SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Justiça do Paquistão soltou um estuprador do presídio depois que ele aceitou se casar com a vítima, informou a agência de notícias AFP nesta quarta-feira (28). A decisão, acordada com a família da mulher, reforça o histórico de impunidade no país asiático em casos desse tipo.

Dawlat Khan, 25, foi condenado em maio a prisão perpétua por um tribunal de Buner, na província de Khyber-Pakhtunkhwa, pelo estupro de uma mulher com deficiência auditiva. Ele já havia sido preso semanas antes, quando a vítima comprovou que Khan era o pai biológico do bebê que tivera meses antes.

Desde então, a defesa tentava um acordo extrajudicial com a família da vítima, mediado por um conselho de anciãos. Em áreas rurais, esses órgãos, conhecidos como 'jirgas', são formados por idosos e seguem um código moral -as decisões não têm valor jurídico, mas são levadas em conta pelos tribunais.

Na segunda, a Suprema Corte de Peshawar, capital da província onde o crime ocorreu, aceitou o pacto mediado pelo conselho e decidiu pela libertação de Khan. "O estuprador e a vítima são da mesma família", disse à AFP Amjad Ali, advogado de Khan, referindo-se ao agora status de marido e mulher dos dois.

A decisão provocou indignação de ativistas dos direitos humanos, que afirmaram que o episódio legitima a violência sexual contra as mulheres num país onde a maioria dos estupros não é denunciada.

Investigação da TV Samaa, uma das principais emissoras do país, apontou que 21,9 mil mulheres foram estupradas no Paquistão de 2017 a 2021, ou seja: uma paquistanesa é estuprada a cada duas horas.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher foi estuprada, em média, a cada dez minutos no Brasil em 2021. A diferença se daria pelo receio das paquistanesas em denunciar o crime.

Devido à vergonha social associada, poucos casos são registrados, e as baixas taxas de condenação são, em parte, resultado de erros das investigações, más técnicas de acusação e acordos extrajudiciais.

De acordo com a Asma Jahangir Legal Aid Cell, grupo que presta assistência jurídica a mulheres vulneráveis, a taxa de condenações por estupro fica abaixo de 3% dos casos que vão a julgamento. Em 2020, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) colocou o Paquistão em primeiro lugar entre os 75 países com viés antimulheres nos tribunais de Justiça.

"Este caso significa a aprovação do estupro, da facilitação de estupradores e da mentalidade do estupro pelo tribunal", afirmou Imaan Zainab Mazari-Hazir, advogada e defensora dos direitos humanos. "É algo contrário aos princípios básicos de Justiça e da lei do país, que não reconhece tal acordo", completou.

A Comissão de Direitos Humanos do Paquistão, por sua vez, declarou-se horrorizada com a decisão.