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Numa carta privada dirigida pessoalmente a Bolsonaro, com data de 29 de junho de 2018, o então embaixador britânico no Brasil, Vijay Rangarajan, convida o candidato presidencial para sua própria residência para um encontro com uma série de “parceiros estratégicos” no Brasil. Estes parceiros incluem a multinacional farmacêutica britânica AstraZeneca, bem como as gigantes extrativistas britânicas BP, Shell e Anglo American.
A publicação do documento chega num momento crucial. Bolsonaro colocou quase todas as esperanças no programa de vacinação para o Brasil na vacina desenvolvida por um consórcio justamente entre a Universidade de Oxford e a Astrazeneca. Depois que quase 200.000 brasileiros morreram do vírus, o segundo maior número globalmente, seu aparente investimento pessoal no imunizante da Oxford/AstraZeneca foi descrito como “homicidamente negligente” e “absurdo”.
A aparente confiança total de Bolsonaro na vacina da gigante farmacêutica britânica levanta uma séria questão: os esforços de lobby britânicos provocaram um acordo amoroso e desastroso com a empresa?
Parceiros estratégicos
Em março de 2020 o Brasil Wire revelou detalhes básicos de reuniões e correspondências previamente não divulgadas entre altos funcionários britânicos e Jair Bolsonaro antes, durante e depois da campanha eleitoral de 2018. Essas reuniões levantaram preocupações, dadas as declarações abertas de Bolsonaro a favor da ditadura, tortura e violência contra as comunidades indígenas no Brasil.
O primeiro encontro entre o então deputado e o embaixador ocorreu em 10 de abril de 2018, seis meses antes da eleição, e contou com a presença também de outros nomes. Ainda em 9 de abril de 2018, um dia antes, a então secretária-chefe do Tesouro, Liz Truss, partiu para o Brasil em visita oficial para discutir “livre comércio, livre mercado e oportunidades pós-Brexit”.
O Tesouro bloqueou um pedido de liberação de informação sobre as atividades da Liz Truss no Brasil e o Foreign and Commonwealth Office (FCO) – o Ministério de Relações Exteriores – se recusou a divulgar qualquer dado adicional sobre suas reuniões com Bolsonaro. O FCO levou oito meses completos para atender à solicitação inicial de acesso à informação.
No entanto, o Brasil Wire agora pôde revelar uma motivação fundamental por trás das reuniões de Bolsonaro com autoridades britânicas antes das eleições de 2018.
Em 29 de junho de 2018, Rangarajan deu sequência à sua reunião de abril com uma carta privada para Jair Bolsonaro sobre os “parceiros estratégicos” do Reino Unido no Brasil. “Deputado Bolsonaro”, diz a carta, “foi um grande prazer conhecê-lo e iniciar nossa conversa em abril deste ano. Gostaria de convidar você para um café da manhã, ou almoço, em minha residência, com os maiores investidores britânicos no Brasil, no horário que mais lhe convier ”.
O primeiro na lista de investidores britânicos é a gigante farmacêutica AstraZeneca. Entre os outros investidores estão as gigantes da mineração BP, Shell e Anglo American, além das empresas de armas e segurança Rolls-Royce e G4S, assim como a fabricante de veículos Jaguar Land Rover e a companhia aérea British Airways.
Os convidados para a reunião incluíam Bolsonaro, Rangarajan e representantes seniores dos tais parceiros estratégicos. “No total, não mais de 20 pessoas, para permitir uma discussão fluida”, conclui Rangarajan no convite, onde frisa, no final (em relação a Bolsonaro): “Espero encontrá-lo novamente”.
Em novembro de 2018, Bolsonaro e Rangarajan se encontraram mais uma vez, ao lado de dois dos filhos do agora presidente, do futuro vice-presidente Hamilton Mourão e do general Augusto Heleno, entre outros “anônimos” e nomes redigidos. O FCO também se recusou a fornecer quaisquer detalhes sobre esta reunião.
O Reino Unido estava, portanto, fazendo lobby com um candidato neofascista em nome de grandes empresas farmacêuticas e petrolíferas britânicas na corrida para uma das eleições mais polêmicas do Brasil desde o fim da Ditadura Militar (1.964-1.985). De fato, a eleição foi o resultado de um golpe lento, após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e da prisão do líder político e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em abril de 2018.
O Brasil Wire também obteve e-mails privados entre Rangarajan e autoridades brasileiras nos anos que antecederam as eleições de 2018. Um e-mail enviado em abril de 2017, com o título “Briefing [redigido] Shell”, observa que “os parceiros estratégicos, liderados por Vijay, encontraram o candidato à presidência [redigido] em São Paulo, no dia 22 de junho”.
