O Talibã seguia, nesta sexta-feira (3), preparando a formação de um governo no Afeganistão que será submetido a intenso escrutínio internacional para ver se cumpre as promessas de maior tolerância, especialmente em relação às mulheres.

O anúncio do gabinete era esperado inicialmente após a oração desta tarde, mas não será feito até sábado (4) pelo menos, informou um porta-voz do Talibã à AFP.


O movimento radical islâmico enfrenta o desafio de deixar de ser um grupo insurgente para administrar o poder, poucos dias depois da retirada final das tropas americanas, o que encerrou duas décadas de guerra. 


No entanto, o grupo continua lutando para apagar a última chama de resistência no vale do Panshir, que resistiu por uma década à ocupação da União Soviética e também ao primeiro governo do Talibã entre 1996 e 2001.


Ali Maisam Nazary, um porta-voz da resistência em Pashir, disse nesta sexta-feira que houve novos ataques das forças talibãs durante a noite.


Tiros comemorativos foram ouvidos em Cabul na noite de sexta-feira, quando rumores se espalharam de que o vale havia caído, mas o Talibã não fez nenhuma declaração oficial e um residente local disse à AFP por telefone que os rumores eram falsos.


Os combatentes do Frente Nacional de Resistência (FNR), formado por milícias anti-Talibã e antigas forças de segurança afegãs, têm grandes reservas de armas no vale, localizado a cerca de 80 km ao norte de Cabul.


Contas do Twitter pró-Talibã divulgaram vídeos que afirmavam que os combatentes do novo regime retomaram os tanques e outros equipamentos militares pesados.


Enquanto a maioria da comunidade internacional adotou uma abordagem de cautela e receio com os novos líderes, há alguns indícios de interação por parte de alguns países.


A China confirmou a informação de um porta-voz do Talibã, segundo a qual o ministério das Relações Exteriores chinês se comprometeu a manter aberta sua embaixada em Cabul e a melhorar suas relações.


"Esperamos que os talibãs estabeleçam uma estrutura política inclusiva e aberta, promovam uma política interna e externa moderada e estável e rompam com todos os grupos terroristas", disse o porta-voz do ministério das Relações Exteriores chinês, Wang Wenbin.


Já os países da União Europeia (UE) decidiram se coordenar para manterem uma presença em Cabul, com o objetivo de facilitar as retiradas daqueles que desejam sair do país, caso as condições de segurança permitam.


As Nações Unidas anunciaram a retomada de seus voos humanitários, que partirão do Paquistão para as cidades de Mazar-i-Sharif (norte) e Kandahar (sul). 


A companhia aérea local Ariana retomou seus voos nesta sexta-feira e os Emirados Árabes Unidos enviaram um avião com "ajuda médica e alimentar urgente".


Além disso, as empresas Western Union e Moneygram reativaram seus serviços de transferência de dinheiro no país, dos quais muitos destinatários afegãos de remessas de parentes emigrados dependem. 


O Catar espera estabelecer corredores humanitários nos aeroportos afegãos em 48 horas, segundo o emissário de Doha para o Afeganistão disse à rede Al Jazeera nesta sexta-feira.


Os novos líderes afegãos prometeram um regime mais aberto do que aquele que lideraram entre 1996 e 2001, marcado pela aplicação brutal da lei islâmica e pelo tratamento dispensado às mulheres - proibidas de estudar, trabalhar e de sair sem a companhia de um homem.


- 'Não temos medo' -
A atenção se volta agora para ver se o Talibã consegue formar um governo capaz de dirigir uma economia devastada pela guerra, assim como honrar suas promessas de um governo "inclusivo". 


Há muita especulação sobre sua composição, embora um alto funcionário tenha dito esta semana que dificilmente incluirá mulheres.


Na cidade de Herat, no oeste do país, cerca de 50 mulheres saíram às ruas na quinta-feira (2), em um protesto incomum para reivindicar seu direito ao trabalho e criticar a exclusão das mulheres do novo governo. Elas também protestaram em Cabul.


"É nosso direito ter educação, trabalho e segurança", gritaram as manifestantes em uníssono. "Não temos medo, estamos unidas", acrescentaram.


"Queremos que o Talibã aceite falar conosco", disse uma das organizadoras do protesto, Basira Taheri, à AFP.


Os direitos das mulheres são apenas um dos múltiplos desafios do novo governo. Em Cabul, muitos cidadãos se preocupam com as dificuldades econômicas do país.


"Com a chegada do Talibã, pode-se dizer que há segurança, mas os negócios estão abaixo de zero", disse à AFP Karim Khan, dono de uma loja de eletrônicos. 


No entanto, nesta sexta-feira Cabul apresentava sinais de normalidade, onde uma sala ficou lotada para assistir aos melhores jogadores de críqueteno do Afeganistão em uma partida, com bandeiras talibãs e afegãs balançando uma ao lado da outra.