Antes mesmo de ser eleito presidente do Brasil pela primeira vez em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva já visitava Portugal. Arquivos da RTP mostram o, até então, presidente do Partido dos Trabalhadores em encontro com políticos e sindicalistas na capital lusitana em 1989. Naquele momento, Lula da Silva tinha agenda com Carvalho da Silva (secretário-geral da CGTP), Pereira Lopes (presidente da UGT) e Rui Oliveira e Costa (UGT).

Entre os principais temas estavam as negociações em torno da candidatura à presidência do “país irmão” e os acordos comerciais entre Portugal e as demais nações latino-americanas.

Outra passagem emblemática de Lula a Portugal foi em 1995, onde o jornalista Jair Rattner relata, em matéria ao jornal Folha de S.Paulo, o encontro marcado entre o sindicalista brasileiro e os dirigentes do PSR (Partido Socialista Revolucionário), trotskista, além de uma visita à adega que, naquele período, era responsável pela produção do “Vinho do PT”, iniciativa do Núcleo de Lisboa para comemorar o 15º aniversário do partido. Outro fato curioso na reportagem foi a declaração de Manuel Pereira de Andrade, coordenador do Núcleo naquela época. Ele afirmava que a emissora estatal do país, a RTP, era a única que ainda não havia solicitado entrevista com Luiz Inácio.

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Jornal do Núcleo do PT em Lisboa de 1995


Mesmo com a mudança de direcionamento (no que diz respeito aos interesses geopolíticos), e, tendo o prévio sido mais voltado aos problemas reais da classe trabalhadora nos dois países, as relações entre Lula e os líderes políticos portugueses vêm sendo todas as vezes bastante amistosas. O 39º presidente brasileiro eleito em outubro sempre dialogou com representantes de vários níveis do governo português, seja em conversas com sindicalistas, em conferências para acordos bilaterais ou até mesmo durante encontros com lideranças em cimeiras internacionais.
 
A próxima visita de Lula da Silva marcará a reaproximação dos dois países depois de quase quatro anos de pouco diálogo, já que Jair Bolsonaro nunca visitou Portugal durante o seu mandato. Para Pedro Prola, atual coordenador do Núcleo do PT em Lisboa, essa será uma excelente oportunidade para “desbloquear relações” e limpar a imagem do Brasil pela ausência de uma verdadeira política externa.“

Bolsonaro agiu de forma humilhante ao colocar o presidente português ao lado do dono da Havan, Luciano Hang, que estava fantasiado no palco das comemorações do 7 de setembro”, relembra Pedro em referência à última visita de Marcelo Rebelo ao Brasil. Naquela altura, Bolsonaro se recusou a receber o Chefe de Estado português justamente por ele também ter se encontrado primeiro com Lula.Além dos interesses econômicos e comerciais que envolvem a América Latina e o Caribe, e, também, o BRICS com a União Europeia, é considerável ressaltar a importância de Portugal como um parceiro na comunidade de países lusófonos, fora a relevância da relação de ambos para a afirmação da língua portuguesa no mundo.

“As relações entre Brasil e Portugal são fundamentais pelos laços humanos, culturais e linguísticos que existem entre os dois países. São inúmeros brasileiros e brasileiras, portugueses e portuguesas (com dupla cidadania e familiares em ambas as nações) que trabalham e estudam entre os dois territórios. Não é por acaso que a maior comunidade imigrante em Portugal é brasileira”, afirma Pedro Prola, que ressalta, ainda, o quanto a conversa entre os dois países será fundamental para sanar os problemas existentes na vida dessas pessoas. “Como sempre ocorreu nos governos do PT, o compromisso de Lula é dialogar no âmbito das relações bilaterais para retomar e ampliar acordos, visando a melhoria das condições de vida e de direitos das populações migrantes de Portugal e do Brasil”, sublinha.

 
Mesmo sem a confirmação oficial da assessoria do primeiro-ministro a respeito do encontro no próximo dia 18 ou 19 de novembro, António Costa já havia declarado o seu apoio à candidatura de Lula da Silva no segundo turno das eleições. “O primeiro-ministro de Portugal, obviamente, não se pronuncia nem interfere nas eleições dos nossos irmãos brasileiros, mas o secretário-geral do PS, o amigo do Brasil, tem muitas saudades das relações de proximidade e de amizade entre Portugal e Brasil", disse Costa em um vídeo divulgado às vésperas do último pleito.