Não foi possível confirmar se o nome redigido no e-mail de 2017 é o de Jair Bolsonaro, ou de outro candidato presidencial.
Embora Bolsonaro ainda não tivesse anunciado formalmente sua candidatura em junho de 2016, o Brasil Wire teve conhecimento, em primeira mão, que o antecessor de Rangarajan, o embaixador do Reino Unido, Alex Ellis, estava em comunicação com ele desde 2014.
Petróleo britânico e mineração
Esses esforços de lobby estão de acordo com uma campanha de pressão britânica anterior. Em novembro de 2017 o ministro de Estado do Comércio Internacional, Greg Hands, pressionou o ministro de Minas e Energia do Brasil, Paulo Pedrosa, para “enfraquecer as leis tributárias e ambientais e as políticas de contratação locais”, para assim promover os interesses das mineradoras britânicas.
Bolsonaro também provou ser um presidente lucrativo para muitas das empresas britânicas listadas no convite de Rangarajan. A gigante mineradora britânica Anglo American fez mais de 300 solicitações de pesquisa para explorar 18 territórios indígenas na Amazônia, alguns dos quais abrigam povos isolados. Este é apenas um episódio da corrida transnacional para explorar a região desde que Bolsonaro chegou ao poder.
Em 2018, a Shell e a BP – com quem o embaixador do Reino Unido no Brasil se reuniu mais de vinte vezes desde 2017 – já haviam acumulado 13,5 bilhões de barris de petróleo brasileiro, mais do que a própria empresa do país, a Petrobras, e por apenas uma fração do custo.
Resposta ao coronavírus “homicida negligente” de Bolsonaro
O Brasil sofreu o segundo pior número de taxas de mortalidade de Covid-19 do mundo. Bolsonaro tem sido criticado no Brasil e internacionalmente por contar apenas com a vacina Oxford/AstraZeneca que, ao contrário de outros imunizantes, ainda não está pronta para produção. Em 3 de dezembro de 2020 o governo federal comprou 100 milhões de doses da vacina da farmacêutica AstraZeneca por R$ 1,9 bilhão (US$ 360 milhões).
Enquanto isso, o governo Bolsonaro recusou-se continuamente a assinar contratos com a norte-americana Pfizer e com a chinesa Sinovac – que já estão produzindo vacinas. A Sinovac ainda tem um produto desenvolvido e testado em colaboração com o renomado Instituto Butantan, de São Paulo, mas esta via promissora tem sido constantemente rejeitada pelo presidente.
No dia 16 de dezembro, por ordem do Supremo Tribunal Federal do Brasil, o governo Bolsonaro finalmente apresentou sua estratégia de vacinação. Em entrevista coletiva, ele confirmou que o Brasil compraria a vacina aprovada pelo órgão regulador da Anvisa por US$ 3,93 bilhões. Muitos temem, no entanto, que Bolsonaro continue usando sua influência dentro da Anvisa para bloquear as vacinas que não são de seu interesse.
Dada a falta de preparação do Brasil, que está em dependência quase total da AstraZeneca, a resposta à Covid-19 de Jair Bolsonaro já foi descrita como “negligência homicida”, “imprudência criminosa” e “absurdo” pela imprensa internacional.
Embora o modelo de negócios do imunizante da AstraZeneca atualmente não tenha fins lucrativos, um memorando de entendimento entre a empresa e um fabricante brasileiro mostrou que a gigante britânica pode começar a ter lucro já em julho de 2021.
A aparente confiança total de Bolsonaro na vacina AstraZeneca levanta sérias questões sobre seu relacionamento com o governo britânico e com a própria empresa. Afinal, foi a pressão britânica, a suspeita da China ou só a negligência criminosa que levaram Bolsonaro a essa situação?
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A publicação do documento chega num momento crucial. Bolsonaro colocou quase todas as esperanças no programa de vacinação para o Brasil na vacina desenvolvida por um consórcio justamente entre a Universidade de Oxford e a Astrazeneca. Depois que quase 200.000 brasileiros morreram do vírus, o segundo maior número globalmente, seu aparente investimento pessoal no imunizante da Oxford/AstraZeneca foi descrito como “homicidamente negligente” e “absurdo”.
A aparente confiança total de Bolsonaro na vacina da gigante farmacêutica britânica levanta uma séria questão: os esforços de lobby britânicos provocaram um acordo amoroso e desastroso com a empresa?
