“A imigração pode decidir o destino da UE”, alerta a chanceler Angela Merkel

Fonte:EL PAÍS
Bruxelas

A Europa esboça os primeiros compromissos para reduzir a tensão migratória. Após as ameaças da Itália de emperrar a cúpula da UE, que começou nesta quinta-feira em Bruxelas, cinco países mediterrâneos – a própria Itália mais França, Espanha, Grécia e Malta – costuraram nesta noite um princípio de acordo para compartilhar a gestão dos fluxos migratórios. Esses países defendem a criação, dentro da Europa, do que chamam de “centros controlados”, para onde seriam transferidos estrangeiros que chegam de forma irregular às áreas de maior pressão. A Espanha é um dos candidatos a abrigar um desses centros. A ideia gera desconfiança no Leste europeu.

França e Espanha lideram uma proposta para solucionar o labirinto da crise migratória, com um compromisso que permitiria desembaraçar o futuro político da chanceler alemã Angela Merkel e reduzir as pressões do Governo populista na Itália. Os cinco países mediterrâneos propõem a criação de centros para onde seriam transferidos os imigrantes que chegam à Europa a fim de avaliar se são refugiados ou irregulares (que podem ser devolvidos aos seus países de origem). Segundo o plano, alguns países se disporão a abrigar esses novos centros para aliviar a situação na Itália e na Alemanha. A Espanha e a Grécia, de acordo com as fontes consultadas, são candidatas firmes. A iniciativa teria “total apoio da UE”, de acordo com o texto provisório negociado pelos Vinte e Oito.

A imigração abala a agenda europeia no momento de menor pressão migratória desde a crise de 2015: naquele ano, mais de um milhão de imigrantes entraram na Europa; até agora, em 2018, apenas 43.000, segundo dados do ACNUR. Não importa: as tensões políticas na Alemanha, com um Governo que está por um fio devido ao movimento de refugiados, e o ardor do discurso anti-imigração na Itália esquentaram a atmosfera da cúpula de chefes de Estado e de Governo na quinta-feira, focada principalmente nessa questão. O começo foi contundente. “A imigração pode decidir o destino da União Europeia”, disse a chanceler Angela Merkel, também ciente de que o seu destino está em jogo. Merkel está forjando os primeiros acordos com países europeus para compartilhar a responsabilidade pelos imigrantes. A Itália, no entanto, ameaçou vetar o resultado do Conselho Europeu se falhar em seu propósito: que outros países também se encarreguem dos estrangeiros que chegam ilegalmente ao seu território.

Nessa cúpula do tudo ou nada, os líderes se aferraram a uma das poucas ideias que suscitam – com nuances – um consenso. Trata-se das plataformas de desembarque que a União Europeia quer financiar fora de suas fronteiras, destinadas a receber os imigrantes que embarcam na perigosa travessia para o solo europeu. Os governantes pretendem dar o aval político para que essa ideia, sobre a qual há muito mais dúvidas do que certezas, comece a se materializar. A única coisa certa é que só poderão ser transferidas para lá pessoas resgatadas fora das águas territoriais da Europa. O imigrante que chegar a águas europeias deverá ser levado para um porto da UE.

Merkel mencionou esse modelo assim que chegou à cúpula. “Podemos falar sobre o desembarque de navios em outros países, por exemplo, no Norte da África. Mas precisamos conversar com esses países, não podemos fazer isso pelas costas”, argumentou. A líder alemã estava tentando, com isso, se antecipar a possíveis desconfianças dos países - do Norte da África, segundo diplomatas – candidatos a abrigar essas plataformas. Marrocos já rejeitou a possibilidade. O Conselho, que representa os Estados-Membros, pretende iniciar conversações “o quanto antes” para encontrar possíveis aliados.

Ampliando um pouco espectro, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse: “Há trabalho a fazer fora das fronteiras da Europa, nas fronteiras e dentro da Europa, com base em dois princípios: responsabilidade e solidariedade”, resumiu. Além disso, o líder do Governo espanhol, Pedro Sanchez, aludiu a esses dois pilares e pediu que se pratique a solidariedade com a Alemanha, destino da maioria dos refugiados que chegaram à Europa entre 2015 e 2016. Algo que Berlim só fez a conta-gotas durante a crise do euro.

