Depois do fracasso da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas em Madri (COP25) em estabelecer regras para um mercado global de carbono, a inspiração de avanço no desafio global da mudança do clima vem da liderança da União Europeia. O bloco de 28 países e 500 milhões de habitantes se prepara para adotar o Pacto Ecológico Europeu ou Green Deal. Até março do ano que vem, será divulgado o plano para a descarbonização da economia e a primeira Lei do Clima Europeia. O objetivo do bloco é ser o primeiro continente com emissões neutras até 2050. 
 
 
 
Para isso, a Comissão Europeia propõe elevar a meta de redução de emissão de gases poluentes de 40%, conforme compromisso do Acordo de Paris, para 55% até 2030, e criará um fundo de 100 bilhões de euros para cooperação. A presidente da Comissão Europeia, a alemão Ursula von der Leyen, quer mobilizar um trilhão de euros para os setores mais vulneráveis. O vice-presidente executivo da Comissão Europeia, o holandês Frans Timmermans, que vai coordenar o Pacto Ecológico, disse que, se necessário, a Europa vai proteger a indústria europeia das que não respeitam o Acordo de Paris. 
 
Em entrevista ao Correio, o embaixador da Comissão Europeia no Brasil, o espanhol Ignácio Ybañez, disse que a agenda comercial se aproxima, cada vez mais da agenda ambiental, por clamor da sociedade europeia e que, sem redução das taxas de desmatamento no Brasil, vai ficar mais difícil ratificar o acordo entre a União Europeia e o Mercosul, que levou 20 anos para ser assinado.  “Se há vontade política, o Brasil pode recuperar as cifras de desmatamento do passado, como já vimos.” Segundo Ybañez, em 2020, Brasília vai sediar o VIII Encontro de Cúpula Brasil-União Europeia.  
 
O que se espera com o Pacto Ecológico Europeu? 
Basicamente, a descarbonização da economia, um esforço para, finalmente, termos uma economia não poluente e que contribua na luta contra as mudanças climáticas. É a proposta da Comissão Europeia para o Conselho e o Parlamento europeu. Agora teremos um processo de exposição e negociação com os Estados-membros. 
 
Qual o nível de ambição? 
Muito grande. O objetivo é mudar a economia, ou seja, a forma como nos relacionamos com a produção e o consumo, o que inclui ações para biodiversidade, agricultura, floresta, alimentação e economia circular. É realmente uma mudança de conceito, e a aposta da União Europeia para transformar sua economia.
 
Então será preciso promover mudanças na produção. Há resistência internas? 
Alguns Estados-membros não vão conseguir alcançar algumas metas, mas a ambição é geral, de conjunto, e o componente meio ambiente tem sido muito grande em todas as orientações políticas dos países-membros, não apenas dos partidos verdes. Então, achamos que a demanda da sociedade europeia é ir nessa direção, e isso é o que dá força à proposta da Comissão. Claro que a situação de cada país não é a mesma, mas a orientação é muito clara. Outra coisa muito importante é que vamos continuar fazendo aposta no multilateralismo e que precisamos encontrar as soluções para os problemas globais exatamente onde estamos. De forma que, mesmo não estando satisfeitos com o resultado da COP, temos que continuar perseguindo soluções juntos. Ser os primeiros a fazer mudanças pode gerar  benefícios. Por exemplo, os países que começaram a fazer produção renovável há mais tempo são, hoje em dia, os que têm as empresas mais competitivas em todos os países. 
 
Como será a questão dos fundos de cooperação?  
Estamos finalizando as perspectivas financeiras. Como agora temos uma nova comissão desde a semana passada, estamos discutindo as perspectivas financeiras. Estamos nessa fase, que é um processo difícil, mas uma coisa boa da nova Comissão é o desejo de orientar os trabalhos na mesma direção. Queremos ter os componentes do Green Deal muito presentes em nossa relação bilateral com o Brasil.  
 