O  líder do PS voltou a fazer declarações otimistas em relação ao próximo governo do petista durante a sua participação na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas - COP27. "É com renovada esperança que se ouviu o Presidente eleito do Brasil, Lula da Silva, reafirmar o seu compromisso com o desmatamento zero da floresta amazônica", afirmou António Costa.

Xenofobia, condições laborais e a luta por dignidade em Portugal


Atualmente, são mais de 210 mil brasileiros residindo em Portugal, sendo que muitos não estão nessa lista oficial, pois encontram-se à espera da primeira Autorização de Residência na longa fila do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Estima-se que o número total de residentes com nacionalidade brasileira ultrapasse os 500 mil.

 
Já os últimos dados sobre os portugueses residentes no Brasil são de dezembro de 2021. Segundo o Relatório da Emigração, os lusitanos com destino ao país sul-americano representaram, em 2020, cerca de 2,1% do número total de 45 mil saídas para o estrangeiro. Em 2010, eram 138 mil portugueses vivendo no Brasil, sendo que esta soma em 2019 saltou para 218 mil (segundo o recenseamento automático daquele ano).

Entretanto, a quantidade expressiva na diferença de fluxo migratório, entre Brasil e Portugal nos últimos anos, revela que a precariedade e as condições de trabalho oferecidas aos imigrantes brasileiros acompanham o elevado número de novos residentes vindos do “país irmão”.

É comum encontrar relatos na imprensa de brasileiros e brasileiras lutando pelos seus direitos básicos, que, em muitos casos, faltam até mesmo aos próprios trabalhadores portugueses, esses que infelizmente têm sentido no dia a dia o crescimento da pobreza diante do governo do PS. Em detrimento do nome, o Partido Socialista tem sido um instrumento de criação de políticas públicas que beneficiam apenas os grandes grupos econômicos, sem a capacidade de resolver, de forma concreta, os problemas estruturais que atingem a classe trabalhadora em todo o país.

Também não se pode deixar de considerar em Portugal o crescimento das igrejas neopentecostais, que apoiaram e estiveram próximas do governo Bolsonaro durante esses quase quatro anos de mandato. Além disso, o alerta para o discurso xenófobo, capitaneado por líderes da direita portuguesa (muitas vezes pertencentes a partidos como a Iniciativa Liberal, o PSD ou o próprio partido de extrema-direita, Chega), é uma questão relevante a ser levantada nesta reabertura do “bom diálogo” que sempre se manteve entres os dois países durante os governos do PT no Brasil.

Outra observação de importância está ligada ao fato de Lisboa ter se tornado o maior colégio eleitoral fora do Brasil nesta última eleição, com mais de 45 mil brasileiros aptos a votarem. Em 2018, Bolsonaro havia ganhado de forma expressiva em Portugal. Em outubro deste ano, Luiz Inácio Lula da Silva venceu em todas as cidades portuguesas, recebendo, só na capital, mais que o dobro dos votos de Jair Messias.

Desde o impeachment contra Dilma Rousseff, em 2016, o Núcleo do PT em Lisboa, ao lado de várias ONGs e movimentos sociais formados por imigrantes (Coletivo Revolu, Fibra Internacional, Coletivo Andorinha, Vozes no Mundo Coimbra, Coletivo Alvito, Casa do Brasil, entre outros), permaneceram na luta para denunciar o golpe contra um governo legítimo, além de jogar luz às manobras do então juiz, Sergio Moro, à frente da Operação Lava Jato.

Diversos atos e eventos marcaram o histórico de muitos brasileiros em Portugal nos últimos seis anos. O principal intuito era o de esclarecer a comunidade internacional sobre as intenções golpistas contra o governo da ex-presidente Dilma, perpetuadas pelas forças econômicas em aliança direta com a imprensa hegemônica.

Posteriormente, as ruas de muitas cidades lusitanas permaneceram ocupadas durante a campanha pela liberdade de Lula da Silva através das manifestações “Lula Livre” e "Fora Bolsonaro” de norte a sul do país.

“Acredito que voltaremos a ter uma política externa construtiva do Brasil com o governo Lula devido à capacidade de diálogo que ele tem em seu compromisso com o desenvolvimento, com a justiça social, com a paz e com o meio ambiente. Com Lula o Brasil retornará ao seu lugar histórico de um país que ajuda a resolver conflitos ao invés de agravá-los ainda mais”, finaliza Pedro Prola.

 

Fonte:Brasil247