(FOLHAPRESS) - O STF (Supremo Tribunal Federal) poderá concluir ainda no primeiro semestre de 2023 um julgamento que se arrasta há 25 anos e com possíveis impactos para as relações entre empresas e empregados no Brasil.

Em uma das possibilidades à mesa, poderá proibir as demissões injustificadas, ou seja, aquelas que não tenham uma razão baseada em questões econômicas (da empresa) ou comportamentais (do empregado).

Não é essa possibilidade, porém, em discussão no STF.

O que os ministros discutem desde 1997 na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 1.625 é a legalidade de um decreto assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) cancelando a adesão do Brasil à Convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

A convenção define critérios para o encerramento dos contratos de trabalho por iniciativa do empregador. Em um de seus artigos, a 158 prevê que: "não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço."

No STF, o julgamento foi retomado no ano passado, mas novamente paralisado porque o ministro Gilmar Mendes pediu mais tempo para votar. A expectativa de que o julgamento seja concluído antes da metade final do ano existe porque em 2023 passa a valer um novo prazo regimental para pedidos de vista (como é chamado esse procedimento em que o ministro pede um tempo adicional para análise de casos).

Se um ministro não devolver ou não votar em até 90 dias, o processo fica automaticamente liberado para a pauta. O novo prazo começa a valer em 1º de fevereiro (a Corte está com prazos processuais suspensos até 31 de janeiro).

No caso da ADI, portanto, se Gilmar Mendes não liberar o processo até o fim de abril, ele estará automaticamente liberado para a pauta e aí dependerá da presidente Rosa Weber abrir a sessão de julgamento virtual ou levar o caso ao plenário.

O QUE O STF PODE DECIDIR

Existem três possibilidades principais na mesa, com base nos votos proferidos até agora. Como ainda faltam votos de três ministros -Alexandre de Moraes, Kassio Nunes e André Mendonça- e os que já se manifestaram podem mudar seus entendimentos até o fim, o resultado final segue imprevisível.

Os ministros Rosa Weber e Ricardo Levandowski e o ex-ministro Joaquim Barbosa consideraram que o decreto de FHC precisaria ter passado pelo Congresso Nacional para ter validade e, ao não fazer isso, a publicação é inconstitucional.

O QUE ACONTECE SE A CONVENÇÃO 158 VOLTAR A VALER

Caso esse entendimento seja o majoritário, o advogado Luiz Antonio Franco, sócio trabalhista do escritório Machado Meyer, vê ainda outras indefinições. Uma possibilidade seria colocar em xeque todas as demissões sem justa causa recentes.

"Sem modulação, todas as demissões dos dois anos anteriores poderiam ser discutidas", afirma.

A modulação é a etapa em que o STF estabelece limites para aplicar um entendimento definido em um julgamento. O prazo de dois anos é a chamada prescrição, o tempo máximo, a partir do fim do contrato, para um trabalhador discutir judicialmente direitos.

O advogado Cassiano D'Angelo, sócio trabalhista do escritório Guadêncio, considera improvável que o Supremo finalize esse julgamento sem que haja uma modulação. Esses parâmetros podem incluir, por exemplo, a aplicação da regra apenas a grandes empresas, carreiras organizadas ou a partir de um certo número de funcionários.

É possível ainda, diz o advogado, que os ministros excluam a retroatividade da norma, e a obrigação da justificação só valeria para demissões futuras.

Na avaliação de Luiz Antonio Franco, a retomada da validade da Convenção 158 poderá gerar ainda uma segunda discussão, que poderá ou não ser contemplada pelo STF já no acórdão. A dúvida refere-se ao enquadramento dos tratados internacionais.

Atualmente, o entendimento é de que ele é uma norma supralegal e, nas questões de direitos humanos, tem o mesmo peso do texto constitucional. Quando esse caso começou a ser discutido, no entanto, o próprio STF entendia que havia necessidade de uma lei complementar regular aquilo que ainda não estivesse previsto na legislação (a convenção só valeria se a lei criasse a figura da demissão sem justificativa).

O QUE ACONTECE SE O CONGRESSO TIVER QUE ANALISAR A VALIDADE

Uma outra possibilidade é a admissão parcial da ação, segundo a qual o Congresso Nacional precisaria analisar o decreto assinado por FHC. Votaram nesse sentido o ministro Dias Toffoli e o ex-ministro Nelson Jobim.

Nesse caso, a dúvida seria referente ao intervalo entre a decisão do STF e a conclusão da análise pelos deputados e senadores.