A bala projetada em ângulo ascendente em direção à Grota do Angico, em Sergipe, aliado aos estilhaços que atingiram o punhal preso ao abdômen de Lampião foram provas investigadas pelo escritor Frederico Pernambucano de Mello e comprovadas por peritos para chegar ao verdadeiro autor material da morte do Rei do Cangaço. Durante quase 50 anos, o acadêmico, que já possui títulos sobre o cangaço, Canudos e a Batalha dos Guararapes, dedicou seus estudos para sanar as dúvidas acerca do episódio de 28 de julho de 1938.

A pesquisa resultou no 12º livro do escritor, intitulado Apagando o Lampião: Vida e morte do Rei do Cangaço (Global Editora), que será lançado nesta segunda (26) na sede da Academia Pernambucana de Letras (Av. Rui Barbosa, 1596, Graças). Às 17h, será realizada uma apresentação do autor sobre a obra e, em seguida, às 19h, a cerimônia de lançamento, com venda de exemplares no local, ao preço de R$ 60.


"Eu sou um historiador que trabalha a longo prazo, sem pressa. Eu tiro até o relógio e fico só apurando os fatos. Apoiada em testemunhos diretos, em documentos e até mesmo em perícia balística, a biografia inova muito no que se conhece até hoje sobre a vida do maior dos bandoleiros do Brasil", promete Frederico. Na obra, o autor consegue traçar um retrato da figura emblemática da nossa história nordestina, com foco no percurso de seu assassinato.

Em seus estudos, outras quatro situações envolvendo o Rei do Cangaço foram reveladas. Entre eles, alguns detalhes do primeiro conflito que o jovem Lampião se envolveu, como por exemplo, a forma que ele foi influenciado a reformular o cangaço tradicional e as decisões que levaram à expansão do império. Sob o olhar do escritor, o Sertão é revelado em sua intensidade, destacando poesia, a pluralidade de informação e a estética das roupas bordadas a mão por bravos cangaceiros.

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 Foto: Divulgação


Orientado pessoalmente pelo sociólogo Gilberto Freyre durante 15 anos, o escritor foi estimulado a buscar histórias culturais sombrias e situações de conflito do Nordeste brasileiro. "Freyre tem uma importância vital para as minhas pesquisas, ele pregava para o historiador uma promiscuidade no emprego das fontes, sempre ressaltando que não havia uma fonte histórica superior a outra. Se ela revela coisa importante, por que não usar?”, conta Frederico. 

Seguindo os passos do mentor, Mello percebeu que a maior parte de notícias do período do cangaço circulava através dos repentistas nos povoados e nas vilas. Da poesia cantada, surgiram os registros escritos, resultando no folheto de cordel. E, dessa forma, o acadêmico reuniu uma pluralidade de escritos, além dos anúncios de jornal e acervos orais.


"Sempre fui um pesquisador furão, andei muito pelo interior e entrei na intimidade dos moradores. Consegui esses registros datados de 1928 pra frente, com informações de uma precisão enorme", afirma Mello. Outra influência de Freyre nas pesquisas foi um olhar atento aos métodos, focando em uma pesquisa ampla, onde fossem empregados os recursos necessários, usando por exemplo, métodos marxistas e freudianos. "A história saiu dos dados para ser enriquecida pela antropologia, psicologia e etnografia. Com Gilberto, eu pude perceber a importância do método na abordagem das fontes e passei a escolher o que melhor se adequava a cada entrevistado", reflete.

CASO ELUCIDADO


Cerca de 50 anos separaram Frederico do dia que recebeu a informação de que o autor do tiro contra Lampião não era o revelado pela imprensa até a elucidação completa do caso. Depois de uma pesquisa densa quanto aos guarda-costas do coronel presente no dia do ocorrido, toda a problemática foi guiada pela dificuldade do autor em falar sobre o assunto. O soldado Sebastião Vieira Sandes, conhecido como Santo, só teve coragem de conversar com Frederico quando foi diagnosticado com aneurisma inoperável, em 2003, pondo fim às dúvidas.

 

 

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Frederico Pernambucano de Mello (à direita) ao lado do matador de Lampião, o Soldado Santo. Foto: Acervo Pessoal

 

"Ele me ligou e disse que estava indo para Delmiro Gouveia, em Alagoas, para se despedir dos amigos e familiares e me chamou para conversar, contando detalhes do ocorrido e o motivo pelo qual não queria revelar a autoria: por ser muito jovem, tinha medo que as pessoas o chamassem de mentiroso, já que Noratinho já tinha puxado para si a autoria", diz Mello.


"Sandes me contou que tinha trabalhado durante alguns anos com Lampião e conhecia intimamente o cangaceiro, de uma forma que só ele poderia confirmar que era o alvo certo embaixo da Grota. O coronel confiou nele", completa. A prova foi confirmada por peritos alagoanos após ser discutida a angulação do disparo, em posição de baixo para cima, o oposto do que contava Noratinho.

Além da mossa encontrada no punhal que Lampião carregava no abdômen, confirmando o zunido que tomou conta do local no momento do tiro. "Se você não encontra emoção na sua busca, na sua pesquisa e não for persistente, não consegue. Para fazer um trabalho assim, precisa ter fé, mas uma fé profana, positiva, de que vai acontecer", destaca Mello.