Como tem sido a relação com os maiores emissores de CO², que resistem a ampliar os esforços para reduzir as emissões? 
Com os Estados Unidos, as coisas são mais complicadas, porque eles já fizeram a sua escolha, que foi sair do Acordo de Paris, mas há estados que querem seguir ligados ao acordo e pretendem continuar trabalhando, é o caso da Califórnia. E, nas democracias, os países vão tendo eleições que podem provocar mudanças. E pode acontecer, como está acontecendo agora na União Europeia, que o discurso ambientalista passe a ser cada vez mais importante. Na China é diferente. Eles são defensores do acordo e acham que esse é um bom âmbito para cooperação. Como a China assume importância internacional cada vez maior, isso os obrigada a ser mais responsáveis. Tivemos muitas dificuldades na COP25 que, para nós, tinha que ter sido realizada aqui no Brasil, pois o país que organiza se compromete mais, mas o Brasil optou por não realizar. O Chile fez um excelente trabalho de liderança, mas as dificuldades internas não permitiram e tivemos que organizar em Madri em muito pouco tempo. E essas mudanças, claro, dificultaram. Continua depois da publicidade
 
 
 
Como foi a reação de Bruxelas ao posicionamento do Brasil na COP, de pedir compensações retroativas por gases não emitidos e financiamento?
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tinha nos dado a mensagem de que ele tinha o apoio do presidente para fazer o esforço da negociação, mas, ao final, o resultado não foi o esperado. É normal que todos coloquem suas posições, mas, também é preciso saber distinguir o que está sendo negociado. Se está sendo discutido um mecanismo para contabilizar o comércio de carbono, não se pode pensar em apoio internacional financeiro, pois isso não era parte da negociação. A pauta era o mercado de carbono. Assim é o processo das  COPs. São fixados instrumentos internacionais e vão sendo estabelecidos âmbitos em que se pode avançar. Se as partes querem reabrir acordos passados ou de outros âmbitos, ou fazer acordo bilaterais, não vai para frente, e isso bloqueia todo o mecanismo. Mas eu ainda não tenho as orientações sobre as percepções de Bruxelas em relação ao posicionamento do Brasil na COP25
 
Há muita expectativa em torno da ratificação do acordo assinado, em março, depois de 20 anos de negociação, entre o Mercosul e a União Europeia. Isso vai acontecer esse ano? 
Vai depender da finalização dos textos do acordo pelas duas partes, como as listas dos produtos, e também de alguns detalhes da parte institucional, por exemplo, em caso de um possível cancelamento do acordo. Esperamos a finalização para março, e, então,os textos serão públicos. Nesse momento, a Comissão Europeia fará uma proposta ao Conselho de ministros europeus sobre como será o processo de ratificação do acordo para a sua implementação. Isso ainda não está decidido, mas tudo indica que terá que ser ratificado não apenas pelo Parlamento Europeu, mas também por todos os 28 Estados-membros da União Europeia.
 
Há chance de esse acordo não ser implementado devido a questões ambientais? Já houve manifestações França, Irlanda e Áustria…
Sim. E é por isso que é muito importante que seja feita uma boa explicação sobre o acordo, sobretudo nessa parte da sustentabilidade e, para nós, é importante insistir que, realmente, este é um componente muito importante do acordo, já que o comércio não pode ir na direção contrária das aspirações ambientais da União Europeia e dos direitos dos trabalhadores. Há uma outra parte, que também é muito importante: a mensagem que estamos dando ao Brasil, e que não são propriamente do acordo, mas que vai ser muito importante no processo de ratificação, por exemplo, se continuamos a ter essas estatísticas de desmatamento no Brasil. Claro que isso terá uma influência muito forte nas capitais europeias quando forem discutir esse acordo. Por isso, estamos dando uma mensagem muito clara à parte brasileira de que é muito importante que já comecemos a ter boas notícias sobre esse componente, que vai se parte do acordo no futuro. Cada vez que temos uma notícia de aumento do desmatamento, é muito negativo. E se há vontade política, o Brasil pode recuperar as cifras de desmatamento do passado, como já vimos.