O Exército tem 123.000 membros, aproximadamente o mesmo contingente que a Espanha, quase um terço que o Brasil — o maior da região com 334.500 soldados — e menos de uma décima parte que dos EUA (1.359.450), segundo cifras do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês). Cerca de 100.000 militares venezuelanos estão incorporados ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica. Os 23.000 restantes formam a Guarda Nacional Bolivariana (polícia militar).
Mas há dúvidas sobre o real contingente de paramilitares do regime. O Governo chavista cifra em dois milhões os membros da Tropa Bolivariana, um corpo composto por civis e militares da reserva. O IISS calcula que mal superem 200.000, e Rocío San Miguel, especialista militar venezuelana, acredita que não passem de 20.000 os que realmente têm a formação necessária para combater. “Muitos são funcionários públicos. A maioria nunca disparou um só tiro. A inscrição é o único requisito, e fazê-lo é uma maneira rápida de entrar na máquina do regime”, argumenta San Miguel, que preside a ONG Controle Cidadão.
Também têm natureza paramilitar o Serviço de Inteligência Bolivariano (SEBIN), que é a polícia política do chavismo, e as Forças Especiais da Polícia (FAES), um órgão criado em 2016 e responsável por parte da violência exercida sobre os opositores.
A transformação
A irrupção do chavismo, em 1999, foi acompanhada de uma profunda renovação das Forças Armadas. "Transformaram-se em fiadores da revolução", comenta San Miguel por telefone, de Caracas. A transformação se acelerou em 2006 com o embargo armamentista imposto pelos EUA, até então seu principal fornecedor de armas, junto à Itália e o Reino Unido. O bloqueio de Washington forçou Hugo Chávez a procurar na Rússia seu novo sócio estratégico. Com o preço do petróleo disparando, o mandatário lançou essa relação bilateral com acordos multimilionários para a compra de armamentos.
De fabricação russa são os aviões de combate mais sofisticados (Su-30) do Exército venezuelano, e os sistemas de defesa antiaérea (S-300) e a maioria de seus tanques e helicópteros. Em 2006, frente à necessidade de expandir uma indústria armamentista quase inexistente, decidiu-se com Moscou a instalação de uma fábrica Kalashnikov na Venezuela, cujo planejamento foi adiado inúmeras vezes em meio a suspeita de malversação de recursos. O Executivo de Vladimir Putin enviou há algumas semanas uma centena de soldados “especialistas” à Venezuela, embora nunca se tenha esclarecido o que estão fazendo no país.
Depois de consolidar a relação militar com Moscou, Caracas começou a estreitar laços com Pequim. O Exército chinês participou — como o russo e o cubano — de manobras militares realizadas em território venezuelano. Depois que a Espanha suspendeu a venda de material antimotins a Caracas em 2014, milhares de capacetes, coletes à prova de balas e bombas de gás lacrimogêneo fabricados na China chegaram à Venezuela. De lá o regime importou também lança-foguetes, torpedos e aeronaves de transporte, treinamento e combate ligeiro.
Outros aliados
Belarus, Irã e Turquia são outros aliados da Venezuela de menor importância estratégica. Dezenas de cadetes venezuelanos se graduaram na Academia Militar de Minsk, e o regime chavista comprou de Alexander Lukashenko óculos de visão noturna e miras a laser. Teerã forneceu drones, além de anunciar em dezembro a intenção de enviar neste ano um navio de guerra às costas venezuelanas. Durante sua visita a Caracas em dezembro passado, o mandatário turco, Recep Tayyip Erdogan, destacou os avanços na cooperação militar entre ambos os países, embora sem nenhum anúncio concreto até o momento.
A crise econômica decorrente da queda do preço do petróleo afetou a capacidade do Governo de sustentar seu gasto em armamento. Segundo dados do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (SIPRI), o país não importou nenhuma arma nos últimos dois anos. Mas a situação do Exército nem sempre foi tão precária. Um relatório do instituto publicado em abril sobre o papel do Exército na Venezuela afirma que desde 1958 as Forças Armadas negociaram seu apoio ao Governo em troca de dinheiro, poder e prestígio. A Administração de Hugo Chávez (1999-2013) fortaleceu sua posição. O presidente levou militares a cargos graduados no Governo e lançou programas que permitiram a modernização de seu armamento. O gasto militar nesse período alcançou seu nível máximo, e em 2006 chegou a superar o do Brasil. O artigo 328 da Constituição da República Bolivariana da Venezuela, aprovada em 1999, atribuiu aos militares “a manutenção da ordem interna e a participação ativa no desenvolvimento nacional”. Também o artigo 236 concedeu a Chávez o direito a aprovar a promoção de coronéis e capitães, o que na prática serviu para expurgar dissidentes e promover oficiais leais, muitos dos quais acabaram em posições importantes em empresas estatais. Segundo dados da Transparência Venezuela citados no relatório, 60 das 576 empresas públicas são dirigidas por militares. Essa militarização do Governo continuou com Maduro, e em janeiro deste ano, antes da remodelação ministerial realizada por causa da crise política, 9 das 32 pastas do Gabinete eram dirigidas por oficiais.
Uma cúpula maior do que toda a da OTAN
Outra das peculiaridades de suas Forças Armadas é sua enorme cúpula, com mais de mil generais e almirantes, mais do que toda a OTAN. San Miguel diz que a maioria deles chegou à principal patente na última década, e que muitos têm pouco mais de 50 anos. A especialista também afirma que apesar da corrupção estendida entre a cúpula militar, ela não chega a todos do alto escalão.
O pedido à mobilização do Exército na terça-feira colocou à prova a força da instituição. “Há uma divisão entre os oficiais de alto escalão e os soldados rasos. A maioria dos oficiais de alto escalão apoia Maduro, enquanto cresce o número de soldados que estão do lado de Guaidó”, diz o pesquisador do SIPRI Nan Tian. “Evidentemente, existem os que são leais a Maduro e isso tem a ver com o fato de que cometeram crimes (frequentemente violações de direitos humanos) e, portanto, se Maduro perder o poder, serão processados”, diz por e-mail. Justamente para conseguir o apoio desses militares, a Assembleia da Venezuela redigiu em janeiro uma lei de anistia para militares e civis chavistas que colaborarem no “restabelecimento da ordem constitucional”.
“Os militares exerceram o papel de agentes de uma política de repressão onde o uso excessivo da força foi a norma e causou mortes”, afirma a diretora para as Américas da Anistia Internacional, Erika Guevara-Rosas, que se refere também à função social do Exército. A Guarda Nacional é a encarregada de distribuir comida subsidiada. “Isso funcionou como um controle social, os alimentos são destinados a quem o Governo escolher”.