Realizada virtualmente pela primeira vez devido à pandemia, a cerimônia do 62º Prêmio Jabuti, na quinta-feira (26), contemplou outra demanda contemporânea: a diversidade. Com lista de vencedores – especialmente vencedoras – focada em temas sociais urgentes, como a luta antirracista, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) concedeu o troféu de Livro do Ano a Solo para vialejo, da poeta pernambucana Cida Pedrosa, que também recebeu R$ 100 mil.


“Escrevo desde os 14 anos, tenho 10 livros publicados. É a coroação de um processo, o reconhecimento da obra que deixa qualquer autora feliz. Sou mulher e estou fora do eixo Rio-São Paulo, com uma editora do meu estado. Tudo isso tem um peso muito interessante”, afirma Cida Pedrosa.

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Itamar Vieira Junior aborda a ancestralidade negra em Torto Arado, melhor romance literário

(foto: Todavia)



FEMINISTA


Aos 56 anos, ela se tornou a primeira mulher de Pernambuco a vencer o Jabuti. Feminista, alerta que ainda estamos longe da igualdade de condições para que homens e mulheres produzam literatura.

“Certa vez, em outro prêmio literário, um escritor foi premiado e, no discurso, agradeceu à esposa por cuidar dos filhos enquanto ele escreveu o livro. Dei uma risada. Ou seja, conseguiu o feito de escrever, como todos os homens fazem, abandonando as tarefas domésticas. As mulheres, não. Nós, quando escrevemos, também cozinhamos feijão, cuidamos de menino. A oportunidade da escrita é diferente, desde sempre. Mulheres escrevem há 200 anos – antes, era proibido ir à escola”, afirma Cida.


Ao comentar a proporção mais equilibrada de gêneros nas indicações ao Jabuti, ela observa: “A questão da representação é muito importante, tudo isso veio com muita luta!”.


Solo para vialejo (Cepe Editora) também levou o prêmio de Melhor Livro de Poesia. Concorreu com Lutar é crime, de Bell Puã; O desvio das gentes, de Pádua Fernandes; Rosa que está, de Luci Collin; e Vida aberta – Tratado poético filosófico, de W. J. Solha.


Cida define seu livro como “muito autobiográfico”. Com versos ditos por outros narradores além dela, “adentra memórias individuais e coletivas”, nas quais a poeta diz se “auto descobrir”.


Vialejo é a gaita usada no sertão pernambucano onde fica Bodocó, cidade natal da autora. A musicalidade se faz presente na poesia que, segundo ela, conta “sobre uma diáspora ao contrário, o caminho feito por negros e negras do mar para o sertão, no caminho dos índios, por conta da perseguição do homem branco”.


Nesses versos há rastros de musicalidade, diz Cida, que construiu pontes com outra paixão dela. “Amo blues, é um livro muito sobre blues, sobre minhas raízes biográficas e sobre o que aprendi e virou memória. Faço um diálogo permanente com a música da minha infância, com músicas de que passei a gostar depois. Junto essas vozes, e as vozes dos negros do sertão são de bluezeiros. O aboio é um blues”, afirma.


Além da pernambucana, recém-eleita vereadora no Recife pelo PCdoB, três livros escritos por mulheres foram premiados nas 20 categorias do Jabuti. Urubus, de Carla Bessa, ganhou como Melhor Conto. Uma furtiva lágrima, de Nélida Piñon, venceu a categoria Melhor Crônica.


No eixo dedicado a ensaios, Pequeno manual antirracista, de Djamila Ribeiro, levou o prêmio de Melhor Livro de Ciências Humanas. Nas modalidades técnicas, que premiam capa, ilustração, projeto gráfico e tradução, todos os troféus ficaram com as mulheres, individual ou coletivamente.

 

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O mineiro Leonardo Chalub escreveu sobre zumbi

(foto: UFMG/divulgação)

 

ITAMAR


Na cerimônia comandada pela jornalista negra Maria Júlia Coutinho, vários prêmios foram destinados a livros que abordam a temática racial. O Melhor Romance Literário escolhido pelo júri foi Torto arado, do baiano Itamar Vieira Junior.


