Mensagens com ameaças enviadas do Brasil para destinatários uruguaios, na véspera do segundo turno da eleição presidencial do Uruguai, estão sendo investigadas pelas autoridades do país vizinho.
 
Escritas em espanhol, as mensagens foram enviadas de pelo menos seis DDDs brasileiros com nove números identificados até o momento. Ainda não se sabe a quantidade exata de disparos, mas estima-se que foram "milhares" de envios. A população do Uruguai é de 3,4 milhões de habitantes.
 
"Está claro que os números são brasileiros. Isso chamou muito atenção. Acredito que isso ocorre para despistar a investigação que deve ser feita para tentar rastrear as mensagens que foram difundidas", disse à reportagem o advogado Leonardo Di Cesare, autor da denúncia.
 
O caso agora está sob responsabilidade do promotor Pablo Rivas, da 6ª Promotoria de Flagrantes de Montevidéu. O órgão confirmou à reportagem que está investigando as ameaças.
 
"Sabemos quem são e contamos com o seu voto e da tua família para salvar a pátria. É uma ordem! As ordens se acatam, e quem não o fizer será um traidor. Sabemos como tratar os traidores. A única opção é ganhar. Antes cair de costas que de joelhos. Seguimos em contato. Aguarde novidades. Começamos a voltar", diz o texto assinado pelo Comando Barneix.
 
A mensagem ordenava o voto em Luis Lacalle Pou (Partido Nacional) uma vez que ele era o candidato apoiado "pelo nosso comandante general do Exército Guido Manini Ríos", de acordo com o texto. Manini Ríos, que era autoridade máxima do Exército, foi expulso pelo presidente Tabaré Vásquez (Frente Ampla) em 2018 após declarações políticas, o que é vedado por lei.
 
O ex-militar foi candidato a presidente na última eleição, mas não chegou ao segundo turno. Lacalle Pou venceu por 1,2% diante do governista Daniel Martínez. O partido de Manini Ríos, entretanto, fará parte do governo.
 
A assinatura das mensagens pelo Comando Barneix deixou autoridades e ativistas dos direitos humanos em alerta. Isso porque o grupo é o mesmo que ameaçou 13 pessoas de morte em 2017.
 
O nome do grupo é uma referência a Pedro Barneix, general uruguaio que se suicidou em 2015 antes de ser preso após ser condenado pela morte do militante socialista Aldo Perrini, em 1974. Perrini morreu após tortura dos militares sob ordem de Barneix.
 
A cada suicídio pelo que consideram "processo injusto" pelos crimes cometidos por militares na ditadura, o Comando Barneix ameaçou matar aleatoriamente três pessoas da lista dos 13 ameaçados, entre eles o gaúcho Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), com sede em Porto Alegre.
 
"Todas essas pessoas ameaçadas em 2017 estavam vinculadas com a defensa de vítimas de delitos cometidos pela ditadura uruguaia. O que os militares querem é não ser processados", explica Krischke.
 
Krischke passou a ser alvo das ameaças porque colaborou com casos que acabaram em condenações de militares uruguaios na Justiça. Em 2010, Krischke ajudou a localizar o coronel uruguaio Manuel Cordero, foragido em Santana do Livramento, na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai.
 
Cordero foi extraditado e cumpre 25 anos de prisão na Argentina por violações aos direitos humanos na chamada Operação Condor, a ação conjunta das ditaduras da América Latina. O ativista também ajudou a localizar o militar Pedro Mato Narbondo, também em Livramento. Narbondo está foragido da Justiça uruguaia.
 
Em 2017, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu uma série de providências relativas à segurança dos ameaçados e cobrando investigação e punição. "Iniciaram uma investigação que até agora não tem resposta clara, sem responsabilização", diz o advogado Di Cesare.
 
"Com as novas mensagens, a questão de fundo é impunidade. A impunidade fez com que se sentissem encorajados, com que se sentissem à para ameaçar pessoas às vésperas de uma eleição", diz Krischke.