Após dez anos consecutivos de alta, a taxa de mortalidade por suicídio nos Estados Unidos, considerando a faixa etária que abrange desde as crianças de 10 anos até os jovens de 24, ultrapassou pela primeira vez a marca dos dois dígitos. Em 2017, o país registrou 10,6 suicídios a cada 100 mil habitantes. Em comparação, a taxa de homicídios caiu após dois anos de alta, e ficou em 7,9 por 100 mil habitantes.

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Naquele ano, 6.769 moradores dos EUA nessa faixa etária tiraram suas vidas – 517 deles tinham entre 10 e 14 anos. Os dados foram publicados nesta semana pelo Centro Nacional de Estatísticas da Saúde (NCHS, na sigla em inglês).
 

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No Brasil, os dados mais recentes são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que estima que, em 2018, 11.314 pessoas de todas as idades cometeram suicídio. A taxa média nacional é de 5,4 a cada 100 mil habitantes. Considerando a população mais nova, entre 2000 e 2012 o aumento foi de 65% entre pré-adolescentes de 10 a 14 anos e de 45% entre adolescentes de 15 a 19. O Ministério da Saúde estimou que, em 2016, o país tenha registrado um caso de suicídio a cada 46 minutos.

 

Suicídio x homicídio
 
O estudo com dados específicos dos Estados Unidos foi feito pelas pesquisadoras Sally C. Curtin e Melonie Heron, da Divisão de Estatísticas Vitais do NCHS. Segundo elas, "a taxa de suicídio entre pessoas de 10 a 24 anos ficou estável entre 2000 e 2007, e depois aumentou 56% entre 2007 e 2017", de 6,8 para 10,6 a cada 100 mil habitantes.
 

 

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Compare acima as taxas de suicídios e homicídios nos Estados Unidos entre crianças de 10 anos e jovens de 24; em 2017, foram 10,6 suicídios por 100 mil habitantes e 7,9 homicídios a cada 100 mil pessoas — Foto: Ana Carolina Moreno/G1


Os dados foram analisados também entre os três grupos que compõem essa parcela demográfica: as crianças e pré-adolescentes de 10 a 14 anos, os adolescentes de 15 a 19 anos e os jovens de 20 a 24 anos.


As pesquisadoras ressaltaram que as taxas de suicídio são mais altas que as de homicídios em todos os três grupos dentro dessa faixa etária, e é atualmente a segunda causa de morte mais frequente em todos eles.


No caso dos adolescentes e dos jovens, o homicídio está em terceiro lugar na lista de motivos que mais matam. Já entre as crianças de até 14 anos, a taxa de homicídios caiu 18% desde 2000, e atualmente é a quinta principal causa de morte – as demais causas de morte são, por exemplo, as doenças ou acidentes. Em 2017, 178 pessoas com idade entre 10 e 14 anos foram vítimas de homicídio no país.

 

Gráfico mostra a variação nas taxas de suicídio e homicídio desde 2000 nos EUA para cada faixa etária do estudo — Foto: Ana Carolina Moreno/G1
 

Geração da solidão
 
Segundo especialistas brasileiras em suicidologia consultadas pelo G1, os números não são necessariamente surpreendentes porque acompanham uma tendência de vários anos.


"[O número] não surpreende, mas ele choca, de a gente poder pensar por que crianças dessa idade estão pensando em morrer", afirmou Karen Scavacini, cofundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio.


O fato de que a taxa de homicídio seja mais baixa entre as crianças, ou esteja em declínio em um país desenvolvido como os Estados Unidos, também segue uma tendência já esperada – a violência urbana costuma ser mais alta entre adolescentes e jovens, por exemplo.


A psicóloga Karina Okajima Fukumitsu, especialista em prevenção e posvenção ao suicídio, explica que, "quando queremos compreender os processos destrutivos, devemos atentar para a direção da agressividade, ou seja, quando a agressividade se volta contra si, o suicídio acontece. E, quando a agressividade se volta para fora, os homicídios acontecem".
 

Se essa autodestruição afeta as gerações mais jovens, Karina diz que isso vai no contrafluxo do desenvolvimento humano. "A gente pensa que a criança e o adolescente seriam o futuro da nação, como a gente normalmente fala. O suicídio é uma morte que afronta o instinto de sobrevivência que teoricamente um adolescente poderia ter."
 

As especialistas dizem que o suicídio é um fenômeno influenciado por uma série de fatores, e por isso não é simples reduzi-lo a uma única explicação. Porém, no caso da geração atual de crianças, adolescentes e jovens adultos, alguns fatores poddem ser o isolamento e falta de vínculos sociais, o uso excessivo e negativo da tecnologia e o preconceito que a saúde mental ainda sofre na sociedade, refletido também na falta de políticas públicas.
No caso dos adolescentes e jovens, o uso abusivo de álcool e drogas também é citado, pois eles podem potencializar transtornos mentais.
 

"Não posso generalizar para todos os jovens, mas, se a gente olhar essa geração como um todo, tem muitos jovens que não veem sentido em viver", afirmou Karen Scavacini, do Vita Alere. "Isso é muito grave, eles não entendem o porquê de a gente precisar passar por tristeza, porque a gente passa por coisas difíceis, e não têm esperança de que possa mudar."
 
 

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Karina Fukumitsu, que neste ano colaborou na elaboração da "Campanha nacional de prevenção ao suicídio e à automutilação de crianças, adolescentes e jovens", do governo federal, diz que é "imprescindível" ampliar a conscientização para o problema de saúde pública e das redes de cuidados a vários grupos de pessoas. Não só as que tentam suicídio, mas também "aos sobreviventes, enlutados pelos suicídios e às pessoas que apresentam comportamento autolesivo", com planos de intervenção nos núcleos de assistência.


Para ampliar o número de profissionais qualificados para lidar com o fenômeno do suicídio, as duas especialistas lançaram, neste ano, os dois primeiros cursos de especialização em prevenção ao suicídio no Brasil.
 

Ligação gratuita
 
O CVV é uma associação civil sem fins lucrativos que trabalha com prevenção ao suicídio, por meio de voluntários que dão apoio emocional a todas as pessoas que querem e precisam conversar. Eles recebem treinamento adequado e não precisam ter formação em psicologia. Todas as ligações são sigilosas.

As ligações de prevenção de suicídio feitas para o Centro de Valorização da Vida (CVV), por meio do número 188, passaram a ser gratuitas para todo o Brasil desde 2018, após assinatura de um convênio com o Ministério da Saúde.