A resistência e a ancestralidade negra são o foco principal dessa trama. Por meio do realismo mágico, Itamar conta a história das irmãs Bibiana e Belonísia, que encontram uma velha e misteriosa faca na mala guardada sob a cama da avó, no sertão da Bahia.


Lançado em Portugal e vencedor do Prêmio LeYa em 2018, o romance é um dos títulos preferidos de público e crítica no Brasil este ano, com mais de 10 mil exemplares vendidos. O autor baiano superou fortes concorrentes, como Carta à rainha louca, de Maria Valéria Rezende; Essa gente, de Chico Buarque; Marrom e amarelo, de Paulo Scott; e Todos os santos, de Adriana Lisboa.


Também levaram o Jabuti o jornalista Laurentino Gomes, com Escravidão, Vol. I – Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares, vencedor da categoria Biografia, Documentário e Reportagem, e Palmares de Zumbi, do mineiro Leonardo Chalub, Melhor Livro Juvenil.


Autor dos livros de história 1808, 1822 e 1889, Laurentino se dedicou, agora, a um recorte específico da trajetória do país. Já Chalub oferece a releitura da saga de um dos maiores heróis negros do Brasil, sob perspectiva voltada ao público jovem.


O reconhecimento do Jabuti a autores que abordam esta temática importante, sobretudo no ano em que a luta contra a injustiça racial ganhou as ruas em vários países, é celebrada por Cida Pedrosa. “Minha literatura tem função social. Sempre teve e terá. Escrevo porque as palavras não cabem na minha cabeça. Escrevo porque quero ajudar nesta transformação. Toda vez que escrevo, leio em voz alta, porque tenho uma necessidade enorme de que as pessoas entendam o que escrevi. Gosto da literatura que faz com que as pessoas se percebam”, afirma.


A pernambucana defende maior valorização dos artistas no Brasil – não só do setor literário –, devido ao papel fundamental exercido por eles durante a pandemia. “A literatura, a arte e a cultura diminuíram o sofrimento das pessoas. Vi a palavra cura associada à arte neste período de desespero. O que chegou em nossas casas, via internet, foram os artistas, generosamente, para entregar palavras e afeto”, comenta.


Cida lembra que muitos artistas passam por dificuldades financeiras, desde março. “Estão parados até hoje, sem ganhar dinheiro. Uma nação só é feita com muita identidade cultural. A nação que não respeita seus artistas e cientistas, enquanto construtores do saber, está no obscurantismo”, adverte.


taxação A autora questiona a proposta do governo federal de taxar livros. “Em todo canto para onde já viajei, o livro é subsidiado para ser barato. Agora querem taxar o livro aqui. Este acesso, assim como à educação pública, deve ser garantido. Precisamos de pessoas com senso crítico, que consigam ler e entender o lido, concordar ou discordar do lido”, argumenta.


A pernambucana aproveitou a entrevista ao Estado de Minas para declarar sua admiração pela colega Adélia Prado, homenageada como Personalidade Literária no Jabuti 2020. “Tenho o sonho de conhecer Adélia. Ainda vou pegar uma van aqui no Recife, ir até Divinópolis e parar na porta da casa dela com uma placa: ‘Adélia, me convide para tomar um chá com você'”, brinca Cida Pedrosa.  

 
JABUTI 2020*


Conto


Urubus (Confraria do Vento)
• De Carla Bessa


Crônica


Uma furtiva lágrima (Record)
•De Nélida Piñon


Histórias em Quadrinhos


Silvestre (Darkside)
•De Wagner Willian Menezes
de Araújo


Infantil


Da minha janela (Companhia das Letrinhas)
•De Otávio Júnior


Juvenil


Palmares de Zumbi (Nemo)
•De Leonardo Chalub


Poesia e Livro do Ano


Solo para vialejo (Cepe Editora)
•De Cida Pedrosa


 Romance de Entretenimento


Uma mulher no escuro (Companhia das Letras)
•De Raphael Montes


Romance Literário


Torto arado (Todavia)
•De Itamar Vieira Junior


Biografia, Documentário e    Reportagem


Escravidão, Vol. I – Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares (Globo Livros)
•De Laurentino Gomes


Ciências Humanas


Pequeno manual antirracista (Companhia das Letras)
•De Djamila Ribeiro


* Confira a lista completa em www.premiojabuti.com.br