Parceiros estratégicos
Em março de 2020 o Brasil Wire revelou detalhes básicos de reuniões e correspondências previamente não divulgadas entre altos funcionários britânicos e Jair Bolsonaro antes, durante e depois da campanha eleitoral de 2018. Essas reuniões levantaram preocupações, dadas as declarações abertas de Bolsonaro a favor da ditadura, tortura e violência contra as comunidades indígenas no Brasil.
O primeiro encontro entre o então deputado e o embaixador ocorreu em 10 de abril de 2018, seis meses antes da eleição, e contou com a presença também de outros nomes. Ainda em 9 de abril de 2018, um dia antes, a então secretária-chefe do Tesouro, Liz Truss, partiu para o Brasil em visita oficial para discutir “livre comércio, livre mercado e oportunidades pós-Brexit”.
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Em 29 de junho de 2018, Rangarajan deu sequência à sua reunião de abril com uma carta privada para Jair Bolsonaro sobre os “parceiros estratégicos” do Reino Unido no Brasil. “Deputado Bolsonaro”, diz a carta, “foi um grande prazer conhecê-lo e iniciar nossa conversa em abril deste ano. Gostaria de convidar você para um café da manhã, ou almoço, em minha residência, com os maiores investidores britânicos no Brasil, no horário que mais lhe convier ”.
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O Reino Unido estava, portanto, fazendo lobby com um candidato neofascista em nome de grandes empresas farmacêuticas e petrolíferas britânicas na corrida para uma das eleições mais polêmicas do Brasil desde o fim da Ditadura Militar (1.964-1.985). De fato, a eleição foi o resultado de um golpe lento, após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e da prisão do líder político e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em abril de 2018.
O Brasil Wire também obteve e-mails privados entre Rangarajan e autoridades brasileiras nos anos que antecederam as eleições de 2018. Um e-mail enviado em abril de 2017, com o título “Briefing [redigido] Shell”, observa que “os parceiros estratégicos, liderados por Vijay, encontraram o candidato à presidência [redigido] em São Paulo, no dia 22 de junho”.
Não foi possível confirmar se o nome redigido no e-mail de 2017 é o de Jair Bolsonaro, ou de outro candidato presidencial.
Embora Bolsonaro ainda não tivesse anunciado formalmente sua candidatura em junho de 2016, o Brasil Wire teve conhecimento, em primeira mão, que o antecessor de Rangarajan, o embaixador do Reino Unido, Alex Ellis, estava em comunicação com ele desde 2014.
Petróleo britânico e mineração
Esses esforços de lobby estão de acordo com uma campanha de pressão britânica anterior. Em novembro de 2017 o ministro de Estado do Comércio Internacional, Greg Hands, pressionou o ministro de Minas e Energia do Brasil, Paulo Pedrosa, para “enfraquecer as leis tributárias e ambientais e as políticas de contratação locais”, para assim promover os interesses das mineradoras britânicas.
Bolsonaro também provou ser um presidente lucrativo para muitas das empresas britânicas listadas no convite de Rangarajan. A gigante mineradora britânica Anglo American fez mais de 300 solicitações de pesquisa para explorar 18 territórios indígenas na Amazônia, alguns dos quais abrigam povos isolados. Este é apenas um episódio da corrida transnacional para explorar a região desde que Bolsonaro chegou ao poder.
Em 2018, a Shell e a BP – com quem o embaixador do Reino Unido no Brasil se reuniu mais de vinte vezes desde 2017 – já haviam acumulado 13,5 bilhões de barris de petróleo brasileiro, mais do que a própria empresa do país, a Petrobras, e por apenas uma fração do custo.
Resposta ao coronavírus “homicida negligente” de Bolsonaro
O Brasil sofreu o segundo pior número de taxas de mortalidade de Covid-19 do mundo. Bolsonaro tem sido criticado no Brasil e internacionalmente por contar apenas com a vacina Oxford/AstraZeneca que, ao contrário de outros imunizantes, ainda não está pronta para produção. Em 3 de dezembro de 2020 o governo federal comprou 100 milhões de doses da vacina da farmacêutica AstraZeneca por R$ 1,9 bilhão (US$ 360 milhões).
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A aparente confiança total de Bolsonaro na vacina AstraZeneca levanta sérias questões sobre seu relacionamento com o governo britânico e com a própria empresa. Afinal, foi a pressão britânica, a suspeita da China ou só a negligência criminosa que levaram Bolsonaro a essa situação?