Paris e Madri, o novo núcleo duro da Europa, visam salvar a cabeça de Merkel. Roma, porém, parece disposta a torpedear a cúpula se suas propostas não forem ouvidas. “A UE deve transformar as declarações de solidariedade em fatos concretos; caso contrário, o veto é uma possibilidade”, disse o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte.

No passado, a UE já contemplou várias vezes a possibilidade de estabelecer uma instalação externa para conter os imigrantes do outro lado do Mediterrâneo. Sem chegar a fixá-la, esse é o espírito que inspirou as políticas migratórias da UE nos últimos anos, com fundos adicionais para financiar políticas de repatriação voluntária dos imigrantes e também para a contenção direta do fluxo, por exemplo, treinando a guarda costeira da Líbia e fornecendo-lhes material. “Mas o bloco europeu encontrou agora a chave para aprofundar essa possível infra-estrutura: o aval das Nações Unidas. Duas agências da ONU – a dos refugiados, ACNUR, e a das migrações, OIM - escreveram na quarta-feira aos presidentes da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e do Conselho Europeu, Donald Tusk, para apoiar o projeto. Esses organismos continuam defendendo a realização dos desembarques no lugar mais seguro da UE “e potencialmente outros lugares” .

Plataformas e máfias

Mais do que criar uma macrocentro para atender aos migrantes e esclarecer ali quem tem direito a asilo e quem não tem, Bruxelas tem a expectativa de que a menção a essa plataforma, mesmo antes de construí-la, desencoraje as máfias de tráfico humano. A razão é que, não havendo a perspectiva de chegar ao clube europeu, a rota deixará de ser interessante. É nisso que confiam os promotores dessa ideia. Fontes do Conselho citam como exemplo o acordo assinado com a Turquia em 2016, que reduziu drasticamente as chegadas de refugiados sírios ao litoral grego porque foi anunciado que todos seriam devolvidos à Turquia, onde teriam proteção equivalente à europeia.

Consciente de que todas as propostas que geram adesões são mais de contenção migratória do que de gestão dos fluxos, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, se defendeu atrás do risco de vitória dos discursos mais radicais. “Alguns podem pensar que sou muito duro em minhas propostas. Mas acreditem, se não chegarmos a um acordo sobre isso, vocês verão propostas realmente duras de caras realmente duros”, declarou.

Dentre todas as intervenções, nenhuma foi tão dura a como primeiro-ministro húngaro, o ultraconservador Viktor Orbán. “Faremos o que as pessoas realmente estão pedindo: chega de imigrantes na UE e os que já estão aqui devem ser expulsos”, proclamou, depois de defender sua afirmação de que a Europa está vivendo uma “invasão” com a chegada de imigrantes irregulares.

A União Europeia tem sido sempre uma ideia em busca de uma realidade. Durante os últimos 10 anos a realidade foi muito cruel: uma crise praticamente existencial que esteve a ponto de estilhaçar o projeto europeu. Mas as grandes crises são, afinal, políticas: indefectivelmente políticas. E lá, na política, acabou a policrise europeia: a histeria política de líderes como Orbán não tem base real. O fluxo migratório despencou de mais de um milhão de entradas em 2015, para menos de 50.000 até agora em 2018.

MERKEL NEGOCIA ACORDOS BILATERAIS

No pior momento da crise do euro, a chanceler alemã Angela Merkel, apoiada por Bruxelas e Frankfurt, pressionou pela queda de pelo menos dois Governos: o do italiano Silvio Berlusconi e o do grego Yorgos Papandreou. Os estertores da crise migratória colocaram Merkel na berlinda: a chanceler manobrava nesta quinta-feira à margem da cúpula para conseguir acordos bilaterais para salvar a bola do jogo em casa. Espanha e França estão próximas desse acordo. Até mesmo a Grécia deu luz verde a Merkel.