O processo criminal que julga responsabilidades da tragédia de Brumadinho (MG) perdeu a validade na Justiça mineira e passou para a alçada da Justiça Federal. A decisão é do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os cinco integrantes da 6ª turma entenderam, de forma unânime, que a Justiça estadual não tem competência para analisar o caso. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) informou que irá recorrer.

O relator do julgamento foi o desembargador Olindo Menezes, convocado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Ele considera que o caso deve ser federalizado por envolver acusação de declarações falsas prestadas a órgão federal; pelo descumprimento da Política Nacional de Barragens; e por possíveis danos a sítios arqueológicos, que são patrimônio da União. O voto de Olindo Menezes foi acompanhado pelos ministros Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro.


Com a decisão, os 16 denunciados na Justiça estadual não são mais considerados réus. O caso será enviado à 9ª Vara Federal de Minas Gerais, que precisará reavaliá-lo. O Ministério Público Federal (MPF) poderá reapresentar a denúncia do MPMG ou formular uma nova acusação.


A tragédia de Brumadinho ocorreu em janeiro de 2019, quando uma barragem da mineradora Vale se rompeu. O incidente matou 270 pessoas e provocou degradação ambiental em diversos municípios mineiros. O processo criminal tramitava desde fevereiro de 2020, quando a Justiça mineira aceitou denúncia do MPMG. O tribunal considerou réus 11 funcionários da Vale e cinco da Tüv Süd, consultoria alemã que assinou o laudo de estabilidade da estrutura que se rompeu. Eles respondiam por homicídio doloso e diferentes crimes ambientais.


As duas empresas também eram julgadas. Investigando o caso em parceria com a Polícia Civil, o MPMG ofereceu a denúncia quando considerou que já existia farto material probatório, que comprovaria os riscos assumidos deliberadamente pela Vale, pela Tüv Süd e por seus funcionários.


Diante da complexidade do caso, a tramitação do processo seguia um ritmo lento. Ainda havia um funcionário da Tüv Süd que sequer tinha sido citado no processo, pois não foi localizado nos endereços informados pelo MPMG. A própria consultoria alemã não funcionava nos locais apontados. E apenas no mês passado havia sido finalmente aberto prazo para que os réus apresentassem defesa. Como a denúncia é extensa, a juíza Renata Nascimento Borges deu a eles um período de 90 dias. Ela também havia concordado que representantes do espólio de 36 vítimas atuassem como assistentes da acusação do MPMG.


O julgamento no STJ se deu a partir de um habeas corpus apresentado pela defesa do ex-presidente da Vale, Fábio Schvartsman, um dos réus. Os advogados de Schvartsman questionaram a competência da Justiça estadual. A tese foi aceita sob discordância do MPF, que se alinhou ao entendimento do MPMG. “Não há descrição de crime federal, não há crime federal, não há bem jurídico da União atingido aqui na denúncia”, disse no julgamento a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen.


O mesmo STJ já havia, em junho do ano passado, julgado um conflito de competência e mantido o processo na esfera estadual. Na época, os integrantes da 3ª Seção negaram, por sete votos a um, outro pedido que havia sido formulado pela defesa de Fábio Schvartsman. Entre os ministros que participaram de ambos os julgamentos, dois mudaram de opinião: Laurita Vaz e Rogerio Schietti Cruz que, no ano passado, votaram por manter o caso na Justiça estadual e concordaram agora em remetê-lo à Justiça federal.


Federalização


As causas da tragédia de Brumadinho suscitaram apurações em diferentes frentes. Além dos trabalhos do MPMG e da Polícia Civil, o caso mobilizou Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na Câmara dos Deputados e no Senado.


Um inquérito também foi aberto pela Polícia Federal (PF) e ainda não foi concluído. Ele foi desmembrado em duas partes. Em setembro de 2019, sete funcionários da Vale e seis da Tüv Süd foram indiciados por falsidade ideológica e uso de documentos falsos. Eles teriam forjado relatórios de revisão periódica e de inspeção de segurança e a declaração de estabilidade da barragem, ignorando parâmetros técnicos.


A segunda parte do inquérito, que continua em andamento, envolve a apuração de crimes ambientais e contra a vida. Segundo a PF, para definir se alguém deve ser indiciado por homicídio, seria necessário identificar qual foi o gatilho da liquefação, ou seja, o que fez com que sedimentos sólidos passassem a se comportar como fluídos e sobrecarregassem a estrutura (Agência Brasil).