep, viajamos para nos juntarmos aos candangos, na construção de uma nova capital.

Ela recorda do tempo em que moraram na Cidade Livre, local em que os pioneiros iam se instalando em barracos de madeira, sem luz, água quente ou telefone. “Participamos ativamente na construção da nova capital, na qual trabalhei como corretora oficial da Novacap e revendedora de material de construção para os primeiros prédios da cidade. Em 1962, fundamos a primeira agência de viagens de Brasília, no recém-inaugurado Hotel Nacional, abraçando definitivamente o ramo do turismo, no qual seguimos até hoje, agora sob administração das minhas filhas Mercedes e Gabriela.” 

Mercedes conta que o livro traz fotos feitas pelo marido e pertencentes à sua coleção particular. São imagens únicas da época da construção da nova capital, espalhadas pelas 250 páginas. A convite das embaixadas do Brasil na Suécia e na Argentina, a obra também foi editada em inglês e em espanhol para apresentação na Feira do Livro de Gotemburgo (2018) e na Feira Internacional do Livro de Buenos Aires (2019). 

“Para mim, o lançamento da obra em Belo Horizonte representa uma homenagem ao inesquecível fundador de Brasília, Juscelino Kubitschek, lembrado e reverenciado até os dias de hoje em todo o país como o presidente que mudou para sempre a cara do Brasil.” 

A autora diz que escrever um livro era uma antiga vontade sua, mas que nunca chegava o momento certo. “Há cerca de uns dois anos, comecei a rabiscar algumas coisas e consegui escrever o livro. Na verdade, fui uma protagonista da construção de Brasília. Para mim, é uma situação privilegiada, pois tenho muita história para contar e sempre quis compartilhá-las não só com minha família, mas com as outras pessoas. Agora, estou participando também de exposições, sempre buscando divulgar a saga de Brasília.” 

Mercedes lembra que, em 1957, ainda não havia nada em Brasília, somente acampamentos e operários. “Na época, ainda morando em Buenos Aires e trabalhando como secretária, namorava um rapaz, com o qual me casei depois, e os dois éramos apaixonados pelo Brasil. Ele tinha um amigo cujo pai era arquiteto e morava em São Paulo. Um certo dia, ele nos mostrou um recorte de um jornal de São Paulo que anunciava a mudança da capital e que esta seria construída em um local deserto.” 

Ake Borgulund/Divulgação
Livro contém imagens da construção de Brasília pertencentes ao acervo pessoal da autora (foto: Ake Borgulund/Divulgação)
Pensando na aventura que aquilo seria, o casal decidiu participar da construção de Brasília. “Achamos aquilo fascinante, pois estávamos querendo mudar de vida, iniciar uma vida feita por nossas mãos, sem depender de tradições ou famílias. Olhamos a notícia no jornal e decidimos vir para cá. Nos casamos lá e viemos com a cara e a coragem. O nosso próprio cônsul achou aquilo muito estranho e quase não nos deu o visto, mas estávamos decididos mesmo. Deixamos a Argentina e partimos em direção ao Planalto Central.”

Após 48 dias, o casal chegou ao destino, decidido a participar da construção da cidade. “Foi uma aventura radical. Começamos a procurar negócios e me tornei corretora, ou seja, vendia os terrenos do Plano Piloto. Era uma cidade à venda na planta. Tive que fazer muita força para vender os terrenos, mas consegui. Depois conseguimos uma representação da Pirelli para a venda de material elétrico para as grandes obras, o que nos ajudou bastante.”

Mercedes conta que não foi nada fácil. “Tudo era aperto. Primeiro, ficamos num hotel que era de tábua, tipo um barraco, com um banheiro para cada 30 quartos. Depois, construímos nosso primeiro barraco na Cidade Livre . Este não tinha água encanada, luz nem rede de esgoto. Em 1960, a cidade foi inaugurada e em 1961 fui trabalhar com o professor Darcy Ribeiro na Universidade Federal de Brasília. Este foi meu único emprego público, pois o resto de minha vida sempre foi na iniciativa privada.”

Ake Borgulund/Divulgação
(foto: Ake Borgulund/Divulgação)
A autora lembra que, no ano de 1962, o casal inaugurou a primeira agência de viagens de Brasília. “Hoje, minhas duas filhas é que continuam no ramo de turismo. Dedico-me mais a área cultural, fazendo exposições e divulgando a saga de Brasília, o que me orgulha muito. Tenho uma coleção de fotos única daquela época. Quando decidi escrever o livro, notei que estava contando a história de Brasília, que era a minha própria história. Na realidade, a minha história se confunde com a da cidade.” 

Mercedes costuma dizer que os três primeiros anos, ou seja, de 1957 a 1960, tempo da construção de Brasília, foram os melhores de sua vida. “Foi uma experiência única, com muita solidariedade, um grande aprendizado. Todos se davam as mãos e se ajudavam. Tinham o mesmo objetivo, ou seja, ver Brasília erguida. Não sofri nenhum tipo de preconceito naquela época. As pessoas valiam pelo que representavam, não pelo sobrenome, posse, ou pelo que já tinha.”
A autora recorda que todos a tratavam como "a argentina". “Ninguém se interessava pelo meu nome. Engraçado é que eu tinha deixado uma terra natal, na qual vivia numa alta sociedade, uma família tradicional, mas não concordava com uma série de coisas, por isso resolvi partir. Conhecemos também o ex-presidente JK, que era uma pessoa muito boa. Quando estava para nascer a minha segunda filha, tínhamos a intenção de deixar o barraco e comprar uma casa. Fomos conversar com ele e conseguimos adquirir uma que foi financiada em 25 anos. A conversa foi no Palácio, que tinha acabado de ser inaugurado, em 1958. Ele concordou e autorizou a compra da nossa casinha. Sempre digo que a solidariedade de JK definiu a nossa nova pátria. A partir daquele dia, ficamos no Brasil para sempre e nos tornamos brasileiros.”

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A TRILHA DO JAGUAR: NA ALVORADA DE BRASÍLIA
Editora Senac
250 páginas
Preço de capa: R$ 98